Por um lado, temos Sophie Kinsella, um nome que está fortemente enraizado no imaginário popular como produtora de grandes diversões literárias – com algumas futilidades (Becky Bloom agradece a referência), mas sempre muito divertidas. Por outro lado, temos Madeleine Wickham, a pessoa real por trás da autora queridinha dos amantes de chick-lit, seu nome verdadeiro e suas primeiras aventuras literárias. E, pode acreditar em mim, há uma GRANDE diferença entre essas duas identidades. Especialmente em seu estilo literário.
A Rainha dos Funerais nos oferece uma leitura fluida, divertida e que não dá vontade de largar. É um livro curto – principalmente quando comparado a outras obras da autora – cujo texto nos captura e nos prende quase como mágica. Aliás, como tudo o que essa mulher escreve.
Apesar disso, sou obrigada a reconhecer que não é a melhor de suas obras.
A RAINHA DOS FUNERAIS
Título Original: The Gatecrasher
Autora: Madeleine Wickham (Sophie Kinsella)
Editora: Galera Record
Páginas: 294
Gênero: Chick-lit
Sinopse:
Fleur Daxeny possui o talento de entrar de penetra em funerais à caça de milionários a quem pode conquistar, limpar a conta bancária e descartar. Mas, dessa vez, as coisas não saem exatamente como o planejado.
Você provavelmente já ouviu falar de Sophie Kinsella, um dos nomes mais importantes da literatura contemporânea. Mais de 40 milhões de exemplares vendidos em 60 países consagraram Kinsella como a rainha absoluta do gênero em que escreve. O que você talvez não saiba é que essa trajetória brilhante começou um pouco antes de o pseudônimo Sophie Kinsella existir, quando a autora assinava suas obras com seu verdadeiro nome. Como Madeleine Wickham, a inglesa escreveu seis romances, entrando para a lista de mais vendidos logo na estreia, um sucesso imediato tanto de crítica quanto de público. A autora reafirma sua versatilidade e seu brilhantismo com narrativas completamente diferentes das que escreve como Sophie, mais ácidas, irreverentes, porém igualmente apaixonantes.
Em A rainha dos funerais ela explora a vida de Fleur Daxeny, uma mulher viciada em chapéus de grife, cartões de crédito ilimitados e homens ricos. Nem anjo nem demônio, a bela e sedutora heroína se esforça para sustentar seu estilo de vida. Que melhor local para garantir a próxima conquista do que num funeral? Afinal, um recém-viúvo está sempre precisando de um ombro amigo. Parecia o plano perfeito... exceto que seus interesses materiais entram em conflito com os do coração ao conhecer Richard Favour, um homem doce e amoroso, ainda tentando superar a morte da esposa. Fleur se flagra desejando ser mais que uma amiga para ele. O único problema é a conta bancária de Richard...
Em A rainha dos funerais, com um texto envolvente e inebriante tendo como cenário a maluca década de 1990, Madeleine Wickham brinca com as nuances da psique humana de cada personagem e de suas idiossincrasias, e nos faz refletir sobre a maneira como nos relacionamos, o perpétuo idealismo em justaposição com a sólida realidade, sem jamais perder de vista que, por trás da montanha de desespero, a esperança sempre continua a brilhar.EEEEE
Madeleine – Maddie, para os íntimos – nos apresenta uma protagonista divisora de opiniões. Fleur é uma mulher madura – já no primeiro capítulo ela admite ter quarenta anos, o que, de acordo com o professor Girafales, joga seu próximo aniversário só para dali a 60 meses –, muito confiante, segura de si, e completamente desonesta. Fleur é uma vigarista, que vive de aplicar golpes em homens ricos, para sustentar seus caprichos e sua vida luxuosa.
E onde ela conhece esses homens? Em funerais e missas fúnebres, oras!
Sabe aquela papa-defunto – ou melhor, papa-viúvo –, que gosta de se aproveitar da fragilidade daqueles que acabaram de perder sua metade da laranja? A pessoa vai lá, toda trabalhada na elegância e sensualidade, dentro de um – tailleur – pretinho básico, com um belíssimo chapéu preto, oferecer seu ombro amigo ao pobre viúvo... Enquanto secretamente calcula qual será o conteúdo de suas carteiras...
Esta, meus amores, é Fleur Daxeny, uma golpista sórdida e inescrupulosa, embrulhada num rosto bonito, corpo escultural e uma tácita promessa de recomeço; cheia de compreensão, carinho, amor pra dar... E vontade de te roubar!
A princípio, eu tinha pensado que o objetivo dela era arranjar um marido rico, mas não; ela quer é fazer a limpa nas contas bancárias e dar no pé o mais rápido possível.
E de cara ficamos fascinados por essa vigarista, tão confiante e tão determinada; a adorável bandida.
E, como já arrancou tudo o que podia de seu atual amante grego – que, pelo pouco que ela nos revela, não era lá muito delicado nas práticas do amor –, ela está de volta à Londres, e em busca de um novo pato para depenar.
E a vítima da vez que ela descobriu no obituário dos jornais é Richard Favour, que, a princípio, está tendo uma crise existencial em plena missa fúnebre da esposa. Somos informados, logo de cara, que suas decepções com a cara metade começaram na noite de núpcias, quando – pelo pouco que ele revela – ela deixou de ser a noiva apaixonada e carinhosa e se transformou numa megera frígida e sem nenhum carisma.
Emily Favour é descrita por vários personagens ao longo da história como uma mulher reservada, que nunca deixou entrever muitos traços de sua personalidade, e nunca foi calorosa com os filhos nem com o marido. E nem com a irmã, que praticamente abriu mão de sua própria vida para criar (!) os filhos dela.
Mas, convenhamos, que a missa fúnebre da dita cuja não é o local mais apropriado para se fazer a análise psicológica dela, né!?
Para Fleur, porém, esse detalhe – que até então ela desconhecia – foi uma mão na roda, e sua história da carochinha de que havia conhecido a defunta muito tempo atrás, e que poderia contar um pouco sobre ela, lhe deu a oportunidade perfeita para se aproximar do viúvo e conquistar sua atenção. E depois seu coração. E mais tarde, se tudo correr bem, seus milhões.
Não que Fleur soubesse desde o princípio que havia uma fortuna tão grande a conquistar. Fleur estava acostumada a seduzir homens de classe alta, pero no mucho! Gente com grana suficiente para sustentar seus luxos por alguns meses, mas sem correr o risco de ir parar no radar da Interpol. Ou da Scotland Yard.
Aliás, é um tanto surpreendente que esta mulher não tenha sua fuça estampada em todos os postes e cabines telefônicas de Londres como a mais procurada do país; inimiga número um dos viúvos ricos e solitários. Mas, como ela mesma explica ao longo da história, para suas vítimas é menos constrangedor perder algumas milhares de libras do que assumir publicamente que foram vítimas de um golpe.
E também, né, não é como se eles não tivessem desfrutado bastante de sua companhia. Fleur é aquele tipo de mulher que vale o dinheiro perdido!
A verdade é que Fleur é uma personagem carismática, do tipo que não se deixa intimidar por ninguém, que sempre tem uma resposta afiada na ponta da língua, e uma carta na manga para se livrar de qualquer situação embaraçosa. Até uma calcinha de seda “perdida” para justificar sua presença em lugares onde não deveria estar.
E, a verdade maior ainda, é que ela acaba fazendo mais bem do que mal à família Favour.
Primeiro, ela dá uma injeção de confiança e autoestima na apagada tia Gillian, a irmã de Emily que abriu mão de tudo para criar os filhos dela. Principalmente o caçula, Antony, que foi rejeitado pela mãe desde que nasceu, apesar de toda a dificuldade que ela tivera para gerar mais uma criança. Talvez a rejeição, a exemplo de Quasímodo, tenha sido culpa de uma marca de nascença no rosto do menino.
E ao contrário do que se poderia imaginar, apesar de uma estranheza inicial porque o pai fez a fila andar tão depressa após a morte de Emily – afinal, o corpo da defunta pode esfriar, mas o do viúvo alguém tem que manter quentinho –, os filhos dele não fizeram grande oposição à nova namorada do papai. Já o genro dele...
Lambert é o grande vilão dessa história. Além de ele ser um bon vivant aproveitador, que só se casou com Philippa porque sabia que ela seria milionária – aliás, esse romance teve o dedo podre da Emily para acontecer –, ainda se sente no direito de maltratá-la e humilhá-la das formas mais degradantes.
E não bastasse ser um marido abusivo, o safado também está endividado até a alma, e planejando dar um desfalque na conta bancária do sogro para cobrir o rombo em seu próprio cheque especial.
Juro: eu torci muito para esse cara levar a culpa por qualquer desfalque que a Fleur desse em Richard!
O livro é permeado de temas importantes: relacionamentos abusivos, bullying, depressão, entre outros, mas já adianto que Madeleine Wickham explorou pouco seus desdobramentos.
Com o virar das páginas, a própria Fleur foi ficando em segundo plano, abrindo caminho para sua filha, Zara, que mais ou menos assumiu o posto de protagonista na metade do livro.
Embora já soubéssemos de sua existência, demora um pouco para sabermos qual exatamente é a origem de Zara. Ao contrário do que se poderia supor, ela não foi um deslize da adolescência de Fleur, nem fruto de um casamento tórrido com algum ricaço – ou, numa hipótese menos provável, com um pobretão por quem Fleur tivesse se apaixonado loucamente. Zara, ao que tudo indica, foi fruto de um mau passo bastante consciente que Fleur se permitiu por alguma razão, mas a história está mal contada e também acaba meio perdida no enredo.
Mas essa menina rouba a cena assim que chega à casa de Richard. Ela nos é apresentada como uma espécie de rebelde sem causa, possivelmente portadora de algum distúrbio alimentar – fato que é desmentido algumas páginas depois –, e que simplesmente já desistiu de lutar contra o mau hábito da mãe de aplicar golpes em homens ricos. Ela já se conformou com seu estilo de vida pouco ortodoxo, e, até onde é possível afirmar, tenta simplesmente não ficar no caminho da mãe e de sua vítima atual.
Exceto que Zara acaba realmente gostando da família Favour – principalmente do jovem Antony, que acaba, de certo modo, conhecendo partes da verdade em relação a Fleur, e mesmo assim, ainda torce pelo romance do pai; principalmente para não se afastar de Zara.
E no meio de toda essa trama enrolada, temos Philippa, a filha mais velha de Richard, casada com o mau-caráter Lambert, e que, ao que tudo indica, quebra o jejum todas as manhãs com o pão que o diabo amassou nas mãos dele. Lambert obviamente não a ama; apenas a vê como um meio para um fim, no caso, a promessa de alguns milhões em sua conta bancária dentro de uns dois anos, pois assim que Philippa completar trinta anos ela terá acesso ao fundo fiduciário da mãe, fato que Emily contou ao genro, mas omitiu à filha.
O problema é que Richard ainda não decidiu se vai mesmo dispor desse dinheiro aos filhos ainda em vida.
Philippa, ao contrário do que seria de se imaginar, não é a peruazinha fútil e mimada, criada em berço de ouro, e que aprendeu desde cedo a não se misturar com a gentalha. Verdade seja dita, o rei na barriga de Fleur é maior que o dela! Mas a garota é uma personagem difícil para nós, leitores: ela é insegura, boba alegre, carente até o tutano do osso, sempre em busca de qualquer migalha de atenção que alguém se disponha a lhe dar. Apesar disso, ela não é má, e nos pegamos sentindo muita pena dela ao longo da história, porque ela simplesmente é solitária demais, e tem dificuldade para interagir com outros personagens e externar os sofrimentos pelos quais está passando.
E Fleur, embora tenha parecido que lhe ofereceria uma mão amiga, está ocupada demais cuidando de seus próprios interesses para se preocupar com os dramas de Philippa – embora eles sejam realmente sérios.
Apesar do egoísmo que ela demonstra em vários momentos da trama, não consegui torcer pela ruína de Fleur. Como eu disse, a personagem é carismática, tem mais pontos fortes que fracos, e inadvertidamente acabou fazendo um bem danado à família Favour, de modo que eu não gostaria realmente que ela se desse mal no final, embora suas atitudes até carecessem de punição.
Por outro lado, eu também não gostaria que ela desse um golpe em Richard, pois ele se mostrou um cara muito legal, e não merecia ser mais uma vítima da caça fortunas.
De modo que minha única saída, como leitora, era torcer para que Fleur se apaixonasse de verdade por ele, e desistisse dessa rotina maluca de desfalcar contas bancárias alheias e sair de fininho com seu tailleur preto e chapéu elegante, em busca de um novo viúvo.
Aliás, teria sido uma reviravolta interessante se Richard, um dia, tivesse aberto o jornal e dado de cara com uma foto em preto e branco dessa vigarista, pois, por mais constrangedora que fosse a situação, alguém deveria ter denunciado essa mulher! Ou, no mínimo, alertado para a presença de uma golpista nos funerais e missas fúnebres dos ricaços.
Seja lá como for, eu torcia por um romance arrebatador e para Fleur dar uma ajudinha para que Philippa desse um pé na bunda de Lambert, já que foi ela quem semeou a ideia do divórcio na “enteada”.
Bem, as coisas não saíram como eu tinha imaginado, mas não cheguei a ficar decepcionada, exatamente.
O livro termina com muitas pontas soltas, e nos deixa com a sensação de que carecia de mais alguns capítulos – ou, no mínimo, de um epílogo – para finalizar todos os dramas deixados em aberto.
Quando cheguei ao penúltimo capítulo, sem ver coisa nenhuma se resolver, foi batendo aquela aflição, e a verdade é que o grande clímax esperado nunca chegou.
O final foi bastante ambíguo – para combinar com o caráter dúbio de sua protagonista. Não sabemos ao certo qual foi o destino da protagonista, de sua adorável vítima, nem mesmo de sua filha. Por um lado, deduzimos que a menina tenha realizado o sonho de sua vida; por outro lado, não fazemos ideia de quais terão sido as consequências das mentiras que a família Favour acabara de descobrir que Fleur havia contado. E o pior é que eles não ficaram sabendo dessa missa a metade!
Sabemos que Philippa teve um final mais ou menos feliz, apesar de tudo, e que Gillian finalmente tinha planos de viver a vida, agora que não tinha mais a responsabilidade dos filhos da irmã sobre os ombros. É claro que Lambert foi, de certa forma, punido, mas achei que saiu muito barato, perto do que ele merecia. E, naturalmente, quem acompanhou essa história por mais de duzentas páginas gostaria de ter visto o grande encontro de Zara com o “caubói americano”.
Bem, não foi desta vez. Tive a sensação de que A Rainha dos Funerais era apenas o primeiro volume de uma história que ainda não havia terminado, mas, se isso for verdade, a continuação deve ter morrido pelo caminho, pois o livro foi um dos primeiros publicados pela autora, mais de vinte anos atrás, e nunca ganhou uma continuação.
É óbvio quanto o estilo e o talento de Sophie Kinsella – muito evidente já nesse volume – foi aperfeiçoado com o tempo; mas quanto a este livro específico, embora, de modo geral eu tenha gostado, não é uma de suas melhores obras. Os personagens eram bons, com personalidades bem definidas – embora Richard tenha me soado meio crédulo demais na maior parte do tempo –, e a narrativa é simplesmente impecável. Faltou talvez um pouco mais de planejamento e organização para conduzir a trama a um final satisfatório, e amarrar todas as pontas. Mas não posso dizer que não gostei. Foi uma história interessante, embora não tenha sido realmente finalizada.
A sensação que fica é parecida com aquela que Hazel Grace alimentou ao longo de A Culpa é das Estrelas quanto a Uma Aflição Imperial: ela precisava de conclusão. O que aconteceu com os personagens? Como suas vidas foram reajustadas depois de todas as reviravoltas? Fleur estava mesmo apaixonada pelo Richard? E, caso estivesse, esse sentimento seria suficiente para fazê-la reconsiderar toda uma vida de golpes e vigarices? E Zara, gostou do “caubói americano”? Ou ele será só mais uma decepção em sua vida? Philippa conseguiu juntar os caquinhos e se refazer? Será que agora, sem o marido opressor, essa borboleta finalmente sairá do casulo e conquistará o afeto verdadeiro das pessoas à sua volta? Deixará de ser a garota solitária e mal amada, e conseguirá dar um up em sua vida? Bem, se depender do dinheiro que ela logo herdará, é bem possível; mas, se essa história nos ensinou alguma coisa, é que dinheiro não é tudo na vida, nem tampouco é garantia de felicidade. E Antony, conseguirá conservar os amigos que conquistou na reta final, se Zara deixar de estar tão perto de sua família? E afinal de contas, onde é que Johnny e Félix entram nisso tudo?
Ao que tudo indica, assim como Hazel com Uma
Aflição Imperial, nunca teremos essas respostas. Mas desconfio que, se alguém
tiver oportunidade de perguntar, Sophie Kinsella – ou, Madeleine Wickham, que
seja – será bem mais solidária do que Van Houten em responder estas perguntas
aos seus leitores.
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