Com
a licencinha da nossa querida e estimada Rainha Má, não teria como iniciar este
artigo sem fazer alusão à história da bela princesa odiada pela madrasta.
Afinal, seu conto também faz parte desta mitologia.
A
tradição da maçã como fruto amaldiçoado vem de tempos muito remotos e está em
toda parte.
Há
séculos a maçã é associada ao fruto proibido, provado por Adão e Eva no Jardim
do Éden, da única árvore da qual eles não tinham permissão para comer, e, como
resultado de sua desobediência, o casal foi expulso do jardim, e fadado a
carregar para sempre o peso do pecado original, que trouxe a morte à
humanidade.
Apesar
de tradicionalmente ser associada à maçã, é pouco provável que a árvore do meio
do Jardim do Éden, que prometia a quem dela comesse, o conhecimento do bem e do
mal, desse este fruto. A maçã não era conhecida no Oriente Médio até a
conquista da Pérsia pelos gregos, na época de Alexandre, O Grande, quando diversos
elementos da cultura e agricultura europeia foram introduzidos lá. De fato, o
mito de que seria a maçã o fruto proibido do Éden somente surgiu na Idade
Média, na Europa Ocidental, onde as maçãs cresciam em abundância. Diversas
frutas mais comuns no Oriente Médio já foram apontadas como fruto proibido em
diferentes momentos da história, como o figo – um fruto que chega a lembrar um
coração humano, e foi inclusive o fruto escolhido por Michelangelo ao retratar
a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal no teto da Capela Sistina, talvez
inspirado pela sequência do texto, em que Adão e Eva utilizaram folhas de
figueira para cobrir sua nudez –, a pera – tida como pecaminosa ou como símbolo de imortalidade em diversas
culturas –, e a romã – um fruto vermelho e suculento, que, por causa de seu
elevado número de sementes, é tido como um símbolo de fertilidade.
Mas
então, de onde surgiu a ideia de que o fruto proibido seria a maçã?
Talvez,
por se tratar de um fruto belo e apetitoso, que quando bem maduro é muito
vermelho – uma cor geralmente associada ao pecado –, talvez porque seu formato
lembre o desenho de um coração romântico, ou talvez por seu sabor delicioso –
não se conhece muitas pessoas que não goste de maçãs...
O
fato é que a maçã tem sido frequentemente associada à lendas, mitologias e
divindades desde a antiguidade, e em diferentes lugares do mundo.
Vejamos
algumas dessas histórias:
O Pomo da Discórdia
Esta
talvez seja a mais clássica das histórias envolvendo a maçã, e, sem dúvida, a
que teve resultados mais catastróficos.
Lembram
como começou a história da Bela Adormecida? Havia treze fadas no reino, e o
palácio tinha somente doze pratos de ouro. Para evitar que alguma fada se
sentisse menosprezada por comer num prato inferior ao das demais, o rei e sua
esposa acharam por bem não convidar Malévola para o batizado da princesa
Aurora. Daí, de vingancinha, a fada malvada amaldiçoou a princesa, para que
furasse o dedo numa roca no décimo sexto aniversário, e morresse. Algo que
poderia ter sido evitado simplesmente derretendo alguns colares da rainha para
a fabricação de mais um pratinho dourado...
Bem,
algo parecido aconteceu na mitologia grega. Na ocasião do casamento da ninfa
Tétis com o rei Peleu, os noivos convidaram geral para a festa, exceto Éris, a
deusa da Discórdia – cá entre nós, quem em sã consciência convidaria essa deusa
para as suas bodas? Então, como vingança, enquanto Hera, Atena e Afrodite
conversavam, tentando decidir qual seria a cor do vestido perfeito para o
evento, Éris pegou uma maçã dourada, escreveu em sua casca “Para a mais bela”,
e lançou aos pés das três deusas, sabendo que cada uma delas reclamaria o pomo
para si.
As três deusas
que queriam ser a mais bela: Afrodite, Hera e Atena.
|
O
resultado disso foi que as três deusas deixaram a fofoca de lado, partiram para
os puxões de cabelo, e Zeus, para pôr ordem no galinheiro sem se comprometer,
elegeu Páris, o príncipe rejeitado de Troia, a respeito de quem havia uma
profecia dizendo que ele causaria a ruína do reino, como juiz dessa discórdia.
Cada deusa ofereceu presentinhos especiais ao rapaz, em troca de ser declarada
a mais bela, e ele acabou escolhendo o presente de Afrodite, que lhe prometera
o amor de Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, e considerada a mortal
mais bela do mundo. Páris acabou tendo que raptá-la, o que desencadeou a guerra
de Troia... E deu no que deu!
E
sabem qual é a grande ironia? Lembram quem foi um dos principais heróis da guerra
de Troia? Vou dar uma dica: pensem no calcanhar. Pois é, Aquiles! E ele era
filho de quem, mesmo? Tétis e Peleu, o casal que não quis convidar a deusa Éris
para suas bodas, o que deixou a megera revoltada, causou a briga entre as
deusas, e deu início à guerra de Troia, onde Aquiles foi morto...
Tipo
a Bela Adormecida, só que com a cara do Brad Pitt, e sem final feliz...
O Jardim das Hespérides
Ainda
na mitologia grega, temos mais duas menções à maçãs douradas. Numa delas,
Atalanta, filha do rei de Ciros, era considerada a corredora mais veloz do
mundo, e temendo casar-se, desafiara seus pretendentes para uma corrida:
aquele que vencesse a teria como esposa, porém, os perdedores seriam
executados. Ela, naturalmente, venceu a corrida, mas acabou desafiada novamente
por Hipomene, que, no momento da corrida, atirou à frente dela uma maçã dourada
que ganhara de Afrodite, que Atalanta não resistiu em abaixar-se para apanhar,
perdendo a aposta. No fim, os dois acabaram transformados numa parelha de
leões, porque Hipomene esqueceu as boas maneiras, não agradeceu a ajuda da
deusa como deveria, fez coisas feias onde não devia, e deixou outra deusa muito
furiosa...
Mas
o mito de Atalanta e Hipomene não é tão interessante quanto o décimo primeiro
trabalho de Hércules, que consistia em roubar uma maçã dourada do Jardim das
Hespérides.
As
Hespérides eram as três ninfas vespertinas, filhas do titã Atlas, e
responsáveis por guardar o jardim de Hera no extremo Ocidente, onde cresciam os
pomos de ouro, que, de acordo com o mito, foram dados à Hera por Gaia, na
ocasião de seu casamento com Zeus, e concediam a imortalidade a quem o comesse.
Uma outra versão do mito também conta que as maçãs ofereciam a cura para todos
os males.
Quando
Hércules cumpria os doze trabalhos propostos por Euristeu, como punição por ter
matado sua esposa e filhos – num acesso de loucura provocado por Hera, diga-se
de passagem, que o odiava por ele ser filho de seu marido, e já tinha atiçado
serpentes contra ele no berço –, teve que roubar algumas dessas fabulosas maçãs
do jardim de sua madrasta malvada. Além das Hespérides, um dragão de cem
cabeças chamado Ladon também guardava o jardim – possessividade, sua deusa é
Hera!
Enfim,
Hércules acabou tendo mais trabalho para descobrir a localização do tal jardim
do que para obter as maçãs, na verdade. Ele mais ou menos teve que dar a volta
ao mundo antigo – não sei se em oitenta dias ou menos –, enfrentar um
sem-número de monstros bizarros em troca de informações inúteis, que
basicamente o levaram ao fulano, que o mandou falar com sicrano, que o enviou a
beltrano, que conhecia um cara que com certeza sabia informar a direção do
jardim.
Ele
provavelmente teria economizado muito tempo se tivesse simplesmente perguntado
no Posto Ipiranga...
E
no fim das contas, tudo o que ele precisou para conseguir as maçãs foi enrolar
um titã ligeiramente burro para que as roubasse para ele.
Como
mencionei, as Hespérides eram filhas de Atlas – pelo menos em uma das diversas
versões do mito –, o titã que havia sido condenado a carregar para sempre o
peso do céu em suas costas. Pois bem, como deduziu que seria particularmente
problemático passar por um dragão de cem cabeças, e já tinha enfrentado muita
enrolação para chegar até ali, o herói se ofereceu para segurar o fardo do pai
das moças uns minutinhos, enquanto ele ia até o jardim, dizia oi para as
filhotas, fazia carinho nas cem cabeças de Ladon, jogava uma bolinha para ele
apanhar, e roubava algumas maçãs douradas em seu lugar.
Claro
que, depois de se aliviar do peso do céu, Atlas não estava muito disposto a
retomá-lo, mas Hércules garantiu que voltaria para tomar o fardo de volta assim
que entregasse as maçãs a Euristeu.
E
assim Hércules inventou a promessa de político!
E
Atlas deve estar esperando por ele até hoje...
Idun e as Maçãs da Juventude
A
mitologia nórdica também tem sua versão do pomo maravilhoso que concede
imortalidade e juventude a quem o comer. De acordo com o mito, essas maçãs
gloriosas e perfumadas são cultivadas, guardadas e distribuídas aos deuses por
Idun, deusa da juventude. Diferentemente dos deuses de outras mitologias, a
imortalidade e juventude dos deuses nórdicos não se sustentam sem o artifício
dos frutos de Idun, portanto, de tempos em tempos, eles precisam comer suas
belas maçãs vermelhas como rubis, para
renovar suas dádivas.
Um
belo dia porém, estava Odin, rei dos deuses nórdicos passeando no bosque com
Loki – um semideus muito engraçadinho, que você se lembrará como o espírito
atazanado que concede poderes ao acessório do Máskara, ou como o Brincalhão de
Supernatural, aquela entidade maluca que gosta de matar Dean repetidas vezes e
das maneiras mais bizarras –, quando Loki sentiu fome – afinal, divindades
mitológicas também precisam comer! –, e decidiu parar para fazer um
churrasquinho, enquanto Odin tagarelava a respeito do sono e bebia
tranquilamente seu hidromel. Eis que uma águia gigantesca, empoleirada num
galho alto de uma das árvores ao redor começou a agitar suas asas, fazendo com
que o vento perturbasse o fogo em que Loki assava sua carninha. Obviamente, o
malandro reclamou, e a águia concordou em deixá-lo em paz, contanto que ele
dividisse a refeição. Só que a ave quis se servir primeiro, deixando somente
os ossos para Loki, que não ficou nada contente com as sobras. E o que ele fez?
Apanhou um galho e começou a descer o sarrafo na águia.
O
problema é que aquele não era um galho comum, e aquela também não era uma águia
comum. O galho prendeu-se como mágica numa extremidade à calda do pássaro gigante
e na outra às mãos de Loki, permitindo que a águia o arrastasse durante um voo
nada delicado, chocando-o contra todos os galhos e espinhos possíveis e depois
mergulhando-o na água salgada – porque desgraça pouca é bobagem. Daí eu consigo
entender porque o palhaço pegou gosto por se vingar, matando o Dean até
esmagado por um piano ou engasgado com uma linguiça...
Acontece
que a águia era o gigante Thiassi, que se metamorfoseara em pássaro e provocara
Loki para lhe fazer uma proposta indecente: raptar Idun e as maçãs abençoadas dos
deuses, para que os gigantes também pudessem ser imortais. Só depois que Loki
concordou com o acordo, a águia o libertou.
Loki,
naturalmente, cumpriu o prometido, levando a deusa da juventude e suas maçãs para o gigante, ganhando alguns frutos como recompensa, para preservar sua juventude. Os
deuses, porém, como sua fonte secara, começaram a envelhecer rapidamente – pois
eram tão antigos, que o tempo começou a cobrar as parcelas vencidas com juros e
correção monetária.
Mesmo
velhos, decrépitos, caquéticos e caindo aos pedaços, com a imortalidade e a
juventude protestadas no SERASA, quando descobriram a travessura, os deuses
nórdicos se juntaram para juntar
Loki, e obrigá-lo a resgatar Idun e suas preciosas maçãs. O que Loki fez – por
livre e espontânea pressão –, resultando na destruição de Thiassi, que acabou
queimado numa fogueira improvisada pelo velho Thor no momento de sua
aterrissagem.
Ah,
sim, e a sobremesa do dia foi torta de maçã! Restaurando a saúde, juventude,
brilho e vitalidade das peles, unhas e cabelos de todos os deuses nórdicos.
Avalon, A Ilha das Maçãs
A
maçã também está diretamente ligada às lendas do Rei Arthur, uma vez que elas
provavelmente deram origem ao nome da famosa Ilha de Avalon. Etimologicamente,
o nome da ilha pode ter derivado do termo celta abal, que significa maçã.
Para
os celtas, as maçãs representavam a imortalidade, o conhecimento e a magia. Na
mitologia irlandesa, era comum uma fada presentear um herói com um ramo de macieira
ao convidá-lo para ir ao Outro Mundo.
A localização da lendária Ilha de Avalon é desconhecida, embora
muitos associem Glastonbury, na Inglaterra, às lendas arturianas, pois, séculos
atrás, a região esteve cercada por pântanos, tornando-a semelhante a uma ilha,
e, pelo que consta, as maçãs cresceram em abundância na região. Em galês,
Glastonbury ainda é conhecida como “Ynys Afallach”, Ilha das Maçãs. A hipótese
de que Avalon seria ali foi sustentada pela suposta descoberta de um caixão com
uma cruz de ferro, contendo dois corpos, possivelmente de Arthur e sua Rainha
Guinevere, enterrado cinco metros abaixo da Abadia de Glastonbury por volta de
1190, muito embora pesquisadores posteriores acreditem que a descoberta não
passou de um boato criado para dar publicidade ao lugar e levantar fundos para
a reforma da abadia, que fora incendiada em 1184.
Seja
lá como for, de acordo com a lenda arturiana, Excalibur, a famosa espada do Rei
foi forjada em Avalon, e o próprio Rei Arthur teria sido levado para lá para
ser curado de um ferimento mortal após sua última batalha, da qual saíra
vitorioso. Supostamente, os ferimentos do rei seriam tratados pela sacerdotisa
Morgana – sua meia-irmã, de acordo com uma das versões do mito; uma
representação da deusa irlandesa Morrigan, de acordo com outra versão – e suas
nove donzelas sacerdotisas.
O
destino do Rei Arthur depois de ter sido levado ferido para Avalon é incerto.
Uma versão conta que ele não resistiu à viagem, e foi enterrado na ilha; outra
versão conta que ele foi cuidado pelas sacerdotisas de Morgana numa cama de
ouro até sua cura; em outra, ele teria adormecido, esperando para retornar no
futuro, pois a ilha seria um refúgio de espíritos, e sua magia permitiria que
ele permanecesse vivo por séculos. Em outra versão do mito, Arthur teria sido levado pela
Dama do Lago a uma Avalon mística, numa dimensão paralela ao mundo real, onde
teria se tornado imortal.
Não
importa qual versão você escolha como sua favorita, de uma coisa eu sei: as
maçãs podem até não fazer parte da cura, mas devem ter tornado os dias desse
dodóizinho muito mais doces e apetitosos.
A Árvore Envenenada
Já mencionei aqui certa vez que o meu poema favorito – por mais grotesco que isso
possa parecer – é A Árvore Envenenada, de William Blake. O poema não é
particularmente bonito – longe disso, na verdade –, e fala sobre rancor.
Muitas
pessoas aparentemente o procuraram depois que ele foi recitado por Klaus
Mikaelson num dos primeiros episódios de The Originals. Aliás, um poema que
realmente combina com uma história de vampiros, sobretudo porque o contexto da
primeira temporada girava um pouco em torno do rancor de Klaus, por ver que
Marcel, seu discípulo, tornara-se o soberano de Nova Orleans, ao passo que ele,
um dos fundadores da cidade, esteve fugindo da ira do pai nos últimos séculos.
E o fato de ele buscar uma pequena vingança também combinava bastante com o
poema.
Nos
versos, o poeta admite a raiva que sentia por um inimigo, e que a deixou
florescer, associando o fruto desse ódio a uma reluzente maçã – referência
ainda ao fruto proibido –, e esse seu inimigo, seduzido pelo brilho do fruto,
mesmo sabendo a quem pertencia, decidiu roubá-lo na calada da noite, desavisado
de que o ódio do poeta o envenenara.
E
nem é preciso dizer que William Blake não foi o primeiro a deixar uma maçã
envenenada ao alcance de seu desafeto...
Uma Maçã Vermelha Como Sangue
E
chegamos, provavelmente, à mais famosa maçã.
O
conto é atemporal e extremamente difundido em diversas versões, sendo a mais
famosa atualmente a versão coletada pelos Irmãos Grimm, compilada em um de seus
volumes de Contos de Fadas junto com outras histórias da tradição oral alemã.
No
conto, em um belo dia de inverno, estava a Rainha costurando junto a uma janela
negra de ébano, quando furou o dedo na agulha e três gotas de sangue pingaram
na neve. Vendo a beleza do contraste de cores, ela desejou ter uma filha com a
pele alva como a neve, cabelos negros como ébano e lábios vermelhos como
sangue.
Seu
desejo foi realizado pouco tempo depois, com o nascimento de Branca de Neve.
Tragicamente,
a Rainha morreu pouco tempo depois, e o Rei não tardou dar à menina uma
madrasta.
E
todos conhecemos a história.
A
Rainha Má tinha obsessão por ser a mais bela de todas, e frequentemente
perguntava ao seu Espelho Mágico se continuava sendo a detentora do título, obtendo
sempre resposta afirmativa. Até o dia em que o Espelho lhe revelou que sua
enteada, Branca de Neve, tornara-se mais bela que Sua Majestade.
A
partir daquele dia, a Rainha Má passou a nutrir um ódio mortal pela princesa,
encomendando sua morte primeiro ao caçador, que acabou por deixar a princesa
fugir, levando para a Rainha, como prova de que tinha cumprido a tarefa, o
coração de um cervo. Mais tarde, quando Branca de Neve já estava vivendo com os
sete anões, a Rainha decidiu levar a morte até ela pessoalmente.
Se
quiser que saia bem feito, faça você mesmo, não é o que dizem?
A
versão da Disney, de 1937, cortou inúmeras repetições do conto, tornando-o um
pouco mais polido. A princípio, a ideia era que a Rainha Má fosse uma
personagem atrapalhada e cômica, mas depois, optaram por torná-la uma vilã absolutamente
digna do título. E, verdade seja dita, ela é até hoje a melhor vilã do estúdio.
Quanto pior,
melhor!
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Mas
a maçã não foi a única tentativa da Rainha de destruir sua enteada mais bela.
No conto original, a megera bateu três vezes à casa dos anões para atentar
contra a princesa refugiada. Primeiro oferecendo uma fita, que apertou em
demasia em torno da cintura de Branca de Neve, impedindo-a de respirar. A
princesa somente foi salva quando os anões chegaram e cortaram o laço. Na
segunda tentativa, a Rainha Má deu a ela um pente ou uma escova de cabelo
envenenada, e, de novo, Branca de Neve foi salva quando os anões a removeram de
suas madeixas. Só então a Rainha trouxe à enteada a famosa maçã.
De
acordo com a versão dos Irmãos Grimm, desta vez Branca de Neve desconfiou das
intenções da velhinha – que antes se apresentara sob o disfarce de mascate e de
mendiga, e só desta vez tomou a poção que arruinou definitivamente sua linda
cútis –, e chegou a rejeitar a fruta. Mas a Rainha, prevendo já que a princesa
não podia ser tão tola, e que em algum momento desconfiaria das modestas e
gentis vendedoras que batiam à porta dos anões na ausência deles, preparara de
antemão a maçã para torná-la irrecusável. Ela envenenou somente a metade da
maçã que era vermelha como sangue, deixando a outra metade, ligeiramente
esverdeada, livre de veneno. Quando Branca de Neve tentou recusá-la, a Rainha
Má cortou um pedaço do lado verde da maçã e o provou, para demonstrar como a
fruta era deliciosa, e convencer a princesa de que não havia perigo ali. Então
deu à Branca de Neve a metade envenenada.
No
conto original também não há beijo de amor verdadeiro para salvar a mocinha. O
príncipe realmente a vê no caixão de vidro, e, encantado com sua beleza, decide
levá-la para o palácio – acho que não havia leis contra necrofilia na época –, mas
no caminho, a carruagem que transportava o caixão da princesa tropeçou numa
pedra, fazendo-a regurgitar o pedaço envenenado da maçã que ficara preso em sua
garganta, despertando-a novamente para a vida.
O
que somente prova que a Rainha Má não conhecia nenhum veneno realmente eficaz
para banhar a maçã, já que ele não chegou a penetrar a corrente sanguínea da
princesa.
O
final da Rainha Má no conto original também não é lá dos mais bonitos, e nada
tem a ver com cair de um penhasco e ser esmagada por uma pedra: a madrasta perversa,
depois de se livrar do efeito da poção que a transformou numa bruxa velha, foi
convidada para o casamento de Branca de Neve com o Príncipe Encantado, e acabou
dançando sobre brasas até cair morta. Provavelmente o ponto alto da festa!
Pouquíssimos
filmes até hoje adaptaram as três tentativas pessoais da Rainha Má de
assassinar Branca de Neve. Só conheço a adaptação alemã mostrada na série Sechs auf einen Streich (Os Melhores
Contos de Grimm, no Brasil), e o filme Branca de Neve Um Conto de Fadas de
Terror, uma versão ligeiramente grotesca de 1997, que contou uma versão macabra
da história. E ainda teve Sigourney Weaver na pele da Rainha Má, então nem
precisava do Espelho Mágico para saber que ela não era a mais bela de todas...
Se
vasculhar bem o imenso acervo de mitologias e contos de fadas do mundo inteiro,
eu provavelmente encontrarei inúmeras outras histórias em que a maçã teve papel
importante, como fruta abençoada, amaldiçoada, envenenada, pecaminosa ou proibida. A ideia
da tentação está definitiva e indubitavelmente atrelada à figura vermelha e
apetitosa da maçã. Sua fama, seja ela boa ou ruim, se estende pelos quatro cantos
da terra, tornando-a praticamente um personagem ativo na história e na estória
de diversas culturas.
Mas
já deu para se ter uma ideia.
O
que, afinal, ninguém pode discordar é que, proibida ou não, envenenada ou não,
é praticamente impossível ver uma maçã vermelhinha e suculenta e resistir a lhe
dar uma mordida. Que com certeza, será deliciosa!
Obrigado. Gostei muito. Lucio Haeser
ResponderExcluirÓtimo Texto, adorei as curiosidades sobre a maça.
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