Por Talita Vasconcelos
Aos bem vividos que acham que já viram
de tudo, me digam se já viram isso: uma mocinha do final século dezenove caminhando
pelas ruas do Grande ABC, com um vestido branco de gola alta, com um discreto
babado de renda na gola, arrematado com aplicações de pérolas; imaginem o
penteado de Winona Ryder em Drácula de Bram Stoker, arrematado com um chapéu
branco, com um pequenino véu que, no momento certo, cobriria também o meu
rosto.
Imaginou?
Agora imagine essa mesma mulher
entrando no supermercado, batendo as botinas no piso antiderrapante,
aproximando-se da prateleira das delícias – aquela preenchida com achocolatado
em pó, garrafas de cobertura para sorvete, barras de chocolate e todas essas
gordices maravilhosas –, fazendo aparecer um ponto de interrogação no rosto de
um bebê na cadeirinha do carrinho, que provavelmente nunca se deparou com uma
maluca fantasiada de Mina Murray, enquanto a mãe tenta decidir se leva o Neston
de chocolate ou de morango.
Super
normal!
Se guardar boa memória da primeira
infância, esse bebê terá uma ótima história para contar aos filhos e aos netos
no futuro...
A mãe tomou um susto ao me ver esticando
a mão para apanhar as garrafas na prateleira. Deve ter demorado uns dez
segundos para se convencer de que eu não era um fantasma. E depois se afastou
empurrando o carrinho mais rápido do que o recomendável com um bebê a bordo,
olhando para trás de quando em quando, parecendo concluir que eu era só alguma
doida.
Como esse tipo de coisa para mim não é
novidade – pagar mico em lugares públicos e pessoas pensando que eu sou doida
–, peguei a cobertura de chocolate e a de morango e me dirigi ao caixa.
E quem é que estava lá no caixa? Uma
doida!
Uma velha doida para ser mais
específica.
Veja bem: o mercado estava lotado, cada
caixa tinha no mínimo quatro pessoas na fila, algumas com carrinhos cheios;
aquele era o único com somente uma pessoa atrás da velha doida que estava comprando
mandiocas, e a garota só tinha um pacote de Doritos e duas garrafinhas de
Smirnoff Ice na mão. Embora ela não parecesse ter dezoito anos ainda, eu sabia
que aquela compra não demoraria mais do que um minuto para ser registrada e
cobrada... Se a velha das mandiocas
não ficasse falando abobrinha com a operadora de caixa pelo resto do dia...
Pelo pouco que consegui entender,
porque a senhorinha falava meio baixo, ela estava evangelizando a funcionária
do caixa. Em pleno horário de expediente. Plena sexta-feira no final da tarde.
E a fila crescendo atrás de mim!
– Há quanto tempo essa mulher está aí?
– perguntei à menina que estava bufando de impaciência e batendo o All Star no
piso para ver se a velha se tocava. O que, claro, estava muito longe de
acontecer.
– Mais de dez minutos – respondeu a
garota. – Estou quase enterrando a mandioca nessa velha.
Teria sido engraçado, se eu não
estivesse ficando irritada. Com a velha! A mandioca não tem culpa nenhuma nessa
história...
– Oh, minha senhora! – falei bem alto,
para chamar a atenção da velha, interrompendo a ressurreição de Lázaro. – Se a
senhora não tem mais o que fazer, todo mundo nessa fila tem! Dá para fazer a
gentileza de deixar a moça trabalhar?!
Primeiro a velha me encarou meio espantada,
e pareceu confusa com a minha vestimenta completamente fora desses tempos –
talvez estivesse na moda quando ela
tinha a minha idade, tipo cento e cinquenta anos atrás. Em seguida, pareceu
ligeiramente constrangida ao perceber que o restante da fila apoiava minha
reclamação com gritinhos e pedidos para ela se
mandar e se tocar. A caixa
repetiu para ela o valor de sua compra, com visível irritação. Então a velha
abriu a bolsinha de moedas... E aí senta que lá vem história!
Pensa numa pessoa contando moeda.
Literalmente! Para se ter uma ideia, se ela tivesse tentado pagar com cartão de
crédito, errado a senha três vezes, e tivesse que esperar a moça com o cartão
mestre para cancelar a compra para a velha resolver a pendenga lá no balcão do
gerente, não teria demorado tanto.
Sério! Isso me aconteceu uma vez, numa
outra situação em que eu também estava com pressa, e a pessoa na minha frente
na fila do caixa tentou pagar com cartão.
Quatorze dias depois, quando a velha
finalmente liberou o caixa, e a menina à minha frente pagou rapidinho pelos
Doritos e as Smirnoffs – a moça do caixa já estava tão injuriada que nem se
preocupou em pedir o RG da garota –, pude finalmente pagar pelas caldas de
sorvete.
E pensa que a velha foi embora? Ela
desocupou os ouvidos da operadora de caixa e foi alugar os do segurança na
saída do mercado.
– Melhor o segurança se converter logo,
senão ela não vai dar sossego hoje – comentei com a moça do caixa, que olhava
intrigada para o meu figurino enquanto registrava minha compra.
– Ela vem aqui todo dia – disse a moça
do caixa, torcendo o nariz. – E é todo dia a mesma ladainha...
– É cada maluco que aparece, hein...
Julgando pela aparência, seria o roto
falando do esfarrapado. Mina Murray alfinetando a Ruth Romcy!
Saí rapidinho do mercado, fazendo
pessoas virarem o rosto na rua para me ver passar, e retornei ao teatro para
descobrir que tínhamos outra surpresinha naquele dia.
Continua...
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