O Rei dos Vampiros

em domingo, 10 de outubro de 2021

Nunca conhecemos realmente uma história até lê-la. Por mais que tenhamos visto duzentos filmes baseados nela, o livro carrega detalhes e nuances que nenhuma outra mídia é capaz de expressar.

Para se ter uma ideia, eu assisti:

* Nosferatu (1922) filme mudo, um clássico do expressionismo alemão;

* Drácula (1931)clássico da Universal Pictures, a primeira adaptação oficial da obra, em que Bela Lugosi ensinou ao mundo como um vampiro deve ser;

* O Vampiro da Noite (1958) – um clássico dentre os remakes, estrelado por Christopher Lee;

* Deu a Louca Nos Monstros (1987) onde um grupo de crianças forma um esquadrão contra o Conde Drácula e os outros monstros que ele trouxe para assombrar sua cidade;

* Drácula de Bram Stoker (1992) – releitura do clássico, que tentou estabelecer uma ligação ancestral entre Drácula e Mina, recheado de estrelas no elenco: Gary Oldman no papel principal, Keanu Reeves como Jonathan Harker, Winona Ryder como Mina, Anthony Hopkins como Van Helsing, e por aí vai;

* Drácula – Morto Mas Feliz (1995) – a paródia estrelada por Leslie Nielsen;

* Drácula 2000 (2000) – em que o vampiro é a versão amaldiçoada de Judas Iscariotis;

* Drácula (2013) – aquela série sofrível com apenas treze episódios, em que tentaram pintar o Drácula como um empresário americano pioneiro da ciência moderna, reencontrando a reencarnação de sua esposa em meio à sociedade vitoriana;

* Drácula – A História Nunca Contada (2014) – em que Luke Evans aceita a maldição do vampiro para salvar seu povo, e principalmente seu filho, da escravidão nas mãos de um Príncipe Turco.

E eu posso ter esquecido alguma versão...

Já deu para perceber que eu gosto da história desse vampiro.

Eu tinha lido uma versão condensada do livro, com mais ou menos cem páginas, ainda na escola, e pelo volume de páginas do texto integral, dá para imaginar quanto da história foi cortada naquela versão.

Recentemente, porém, achei uma edição muito boa do livro, e não resisti. Agora, sim, estou pronta para conhecer Drácula.

No sentido figurado, claro.

E assim eu descobri que a história é muito melhor do que eu me lembrava.

 

DRÁCULA

Título Original: Dracula

Autora: Bram Stoker

Editora: Zahar

Páginas: 608

Gênero: Romance Epistolar | Horror


Sinopse:

Um pavoroso embate entre bem e mal que seduz milhares de leitores há mais de um século. Fonte de inúmeras adaptações para palcos e telas, e, inspiração para artistas, escritores e músicos de todas as áreas, Drácula é um ícone, obra máxima e incontestável de Bram Stoker. De um lado o conde Drácula, o mais famoso vampiro da literatura, e sua legião crescente de mortos-vivos. De outro lado, um grupo unido e decido a caçá-lo: o casal Jonathan e Mina Harker, o médico holandês Van Helsing, e seus amigos. Publicado originalmente em 1897, este livro é considerado marco fundador de um gênero, a literatura de terror. Romance epistolar ágil e bem construído, esse livro enredará também você nessa dramática corrida contra o tempo.

EEEEE

 

 

O romance é epistolar, ou seja, é narrado através de cartas, anotações nos diários dos personagens e artigos de jornais, então conhecemos a fundo a personalidade de cada um.

Acompanhamos desde a viagem de Jonathan Harker até o castelo do Conde Drácula nos Cárpatos, para tratar da venda de uma propriedade na Inglaterra. Embora alertado do perigo de se aventurar por aquela região sombria, ele deduziu que tudo não passava de superstição; o que o levou a viver um pesadelo, como hóspede de um homem bastante estranho, que jamais se mostrava à luz do dia, nem o acompanhava nas refeições. O Conde também não tolerava espelhos, e tinha o curioso hábito de sair à noite pelas janelas do castelo, rastejando pelas paredes.

Jonathan não demorou a descobrir o que havia de sinistro com o homem, e com as três mulheres que ele vira no castelo, alimentando-se das crianças que o Conde raptava no vilarejo.

Enquanto Jonathan vivia seu pesadelo no Leste Europeu, como prisioneiro do Conde, sua noiva Mina estava preocupada, sem ter recebido notícias dele por um longo tempo.

Ela fora com sua amiga, Lucy Westenra, passar uma temporada em Whitby, mesma cidade onde o Conde comprara uma abadia há muito abandonada, e estava lá na noite em que chegou ao porto um estranho navio, arrastado por uma tempestade repentina. O navio chegara completamente vazio de pessoas. Havia somente um homem morto amarrado ao leme, e uma estranha carga no porão: cinquenta caixotes de terra.

Mais tarde, nossos heróis descobririam que Drácula só podia repousar durante o dia na terra de onde era nativo; por isso trouxera tantas caixas, e as espalhara pelas muitas propriedades que adquirira na Inglaterra. Todas elas precisaram ser santificadas com água benta e flores de alho para evitar que o vampiro pudesse retornar a elas.

Pouco tempo depois, Lucy começou a sofrer crises de sonambulismo, fraqueza, e exibir uma palidez doentia. Uma noite, Mina a seguiu até o cemitério local, onde a viu nos braços de um homem misterioso, que fugiu antes que pudesse ser identificado.

Um amigo da família decidiu, então, pedir ajuda ao Professor Abraham Van Helsing, conhecido por sua pesquisa do sobrenatural, e este não demorou a descobrir que Lucy era vítima de um vampiro. O tratamento, todavia, que consistia em cercá-la com flores de alho para afugentar o monstro, mostrou-se insuficiente para salvar sua vida. Nem as transfusões de sangue, que deveriam ter restabelecido suas forças, foram capazes de evitar sua morte.

A respeito desse procedimento, é importante dizer o seguinte: transfusões de sangue eram experimentadas em animais, com relativo sucesso, desde 1665. Transfusões realizadas em seres humanos, a princípio com sangue animal, resultaram na morte de todos os pacientes experimentados. Há relatos de uma tentativa, por via oral, ainda no século XV, tendo como cobaia o Papa Inocêncio VIII, mas tanto ele quanto seus doadores – meninos de dez anos – morreram, mas este relato é tido como duvidoso por historiadores. Evitar a coagulação do sangue após a transfusão foi um desafio imposto aos médicos até o final do século XIX. O tipo de transfusão descrito no livro, braço a braço, era realizado desde mais ou menos 1869, utilizando como anticoagulante o fosfato de sódio. O sucesso desse procedimento era bastante relativo. Foi só em 1901 que o imunologista austríaco Karl Landsteiner descreveu os principais tipos de células vermelhas do sangue: A, B, O e AB. Essa descoberta possibilitou estabelecer as células vermelhas compatíveis que não causariam reações desastrosas, reduzindo o índice de mortalidade dos pacientes transfundidos, mas o método só foi de fato aplicado a partir de 1907. O mesmo imunologista demorou ainda mais quatro décadas para identificar o fator RH (positivo e negativo) para determinar mais efetivamente quais tipos sanguíneos eram realmente compatíveis entre si. O romance de Bram Stoker foi publicado em 1897, antes que se tivesse esse conhecimento das diferentes células sanguíneas e do fator RH. Nenhum apontamento foi feito no romance a respeito de algum teste realizado previamente no sangue de Lucy, pois esta prática ainda não existia na época. Dessa forma, fica em aberto, em última análise, se Lucy morreu em consequência do ataque do vampiro (a causa mortis apontada no livro) ou em decorrência da aglutinação de seu sangue devido à transfusão sanguínea incompatível, uma vez que ela recebera sangue de quatro homens diferentes, e, dificilmente todos eles teriam o mesmo tipo sanguíneo, e, principalmente, o mesmo tipo que o dela.

O quê? Você não sabia que Admirável Mundo Inventado também é cultura?

De volta à resenha, não demorou para que Lucy ressurgisse como uma morta-viva, atacando as crianças da cidade. Nenhuma delas foi morta, mas todas apresentavam pequenos ferimentos no pescoço, e relataram terem estado com uma dama de branco.

Libertá-la da maldição do vampiro não foi particularmente difícil, uma vez que eles tinham livre acesso à cripta da família Westenra; matar o vampiro que a transformou, foram outros quinhentos.

Enquanto Lucy convalescia, assistida por Van Helsing e seus companheiros, Mina finalmente recebia notícias de Jonathan, que estava internado num hospital em Budapeste, acometido de uma febre cerebral desde que conseguira escapar do castelo, após a partida de Drácula. Ela correu para encontrá-lo, e o moço estava tão impressionado com tudo o que lhe acontecera que fez questão de casar-se com ela imediatamente, antes que qualquer outra desgraça lhes acontecesse.

Parece um modo meio pessimista de começar uma vida juntos, mas ele tinha razão em temer, pois logo que retornaram à Inglaterra, Jonathan teve a impressão de ver o Conde perambulando pelas ruas de Londres, com uma aparência muito mais jovem do que ele vira nos Cárpatos.

Obviamente, não podia ser tecnologia, então, devia ser feitiçaria, mesmo.

Como a questão em Whitby estava terminada, todos se reuniram em Londres, depois que Van Helsing leu as cartas que Lucy trocara com Mina, e se dera conta de que Jonathan poderia ter conhecido o vampiro que procuravam.

E como Mina também foi atacada por Drácula, tendo sido ainda forçada a beber o sangue dele, seus amigos precisaram correr contra o tempo para destruir o vampiro, e impedir que ela se tornasse uma morta-viva.

Drácula é uma história épica, uma aventura em que se persegue o sobrenatural, até eliminá-lo. É uma história de terror, de certa forma, mas também é uma história de redenção. Nenhuma das vítimas do vampiro quiseram ser como ele. Talvez, ele próprio não quisesse também.

No fim das contas, Drácula e Mina nunca foram almas gêmeas, separadas pela vida e pela morte; e a vida eterna do vampiro não era tão charmosa quanto em outras tantas versões do mito que conhecemos hoje em dia. Para Drácula e suas vítimas, a eternidade era mais um fardo que uma virtude. Além de ter que ceifar outras vidas para conservar as suas, haviam muitas limitações, como não poderem se afastar da terra da qual eram nativos, e não poderem saborear aquele pão de alho no churrasco de domingo.

Bram Stoker não foi o primeiro a escrever sobre vampiros – Alexandre Dumas, por exemplo, publicou A Dama Pálida cinquenta anos antes –, mas ele pode ter criado a versão definitiva do mito: aquela que inspiraria autores de fantasia e do sobrenatural por gerações.

Seu relato envolvente, dando vozes a diferentes personagens, e como cada um foi atingido pela ameaça monstruosa, longe de tornar a longa narrativa maçante, nos permite mergulhar a fundo nesse mistério, e sentir suas emoções à flor da pele.

E a longevidade deste livro, e todas as obras que ele inspirou só provam uma coisa: mesmo que você crave uma estaca em seus corações, corte suas cabeças, encharque-os com água benta, e encha suas bocas com alho enquanto eles repousam em seus caixões, vampiros nunca morrem.


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