Para
quê falar de um clássico que todo mundo conhece? Para quê ler um clássico
incansavelmente refilmado? Bastaria assistir a um dos filmes, a uma das
inúmeras adaptações, e voilà! Você já
conhece a história, não é? Geralmente, não é bem assim.
A
maior parte das histórias recebe tantas modificações ao serem adaptadas para o
cinema ou para a televisão, que quando nos deparamos com a obra original
descobrimos que não a conhecemos tão bem quanto pensávamos. Sobretudo porque
tanto o cinema quanto a TV têm a necessidade constante de agradar o público, o que implica muitas vezes em mudar o destino, e
principalmente o final dos personagens com quem o público criará empatia.
Como
é o caso desta obra maravilhosa que todos estamos carecas de ver representada
por aí, mas de uma maneira completamente diferente da história original.
Título Original: Notre-Dame de ParisAutor: Victor HugoEditora: ZaharPáginas: 496Gênero: Romance Gótico
Sinopse:Victor Hugo foi o maior poeta romântico da França e um dos seus maiores prosadores. Produziu várias obras-primas, entre elas o romance medieval O Corcunda de Notre Dame (1831). A história é centrada na tragédia do corcunda Quasímodo e da cigana Esmeralda. É no interior da grande catedral gótica e nos labirintos das construções de Paris que se desenrola a terrível história de paixões impossíveis de seus personagens. Victor Hugo reuniu magistralmente em seu famoso romance religiosos e vagabundos, ciganos e nobres, padres e leigos — heróis e vilões. Com poderosa imaginação criadora, Hugo desperta em seu leitor as mais variadas emoções: do profano ao sagrado, do grotesco ao sublime. Com uma trama arrebatadora, que tem a cidade de Paris como bem mais do que um mero pano de fundo.EEEEE
A
princípio, O Corcunda de Notre Dame parece uma coleção de histórias sobre os
moradores mais estranhos de Paris no final do século 15. Temos os ciganos e os
mendigos que povoam a Praça da Greve durante os festejos do Dia de Reis e a
tradicional Festa dos Loucos, onde o ser humano mais estranho no recinto é
eleito o Papa dos Loucos, uma espécie de bobo da corte, que é ovacionado e
achincalhado por todos em um desfile pelas ruas da cidade. Temos também a
figura da enclausurada, uma mulher infeliz que decidiu viver reclusa num
cubículo sem porta, com uma pequena janela fechada com grades de ferro
enferrujado, enterrada viva com as dores de seu passado, vivendo da caridade
dos transeuntes que às vezes lhe dão algo para comer. E, claro, temos
Quasímodo, o sineiro corcunda, caolho, deformado e surdo de Notre Dame.
Ao
contrário do que o título em português sugere, o corcunda não é o protagonista
desta história. Ele recebeu do autor basicamente a mesma atenção que a cigana
Esmeralda, a enclausurada da Tour-Roland, e o poeta errante Pierre Gringoire,
cuja vida foi salva por Esmeralda ao fim dos festejos, quando queriam
enforcá-lo no Pátio dos Milagres.
A
figura central do romance é a própria Catedral de Notre Dame, diante da qual e
dentro da qual toda a trama se desenrola.
E
embora a Disney tenha transformado a obra num conto leve e bonito, para ser
apreciado por crianças, O Corcunda de Notre Dame pode perfeitamente ser
considerado um romance de horror. Não há final feliz. Febo e Esmeralda juntos e
apaixonados no final? Esqueça! Quasímodo tendo sua bondade reconhecida apesar
de suas deformidades? Sem chance! Uma grande celebração para comemorar o
triunfo da justiça e o castigo dos vilões? Só a Disney conseguiu esta proeza.
Se
você viu o desenho da Disney e acredita por isso conhecer a história desse
clássico da literatura francesa, lamento informar que está enganado, pois o
livro e o filme contam histórias completamente diferentes.
Sem
dar muitos spoilers: Esmeralda está realmente encantada pelo Capitão Febo,
porém ele só a vê como um objeto de diversão. Mais tarde, quando ela é acusada
e condenada à forca por um crime que, na realidade, nem aconteceu, Febo não faz
nada para salvá-la. Pelo contrário, ele faz parte da turba que, afinal, acaba
por conduzir a cigana ao cadafalso. Quasímodo, por ser surdo, não compreende
quando os ciganos e os mendigos cercam a catedral para libertar Esmeralda,
asilada por ele para evitar seu enforcamento; e combate a multidão, matando
muitos, por acreditar que eles querem retirá-la do abrigo para cumprir sua
sentença.
Victor
Hugo teceu em sua obra uma crítica social. Apesar de ter ambientado a trama no
período medieval, ele descreveu traços da sociedade que se mantinham ainda no
século XIX: a figura do bode expiatório, condenado à morte para servir de
exemplo a outros, sem que se comprovasse realmente sua culpa no crime – e neste
caso, sem que de fato houvesse um crime –; as figuras marginalizadas da
sociedade, frequentemente hostilizadas, e acusadas por tudo de ruim que
acontecesse na cidade; a condescendência e até mesmo a cegueira diante da
vilania dos poderosos e dos líderes, por se acreditar que estas figuras
estivessem acima de qualquer suspeita, quando, na realidade, eram eles os
criminosos, os que realmente cometiam as barbaridades pelas quais os pobres e
os mendigos eram condenados.
A
sociedade alimentou durante muito tempo – até hoje, em muitos casos – certa
intolerância pelo diferente, pelo que eles não compreendiam, por quem
discordasse de seus hábitos e de suas crenças. Apesar do testemunho da vítima,
Esmeralda não encontrou clemência, porque ela era uma cigana, uma classe
desprezada pela sociedade; Quasímodo não era mau, mas por causa de suas
deformidades, foi repudiado por todos, e mais tarde vilanizado por não ter como
compreender as intenções daqueles que marchavam contra a catedral. E não vamos
nos esquecer que muitas de suas ações podem ter sido induzidas pelo homem cruel
que se dizia seu protetor.
Victor
Hugo não se dignou a dar um final feliz aos seus personagens, ou sua crítica
teria morrido ao final da obra. E apesar do desfecho lamentável, é possível
reconhecer uma beleza grotesca no texto de O Corcunda de Notre Dame: a beleza
nas descrições dos cenários, da arquitetura de uma Paris medieval, e de um
monumento atemporal, que permanece como uma das mais belas construções de toda
a Europa. E o lamento de uma realidade profunda e visceral, descrita com
riqueza de detalhes e precisão, tão triste quanto o destino dos personagens
deste clássico.
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