A Estranha História da Magia Que Me Seduziu

em sábado, 29 de fevereiro de 2020

Quando o filme está no seu top five de favoritos, e você tem a oportunidade de ler o livro que o inspirou, é natural que a expectativa esteja lá em cima. Mas algo que a minha experiência como leitora me ensinou é que, quando uma comédia, principalmente comédia romântica, é inspirada num livro, ele geralmente não chega aos pés do filme.
E Se Fosse Verdade
E por aí vai...
Esta lógica não se aplica a outros gêneros. Fantasia, por exemplo, os livros costumam ser tão bons quanto e muitas vezes melhores do que os filmes. Mas em se tratando de comédia... O buraco costuma ser bem mais embaixo.
DA MAGIA À SEDUÇÃO
Título Original: Practical Magic
Autora: Alice Hoffman
Editora: Rocco
Páginas: 261
Gênero: Romance

Sinopse:
Quem resiste aos feitiços de uma bruxa? A cultura pop sempre estimulou a nossa fantasia com esses mitos que envolvem magia e sedução — da Feiticeira da série de televisão dos anos 60, passando pela Maga Patológica, dos quadrinhos, até as Bruxas de Eastwick, do cinema. A americana Alice Hoffman, autora de A Lua dos Namorados e Sétimo Céu, brinda os leitores com uma nova e irresistível história de bruxas: Da Magia à Sedução.
O livro conta a história de Gillian e Sally Owens, duas órfãs de um clã de feiticeiras de uma pequena cidade do estado do Massachusetts. Criadas pelas tias, que praticam algumas bruxarias light, Gillian e Sally têm uma infância difícil. Afinal, por mais de duzentos anos as mulheres Owens haviam sido responsabilizadas por tudo que saía errado na cidade. Naturalmente as demais crianças faziam de tudo para evitar sua companhia, fazendo com que as irmãs Owens vivessem em um mundo próprio e sonhassem com uma vida normal.
Até que elas crescem e tomam seus próprios rumos. Gillian, loura, preguiçosa e selvagem, provoca paixões instantâneas e troca de namorado a cada momento. Já a morena Sally, trezentos e noventa e sete dias mais velha do que a irmã, é conscienciosa e responsável. Uma toma o caminho da estrada e a outra se casa.
Porém, elas têm mais em comum do que os inesquecíveis olhos cinzentos e o conhecimento do poder supernatural das plantas, animais e tempestades. Elas carregam o estigma de uma maldição: não podem apaixonar-se sem colocar em risco a vida do homem que amam.

 


Eu perdi a conta de quantas vezes já assisti Da Magia à Sedução – aquele em que Sandra Bullock e Nicole Kidman interpretam duas irmãs em uma família de bruxas com extrema má sorte no amor –, mas sei que foi o suficiente para conhecer todas as falas do filme de cor.
Sério!
Podem me testar!
Dizer que eu amo esse filme seria redundante. Ele é, indiscutivelmente, um dos meus favoritos. Mas quando eu li o livro, cheguei à conclusão de que os roteiristas mereciam... Não, mereciam é pouco. Eles precisavam... Não, ainda não abrange. Não tem como estabelecer um grau para isso. ACADEMY AWARDS, COMO VOCÊS OUSARAM NÃO DAR UM OSCAR AOS ROTEIRISTAS DESSE FILME?!
Acho que o Oscar precisa abrir uma categoria especial para premiar os roteiristas que conseguem transformar personagens absolutamente intragáveis de livros potencialmente bons em algo que 99% do público amará sem sombra de dúvida. Porque foi exatamente o que aconteceu nesse caso.
O básico da história é o mesmo enredo do filme. Sally e Gillian Owens ficaram órfãs ainda pequenas, e acabaram sendo criadas pelas tias, as excêntricas Frances e Jet Owens, duas senhoras que a cidade inteira evita, por causa de seus hábitos estranhos, mas a quem as mulheres procuram sem pensar duas vezes quando desejam enfeitiçar os homens que amam.
Mas daí em diante, a história do filme e a do livro começam a perder toda e qualquer semelhança.
Bem, embora não tenha, como no filme, feito um voto de nunca se apaixonar, Sally não faz qualquer questão de cair nesse laço. Ela tenta levar uma vida normal enquanto vive com as tias, mesmo depois que sua irmã caçula, Gillian foge com um namorado, para nunca mais voltar. Mas é claro que ela não consegue se manter firme em seu propósito, depois de conhecer Michael. Eles se casam, têm duas filhas, sua vida é perfeita, e Sally é a mulher mais feliz do mundo... Até Michael morrer atropelado. Assim como no filme, Sally ouviu o besouro anunciando a morte dele durante um bom tempo antes de acontecer, porém, no livro, Sally é mais cética que no filme, e acha que tudo o que as tias lhe ensinaram quando era pequena não passa de superstição tola e sem fundamento. Até que o desastre acontece.
Depois disso, Sally se fechou, ficou deprimida, e não pronunciou uma única palavra durante um ano inteiro, de luto por seu amado morto. Ela só voltou a si quando percebeu que as crianças da cidade estavam hostilizando suas filhas simplesmente por carregarem o sobrenome Owens. Nesse momento, ela se recordou que tinha duas vidas que dependiam dela, e que não mereciam viver assim. Então ela decidiu deixar a velha casa das tias em Massachusetts e mudar-se com as meninas para uma cidadezinha nos arredores de Nova York.
A história dá um salto de vários anos – mais do que em relação ao filme. Vemos Antonia, a filha mais velha de Sally com dezesseis anos, e Kylie prestes a fazer treze – no filme, a ordem de primogenitura é inversa e as meninas são crianças enquanto a trama acontece. Sally vai com as filhas para Massachusetts uma vez por ano para visitar as tias, o que faz com que as meninas conservem um laço familiar com os hábitos da família, mas durante todo o resto do tempo, ela tenta fazê-las levar uma vida normal.
E a partir daqui que a história do livro e a do filme se tornam tão distantes que fica muito difícil relacioná-las.
O problema não é a trama em si. O livro e o filme contam relativamente a mesma história: Gillian aparece uma noite na porta da casa de Sally com o namorado morto no carro, elas o enterram no jardim e torcem para que isso não tenha consequências. Bem, essa é a versão do livro. No filme a coisa ficou bem mais interessante, com aquela parte das irmãs bruxas tentando ressuscitá-lo com um feitiço, a coisa dando incrivelmente errado, e as duas ficando tão desesperadas a ponto de matá-lo uma segunda vez, e enterrar o assunto junto com ele.
Nada disso acontece no livro.
Agora, o motivo porque eu defendo que os roteiristas deviam ter recebido um Oscar é o seguinte: além da trama ter sido extremamente melhorada no filme, as personagens no livro são praticamente irreconhecíveis, exceto pelos nomes. Sally é a típica mãe puritana, que só pensa em suas responsabilidades, e que é tão avessa a qualquer tipo de diversão que simplesmente não admite que ninguém à sua volta se divirta. Sabe aquela pessoa que perdeu qualquer gosto pela vida, se fechou numa bolha de autocomiseração e acha que todo mundo deve ser tão infeliz quanto ela? Então, essa é a Sally Owens do livro, completamente insuportável; muito diferente da Sally do filme, que apenas queria ser normal e manter as filhas longe de encrencas, mas não apedrejava ninguém, nem mesmo quando se tornou indiretamente cúmplice de Gillian no assassinato de Jimmy, nem ficou chorando pelos cantos por causa disso.
E se a Sally do livro é tão diferente da do filme, para pior, Gillian está quase no mesmo barco. Só que ela é o exato oposto de Sally: ela vive a vida a qualquer custo e danem-se as consequências. Ela é a tia divertida que muda o visual da sobrinha como presente de aniversário para melhorar sua autoestima, mesmo sabendo que vai tomar uma comida de rabo da mãe da garota quando vir o resultado. Ela é a porra-louca da família. Por esse ângulo, nós já podemos estabelecer nossa preferência no tocante às irmãs Owens, certo? Errado! Porque Gillian parece gostar de se envolver sempre com caras agressivos, abusivos e violentos, e parece não ver nenhum problema nisso, a não ser que respingue nela a possibilidade de ir para a cadeia – por assassinar acidentalmente o tal namorado, por exemplo. Nas palavras das próprias personagens, Gillian costuma ferrar todos os homens que se envolvem com ela; mas a verdade é um pouquinho pior: ela só escolhe caras ferrados, e que provavelmente não precisam de ajuda para se ferrar ainda mais.
Fica claro ao longo da narrativa o tipo de relacionamento abusivo que ela tinha com Jimmy, um cara com quem ela ficou por quatro anos – o que é pelo menos três anos e onze meses mais do que ela costumava ficar com qualquer outro cara –, que a agredia de todas as maneiras possíveis. E, como muitas vezes ocorre na vida real, ela se culpa pelas agressões que sofreu dele, e acha que merecia cada uma delas.
E quando finalmente conhece um cara que realmente vale a pena, que a trata com carinho e respeito, ela acha que não é digna dele, e que se aceitá-lo, ela o acabará destruindo, como a todos os homens que passaram por sua vida.
Para falar a verdade, o relacionamento de Gillian com Ben, professor das sobrinhas, é a única parte boa do livro que o filme ignorou, mas falaremos disso mais adiante.
Porque eu ainda não acabei de jogar as personagens na fogueira.
As tias, Jet e Frances passam praticamente despercebidas na maior parte do livro, pois Sally não morava mais com elas há anos, e Gillian nem mesmo as visitava desde que fugiu de casa. Mas quando ressurgem no final, ficam claras as diferenças entre suas personagens no livro e no filme. No livro, Frances é irritadiça, mal-humorada e, na maioria das vezes, grosseira; enquanto Jet é exatamente como no filme, um raio de sol, de tão alegre. Aparentemente, esse contraste nas personalidades é bem típico em todas as gerações de mulheres Owens: as mais velhas – Frances, Sally e Antônia – chatas, e as caçulas – Jet, Gillian e Kylie – animadas. E o livro deu um espaço maior para o desenvolvimento da personalidade de pelo menos uma das filhas de Sally, Kylie. Assim como no filme, ela é a única que consegue ver o homem no jardim, sentado sob os arbustos de lilases, que cresceram mais do que o normal nesse verão, e é quem alerta a mãe e a tia sobre ele ser o responsável por toda a má sorte que estão encarando nos últimos dias.
Para falar a verdade, as vidas das filhas de Sally foram meio que relegadas ao segundo plano pelos dramas da vida de Gillian, mas pudemos ver como Kylie era uma menina solitária, exceto por um amigo com quem ela passou a maior parte do livro brigada, tendo substituído sua companhia pela de Gillian; e Antonia, que a princípio é mencionada como a beldade do bairro, praticamente passa o tempo todo sozinha, em seu emprego na sorveteria, tendo crises de ciúme porque, graças à tia Gillian, Kylie agora está mais bonita que ela, pelo menos até começar a namorar um garoto de Harvard que estava passando o verão na cidade. O único momento em que eu realmente simpatizei com Antônia, foi quando ela demonstrou preocupação por Kylie quase ter sido atacada por uns tarados no bairro, e depois disso as duas pararam de implicar uma com a outra e se tornaram amigas, ou as irmãs que deveriam ter sido desde o início.
E eu deixei de propósito o caso mais inquietante para o final. Gary Hallet, o detetive de Tucson, Arizona, que se despencou até o outro lado do país para investigar o sumiço de Jimmy. Bem, seu objetivo, na verdade, era prendê-lo, pela morte de três estudantes de uma universidade no Arizona, para quem ele vendia drogas. Mas Sally fez questão de dar com a língua nos dentes que Jimmy estava morto, que a morte dele foi acidental, e sem dar nenhum detalhe a respeito. Isso, cinco minutos depois de ter conhecido Gary, para quem ela se descobriu incapaz de mentir.
Porque, claro, isso faz o maior sentido...
Como também fez o maior sentido Gary ter se apaixonado por Sally desde que leu a carta que ela enviara a Gillian – o filme manteve essa parte, porém, no filme, Sally abria o coração para a irmã em sua carta, enquanto que no livro, ela apenas despejava sua raiva e xingava a irmã de tudo o que era possível –, e o fato de ele chorar cada vez que olha para ela. E o pior, eles tiveram somente duas cenas juntos: o interrogatório na cozinha de Sally, e, um pouco mais tarde no mesmo dia, a confissão de que Jimmy estava morto – confissão essa que terminou com os dois se pegando. Isso foi o suficiente para que Sally, aquela cética convicta, que jurou nunca mais olhar para outro homem, se perder de amores pelo fulano.
Não é que eu não goste minimamente do enredo de amor à primeira vista. É só que depois de todo o esforço que o livro fez para convencer o leitor de que Sally sequer tinha um coração dentro do peito, a coisa toda com Gary aconteceu extremamente rápido demais. Tipo, a história ficou martelando na tecla de que Sally repudiara toda forma de amor durante Eras, e de repente, ela cai de quatro pelo cara na velocidade da luz, meio minuto depois de conhecê-lo. E por um chorão! Sinceramente... Não sei nem o que comentar sobre isso...
Bem, Da Magia à Sedução é um livro regular, com uma história essencialmente boa, com um desenvolvimento relativamente bom, com revelações e reviravoltas na medida certa, porém com alguns personagens intragáveis e momentos basicamente inexplicáveis. Absolutamente nada, comparado ao filme. Insignificante quando consideramos a trama assistida um milhão de vezes.
Sally foi completamente humanizada no filme, deixou de ser aquele autômato intratável do livro, e se tornou o elo seguro na corrente das irmãs Owens. Gillian, no filme, deixou de ser a mulher acostumada, e até mesmo conformada a ser maltratada, para tornar-se a irmã irresponsável e incrivelmente carismática de Sally. Claro que o filme não teria espaço para desenvolver de uma vez só a história de duas gerações de irmãs Owens, por isso Kylie e Antônia se mantiveram crianças que apenas estavam no meio de toda a confusão, e essa foi uma das decisões mais inteligentes que o roteiro tomou, pois a história delas nada acrescentaria ao filme. E o desenvolvimento mais amplo do relacionamento de Sally com Gary, mesmo tendo excluído completamente a nova chance de felicidade de Gillian com um novo amor, foi ainda melhor, porque corrigiu uma falha grotesca do livro quanto a esses personagens, que justificou completamente a frase final de Sally, agora totalmente favorável e aberta ao amor, e ainda tornou os dois personagens, tão sem sal no livro, absolutamente adoráveis.
Sim, Gillian ficou sem o seu romance, mas a personagem era suficientemente forte para sobreviver sem isso. Além do mais, ela tinha sua própria bagunça para limpar – se livrar de Jimmy, de corpo e alma; principalmente de alma – antes de se preocupar com novos romances.
Realmente, roteiristas, vocês estão de parabéns, por terem recriado de forma primorosa personagens ruins de uma história potencialmente boa; por terem reescrito uma trama que precisava de algo mais para nos encantar, nos enfeitiçar e nos cativar; e principalmente, por transformarem um livro tão mais ou menos, num filme absolutamente perfeito.

* A capa do livro foi adaptada da edição americana, porque as capas brasileiras não são nada charmosas.


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