Por Talita Vasconcelos
ÚLTIMO ATO
Interior. Ainda
No Castelo do Drácula, Transilvânia. Mesma Noite.
Primeiro: Frankenstein não devia entrar
nessa cena. Mas ele entrou. E entrou debaixo de cacete.
Segundo: não deveria haver um bêbado em
cena. Mas houve. E era o Ricardo, o ator desaparecido, que entrava mamado,
cobrindo o Frankenstein de porrada. Só para fazer o nariz do Pedrão voltar a
sangrar.
Terceiro: Vick deveria ter tido pelo
menos trinta segundos a mais lá fora para prender direito a peruca da Noiva de
Frankenstein, antes de entrar no palco tentando apartar a briga.
Quarto: O Fantasma da Ópera ser
nocauteado no último ato tentando apartar a treta do Frankenstein com um
bêbado, não estava no roteiro.
Quinto: A Cruella atirar um sapato na
cara do bêbado para fazê-lo parar de bater no Pedrão, também não estava no
roteiro.
Sexto: Se o Ricardo estava enchendo a
cara em algum lugar nos bastidores, quem é a Múmia que passou a peça inteira
resmungando na cadeira de rodas?
E Sétimo: A sorte não alivia, mesmo! Já
posso avaliar o que vai sair na coluna da Silvia Rosenthal, que, por sinal,
está na primeira fila, assistindo ao nosso fiasco com um sorriso sádico no
rosto.
– CHEGA! – berrou Dona Rosa, descendo
literalmente do salto da Cruella.
– Alguém pode explicar que diabo está
acontecendo aqui? – exigiu Leandro.
– Esse... idiota! – gaguejou Ricardo,
cambaleando, um pouco pelo porre, um pouco pela sapatada que tomou na cara,
apontando para o Pedrão. – Me nocauteou, e me trancou no armário da sala da
contrarregra!
– Ficou doido!? – defendeu-se Pedrão.
– Tira a porcaria do fone de ouvido
quando for fuçar naquela sala! – berrou Ricardo. – Imbecil!
Aparentemente a ficha do Pedrão caiu.
Mais tarde ouvimos essa história em detalhes. Pedrão foi buscar alguns
acessórios do cenário que ainda não tinham sido colocados no lugar, e estava
com os fones no ouvido. O Ricardo estava parado feito bocó perto da porta do
armário “meditando” – segundo as palavras dele, mas sabemos que esse é um
eufemismo para “dormindo em pé”. Ainda não sabemos bem porque, mas isso acontece
com ele às vezes; deve ter qualquer coisa a ver com aquela mania de misturar
álcool com remédio. Às vezes ele me faz lembrar o cigano narcoléptico de Moulin
Rouge, que caía no sono inesperadamente no meio das cenas. Então, quando o
Pedrão terminou de pegar os objetos que queria, bateu a porta do armário, que
só abre por fora, trancando o Ricardo lá dentro.
E como não havia água no armário, pelo
visto ele achou que não teria problema algum secar o garrafão de vinho que o
Sidney sempre deixa escondido lá dentro.
Se ele fosse um pouco mais esperto,
teria encontrado a passagem no fundo do armário que dá para a cozinha do
casarão.
– Espera um minutinho... – disse Vick,
a peruca da noiva de Frankenstein pendendo de um lado da cabeça, presa apenas por
dois heroicos grampinhos. – Se você estava trancado no armário, quem é aquela
Múmia paralítica ali?
Comecei a desenrolar as faixas do rosto
da criatura, que se debatia como se estivesse a caminho de ser sacrificada. E
para nossa surpresa, era a Rita, assessora do Otávio.
– Aí está você, sua vaca, cretina! –
gritou o sujeito grandalhão que eu vi discutindo com o Otávio mais cedo,
emergindo do meio da plateia. – Cadê meu carro, sua ordinária?!
– No meu bolso! Não tá vendo?! –
respondeu ela, com petulância.
Mais cedo naquele dia, Rita roubou o
carro do ex-marido. Faz tempo que os dois vivem às turras, e volta e meia
ouvimos alguma encrenca do lado de fora do casarão – talvez por isso o sujeito
tenha me parecido familiar quando o vi no corredor. Aparentemente, a Rita
decidiu que era justo roubar o carro dele, depois de ele ter roubado sua
juventude. Um dia desses, os dois vão ser manchete do Cidade Alerta: ou pelo
homicídio de um dos dois, ou por serem pegos pela polícia fazendo alguma
sacanagem num lugar inexplicável, porque já ouvimos cada absurdo que vocês não
acreditariam sobre esse relacionamento tapas e beijos dos dois...
Enfim, como a megera estava tentando
não ser vista pelo cara hoje, e o Ricardo estava desaparecido, a Cristiana, que
também não regula, enrolou a doida num monte de faixas de curativos, a colocou
para fazer figuração como Múmia na peça, e o resto da história vocês já
conhecem...
O que ninguém explicou até agora, foi
de onde elas tiraram aquela cadeira de rodas...
– Garota, quando é que você vai criar
juízo? – perguntou Otávio, não tenho muita certeza se para a Cristiana ou para
a Rita, depois de ouvir toda a história da troca das múmias.
– Quando eu descobrir o que ele come –
respondeu Cristiana, acostumada a esse tipo de indagação.
O que teria sido um final meio cômico
para um dia tão tumultuado. Mas inacreditavelmente, nossa estreia recheada de
maluquices, porrada e bomba, teve uma crítica positiva na coluna da Silvia
Rosenthal.
Segundo ela, desconsiderando o
quebra-pau inesperado no último ato, nossa comédia dos monstros – como ela
própria intitulou nossa peça –, foi a mais divertida montagem que ela viu nesse
mês de Halloween.
Não entendi o que ocasionou este
milagre. Será que ela está prenha?
Bem, descobriremos um dia desses. Quem sabe,
na nossa próxima estreia?
Enquanto isso: MERDA!
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