[As Noivas de Robert Griplen] Capítulo 14 - A Última Noite

em sexta-feira, 27 de abril de 2018

Susan se apressou para casa, com o coração apertado no peito. Embora não devesse sequer estar pensando nisso, ela se perguntava se a paixão que sentira por Bellingham fora real, ou se era somente o fascínio que Robert Griplen usava para seduzir suas noivas.
Havia uma carruagem parada em frente ao jardim de sua casa quando retornou. A madeira era escura, de um tipo comum, mas Susan reconheceu imediatamente os cavalos do Dr. Prynne.
Apressou-se para dentro. A sala estava deserta, mas da entrada ela conseguiu ouvir os gritos desesperados de Anne no quarto, e correu em seu socorro. O Reverendo Bichop e a Sra. Garber estavam lá em cima, tentando convencê-la de que faziam isso para o seu bem, mas Anne se debatia violentamente, tentando se livrar dos braços de dois enfermeiros. A governanta chorava muito, amparada pelo braço do Reverendo, enquanto o Dr. Prynne preparava o medicamento para sedar a garota.
– Susan... – Bichop começou a dizer, estendendo a mão para impedir que ela protestasse.
– Eu sei... – interrompeu Susan. – Eu confio no senhor.
Ela passou rapidamente por seus tutores, assistida por um olhar espantado da Sra. Garber, e correu até a cama, onde a irmã se debatia e gritava para tentar escapar.
– Por favor, Susan! – implorou Anne, aflita. – Não deixe que eles me levem! Eu não quero acabar como a Sra. Sofer... Eu não estou louca! Por favor, me ajude!...
Mas Susan emoldurou o rosto da irmã entre as mãos, e sussurrou, olhando-a com veemência:
– Você vai ficar bem. Agora, acalme-se!
– Não deixe que eles me levem, Susan... – suplicou Anne.
Mas Susan baixou mais a voz, e abraçou-a para sussurrar em seu ouvido:
– Eu o vi! Ele é um demônio e está completamente louco!
– Por favor, Susan... – insistiu Anne.
– Mas eu não vou permitir que ele leve você!
Então, Susan se afastou do abraço, e tornou a emoldurar o rosto da irmã.
– O Dr. Prynne vai cuidar de você – ela disse, suavemente, olhando-a com a mesma ternura que sua mãe costumava usar quando eram pequenas, para convencê-las a tomar um remédio muito amargo, prometendo que isso as faria melhorar, e que quando melhorassem, ela faria uma gostosa torta de pêssego para compensar o gosto ruim do medicamento.
Mas os olhos de Anne se encheram de pavor, e ela começou a gritar ainda mais alto, e a debater-se com mais força, ao perceber que a única pessoa que ela esperava que argumentasse contra sua internação, estava de acordo com esta medida.
Susan se afastou morosamente da cama, e escondeu o rosto no peito do Reverendo, que a abraçou ternamente, junto à Sra. Garber, para não assistir à irmã sendo sedada.
Os poucos segundos que se sucederam pareceram uma eternidade, enquanto os gritos de Anne lentamente diminuíam, até silenciarem de todo. As lágrimas de Susan se misturaram às da Sra. Garber, empapando as vestes do Reverendo, e ela não conseguiu se virar para ver sua irmã ser levada, adormecida, pelos enfermeiros até a carruagem do médico.
– O sedativo que lhe dei deve deixá-la adormecida até amanhã de manhã – disse o Dr. Prynne, assim que seus homens deixaram o quarto com a paciente nos braços.
– Mesmo assim, quero que a tranque numa cela bem protegida – orientou Bichop. – Ela precisa ser vigiada o tempo todo.
– É claro, Reverendo – aquiesceu o médico.
– Por favor, eu posso ir com ela? – pediu Susan, aflita.
– Eu não acho prudente... – começou a protestar o Reverendo.
– Por favor... Anne é tudo o que me resta, e eu não quero deixá-la sozinha – argumentou Susan. – E já que não há outra maneira de livrá-la disto, então que enfrentemos esse destino juntas. – Ela tomou a mão do Reverendo e suplicou: – Por favor... Eu prometo não interferir.
O Reverendo olhou para o Dr. Prynne, como se perguntasse a opinião dele sobre o assunto.
– Não poderá ficar trancada na cela com sua irmã – disse o médico, para Susan.
– Eu me conformo em passar a noite no saguão – insistiu Susan. – Só não quero ficar longe dela.
O Dr. Prynne pesou a situação por um momento, parecendo debater consigo mesmo, e enfim, assentiu.
Susan beijou a mão do Reverendo, agradecida, e seguiu o Dr. Prynne até a carruagem. Ela abrigou a cabeça de Anne em seu colo, e olhou pela pequena janela. A Sra. Garber chorava copiosamente, enquanto via o carro se afastando da casa.
A lua cheia ascendia lentamente no céu, pairando acima do mar. Susan lutou com as próprias lágrimas. Seu coração estava completamente despedaçado: tinha agora adormecida em seus braços a pessoa que mais amava no mundo; quando acordasse, Anne provavelmente iria se sentir traída por ela, mas isso não importava; o que mais lhe doía, era que tentava proteger Anne de um ser perverso que há pouco ela descobrira que amava. E no fundo ela sabia que, apesar de todos os esforços, o destino não seria bom para nenhuma das duas. Passarem a noite trancadas no sanatório, e carregarem o estigma de loucas era trivial. Estavam ambas perdidas desde o momento em que foram hipnotizadas por Robert Griplen: por terem sido tocadas por ele, por terem estado sob seu encanto, e por todas as noites que o receberam em seu quarto. Ainda que Susan conseguisse impedir a irmã de ir ao encontro dele naquela noite, será que conseguiria salvar a si mesma?
Quando a carruagem parou em frente ao sanatório, os enfermeiros carregaram Anne até a cela que o Dr. Prynne tinha preparado para ela. Ela ficaria trancada na câmara de paredes acolchoadas, pequena e escura, completamente fechada, sem uma única janela, no subsolo do sanatório; uma cela construída para encerrar pacientes perigosos, com sérios transtornos mentais, fechada com uma porta de ferro impenetrável. E mesmo assim, Susan não conseguiu sentir alívio. Era realmente pouco provável que Anne conseguisse escapar dali, mas ela não tinha certeza sobre os limites do poder profano de Robert Griplen.
Susan assistiu de perto quando a porta foi trancada, e conferiu pessoalmente que não podia ser aberta à força. Então ela caminhou até o saguão e se recostou num comprido banco de madeira, com plena certeza de que aquela seria a noite mais longa e torturante de sua vida.
Tinha decidido ficar acordada, e vigiar atentamente qualquer movimento perto da saída do sanatório, e a preocupação alimentava sua insônia. Mas à medida que a noite avançava muito demoradamente, seus olhos começavam a ficar pesados. Susan tentou resistir ao sono, pois era assim que Robert conseguia entrar em sua mente, e na mente de suas noivas: quando caíam em inconsciência; em seus sonhos.
Ela viu o relógio marcar onze horas, e então o sono se tornou irresistível. Não durou muito, e felizmente, Robert não apareceu, mas o sonho que teve foi estranho.
Ela estava dentro da cela escura onde Anne estava trancada. A pouca luz que penetrava na câmara vinha da pequena fresta debaixo da porta, e mal era suficiente para que conseguissem enxergar as feições uma da outra. Estavam sentadas no chão, recostadas numa das paredes acolchoadas, ambas acordadas, conversando. Anne parecia um pouco deprimida: queria que abrissem a porta, e que a deixassem voltar para casa, para o seu quarto, e para sua cama. Tinham colocado nela uma camisa-de-força, que para Susan era insuportável até mesmo olhar. Mas sabia que era necessário.
– Estamos fazendo isso para o seu bem – disse Susan. – Para que você não se torne mais uma vítima da peste.
Anne deu um suspiro aborrecido.
– Mas você também está aqui – observou. – Por quê?
– Não queria deixar você sozinha – disse Susan.
– Sabe que sua reputação ficará tão arruinada quanto a minha, não é?
– Não importa. Quer ter uma reputação melhor? Podemos ir morar em outra cidade. Mas para isso, você tem que estar viva!
Anne fez uma careta.
– Talvez você esteja fazendo uma escolha ruim de palavras – considerou Anne. – Ainda que ele me leve esta noite, eu não vou morrer de verdade.
– Mas seria como se estivesse morta – disse Susan, com o coração apertado, alterando o tempo verbal para afastar os maus pensamentos. – Porque você nunca mais poderia retornar à superfície. Se você se tornasse esposa dele, ganharia cauda de sereia...
– E viveria para sempre – disse Anne, com um brilho radiante nos olhos, e um sorriso travesso brincando nos lábios.
– Não parece uma boa vida – retrucou Susan, franzindo o cenho para a estranha ponderação da irmã. – No fundo do mar, longe de todo mundo que você ama...
– Exceto ele... – sussurrou Anne, num tom melancólico.
Susan tentou analisar o rosto da irmã na quase completa escuridão. Os olhos de Anne brilhavam de um jeito encantador agora; um brilho apaixonado.
E de repente, o último detalhe acerca da maldição que pairava sobre Salem, e sobre os Griplen, se tornou nítido para Susan: Robert Griplen não apenas fascinava e seduzia suas noivas; ele as deixava apaixonadas!
Por isso elas não resistiam; por isso, mesmo conhecendo seu destino, na madrugada do aniversário da morte dele, elas caminhavam até o penhasco, e pulavam; não para sucumbir a um encanto fugaz e funesto; mas para se unirem para sempre ao homem que amavam.
Só que ele não podia amá-las de volta. Ele amava sua noiva. E ele a amaria e a procuraria para sempre.
Talvez todos fossem vítimas da mesma maldição, afinal: todas as moças da lista, as noivas seduzidas e condenadas a passar a eternidade naquele purgatório sobrenatural subaquático; e o próprio Robert Griplen, condenado a vagar eternamente entre sua mansão submersa e as ruas de Salem, sem jamais encontrar a mulher que realmente amava, mas vê-la no rosto de cada moça, todos os anos, para sempre, ceifando a cada ano uma vida, e tornando-se cada vez mais amargo. Quem sabe a própria Lucy, a noiva que ele buscava tão desesperadamente, tenha sido outra vítima dessa maldição: amargurada e devastada, porque tudo o que ela amava estava morto, e seduzida pela morte para buscar uma promessa que tinham feito, e que aparentemente não foi cumprida. E também havia Emily, a irmãzinha amada, cuja marca protetora acabou por, acidentalmente, prendê-la junto nesse inferno.
Toda essa constatação era de uma ironia grotesca. Pois aparentemente a causa de toda essa aura trágica que envolvia Salem era algo que deveria somente fazer bem às pessoas: o amor. O amor que deveria ter unido Robert Griplen à sua noiva em março de 1646, e o amor invocado e gravado nas portas para proteger Robert e Emily da morte, era também o responsável, e quem sabe, o catalisador de toda essa maldição. Não por conta própria, evidentemente. Em algum momento, o poder das trevas que fluía na família Griplen corrompeu todo esse amor, e o transformou em morte e em punição.
O inferno não era o lugar onde estavam presos; o inferno era estar preso com tudo o que ama ao seu redor, sem jamais poder encontrar.
– As sereias que vimos lá embaixo não pareciam felizes – observou Susan, exalando um suspiro pesado.
– Nem infelizes, tampouco – disse Anne.
– Quem sabe? Todas elas sentiram por ele a mesma coisa que você está sentindo agora. Todas elas o amaram. Provavelmente ainda amam.
– Mas ele me ama!
– Eu sei – disse Susan, agora recordando as palavras que o próprio Robert Griplen lhe dissera, quando o confrontara no penhasco. – E ele vai amar você até a noite de núpcias; até perceber que você não é a noiva dele.
– Você está sendo tola! – resmungou Anne, aborrecida.
– Ele mesmo me disse – confessou Susan. E alertou, num tom muito severo: – Se mergulhar do penhasco, você terá o mesmo destino das outras duzentas sereias que vimos lá embaixo. Ele amará você por uma noite, e em seguida irá desprezá-la. Mas então será tarde demais para voltar à superfície.
– Mentira sua! – rosnou Anne, como uma criança birrenta.
– Você ficaria presa no inferno dele para sempre – prosseguiu Susan, sem se permitir fraquejar por magoá-la. – Com todas aquelas quase duzentas mulheres que também o amam, e que nunca o terão novamente, porque nenhuma delas é a noiva dele. E nem você!
Anne tapou os ouvidos com as duas mãos para não ter que ouvi-la, mas Susan puxou violentamente seus braços, prendendo-os em seu colo. Contudo, sabia que não era possível argumentar. Ela, assim como a irmã, sabia o quanto a paixão por Robert era irresistível e dominadora.
Então deu um suspiro impotente.
– Ela estava grávida... – disse Susan, sem pensar direito se devia ou não compartilhar essa informação com a irmã. – Lucy Croft, a noiva original.
– Como sabe disso? – perguntou Anne, encarando a irmã na escuridão.
– A carta de suicídio dela está guardada na igreja, junto com os registros de todas as mortes das garotas da lista. Na noite que pulou do penhasco, Lucy havia perdido o bebê...
– Que coisa horrível... – sibilou Anne, retornando à melancolia.
Um silêncio desconcertante se seguiu por minutos que pareceram eternos.
– Você também o ama – disse Anne, tornando a virar o rosto em direção à irmã. Não era uma pergunta; nem uma acusação.
Susan ponderou por um momento, debatendo consigo mesma como deveria responder a isso. Mentir seria o mais sensato, embora ela tivesse certeza de que Anne seria capaz de perceber. Não houve uma vez sequer em toda a vida que Susan tenha conseguido enganá-la.
– Sim, eu o amo – admitiu Susan, num sussurro quase inaudível.
E outra vez o silêncio se arrastou por segundos torturantes, até que Anne sibilou:
– Você pularia do penhasco por ele?
A pergunta pegou Susan completamente desprevenida. Sobretudo, porque seu coração não tinha dúvida quanto à resposta.
No entanto, antes que ela se forçasse a responder – com uma mentira desta vez –, Susan acordou subitamente, recostada no banco duro do saguão, encarando com desespero o relógio à sua frente: onze e vinte e três.
Olhou rapidamente ao redor, e nada parecia ter mudado. O único funcionário no saguão estava meio adormecido, e um silêncio profundo e desesperador preenchia aquelas paredes.
Susan jogou a cabeça para trás no encosto do banco e passou a mão na cabeça, penteando os cabelos para trás com um gesto nervoso. O sonho parecera tão real... Como se tivesse, por alguns minutos, saído de seu corpo, e entrado na cela onde sua irmã estava presa, para ter com ela uma conversa franca, que ela temia que fosse a última.
A última pergunta que Anne fizera pairava em sua mente, ecoando e girando vertiginosamente dentro de sua cabeça. E como para acentuar essa vertigem, ela se lembrou da tranquilidade com que Anne falara de seu amor pelo homem que poderia, naquela mesma noite, se tornar seu assassino. Soara tão inocente, e ao mesmo tempo, tão definitivo. Isso era o tipo de coisa que os bardos não contavam em suas histórias: sobre como, algumas vezes, o amor e a morte podem estar diretamente entrelaçados. Ninguém a tinha preparado para essa descoberta. Tampouco estava preparada para reconhecer o quanto seu próprio coração estava atrelado a esse amor e a essa morte.
Sua consciência pairava de uma maneira etérea, mal podendo sustentar seus olhos abertos por muito tempo, mas o suficiente para que ela lutasse para não adormecer novamente. Em questão de segundos, porém, esta luta foi novamente perdida.
Estava certa de ter somente pestanejado, embora todo o seu corpo, e, sobretudo, sua mente, tenham sido envolvidos por um absoluto torpor.
Susan não poderia precisar quanto tempo se passou: podem ter sido somente alguns segundos, ou uma infinidade de horas. E então ela ouviu uma voz melodiosa varrer seu sonho para longe, sussurrando em seu ouvido:
Ele procura uma noiva...
Em seguida a imagem de Anne surgiu à sua frente. Ela estava vestida de branco, exibindo um sorriso sereno e radiante. Valsava nos braços de um homem. Ele não tinha mais do que vinte anos, e também estava sorrindo. Era um sorriso com o qual ela própria havia sonhado inúmeras vezes, quando acreditava pertencer a um homem comum, reles funcionário da casa alfandegária, chamado Roger Bellingham. Mas agora, o sorriso que por tanto tempo lhe fascinara, parecia vil e demoníaco.
Atrás deles, com um brilho agoniado maculando seus lindos olhos azuis, a minúscula imagem de Emily Griplen encarou Susan, sussurrando um pedido de socorro.
– Eles vão se casar esta noite – disse a pequena Emily, mais com os olhos do que com os lábios. – Ele fará mais uma noiva!
“Não se eu puder impedir”, garantiu Susan, com o pensamento, sem forças para mover os lábios.
– É tarde demais! – sentenciou Emily.
O corpo de Susan pulou num espasmo quando ela acordou. O relógio marcava meia-noite e quatro – os primeiros minutos do dia 24 de março de 1846; Susan e Anne tinham agora dezessete anos completos.
– Feliz aniversário, Anne – murmurou Susan, para si mesma, endireitando-se lentamente sobre o banco.
O funcionário, que ela agora percebia que era um enfermeiro, permanecia adormecido atrás do balcão, de onde ela estava certa que ele não conseguia vê-la direito. Felizmente, pois ela tinha desabado pateticamente com a cabeça no assento, quase se deitando sobre o banco duro do saguão do sanatório, e seu pescoço agora doía ligeiramente por causa da posição desconfortável. Ela ajeitou a postura e começou a massagear o pescoço dolorido, arrumando suas vestes, para se assegurar de não ter ficado exposta durante o cochilo.
Uma brisa morna veio ao seu encontro, carregada de um inebriante odor de jasmim. E então o coração de Susan congelou no peito. Ela ergueu os olhos; a porta de entrada estava escancarada; e Susan não pôde conter o grito.
O funcionário despertou assustado, e se levantou para acudi-la, no mesmo instante em que ela disparou pelo corredor, e desceu ao subsolo em direção à cela onde sua irmã deveria estar trancada.
– Senhorita! – gritou o enfermeiro, correndo atrás dela. – Aonde vai? Esta área é restrita...
Mas então ele estacou pouco antes de alcançá-la, e pelo mesmo motivo que ela também se detivera horrorizada: a porta de ferro estava aberta, e a cela de Anne completamente vazia. A camisa-de-força em que a tinham imobilizado jazia miseravelmente rasgada no chão, como se tivesse sido destruída pelas garras de um animal selvagem.
– Santo Deus! – exclamou o enfermeiro, estupefato, correndo para pedir ajuda e organizar uma busca pela paciente desaparecida.
Susan também correu, mas não iria esperar por notícias. Sabia exatamente onde sua irmã estava, mas ninguém acreditaria, e ninguém lhe ajudaria a resgatá-la. Era mais provável que a trancassem na mesma cela de onde Anne fugira, se ela contasse aquela história absurda. A última coisa que ouviu, antes de sair correndo pela porta da frente do sanatório, foi a voz do Dr. Prynne, aturdido, praguejando uma maldição.
Susan estava consciente de que mal tinha conseguido respirar por todo o caminho até o penhasco. A lua cheia brilhava no ápice, pairando majestosamente sobre o mar de Salem, exatamente como nas noites anteriores, quando mergulharam dali para explorar a mansão, mas desta vez um suave brilho avermelhado manchava a superfície da lua, como um filete de sangue.
O Reverendo Bichop, que aparentemente já previa que a tentativa de internação seria inútil, estava lá em cima, profundamente adormecido junto a uma pedra. Susan tentou acordá-lo, gritando seu nome e sacudindo seu corpo desesperadamente, no entanto, embora respirasse normalmente, seu sono era tão profundo que era como se ele estivesse morto.
– Por favor, acorde! – clamou Susan, sacudindo o corpo do tutor com desespero.
E virando o rosto para o mar uma vez, gritou furiosamente:
– Para com isso, Robert! Deixe-o despertar!
Susan bateu no peito do Reverendo com insuportável aflição, até finalmente perder as forças.
– Por favor... – sibilou, caindo um instante sobre o corpo do religioso. – Acorde...
Mas ele não se moveu. Seu peito subia e descia conforme respirava, entorpecido num sono tranquilo e letárgico.
Então Susan se convenceu de que era inútil tentar acordá-lo. Só tinha uma coisa a fazer, e era sua última chance de salvar a vida de Anne. Ela encarou as pedras lá embaixo, sendo golpeadas com toda a força pela água, e tomando fôlego como se respirasse pela última vez, pulou.
A queda durou os mesmos segundos exatos das outras vezes, e quando a água a envolveu, a magia que ela havia sentido nas outras noites a envolveu junto, permitindo que ela respirasse, mesmo não estando com a irmã.
Ela nadou o mais rápido que pôde, até avistar o brilho dourado das caudas das sereias à roda da mansão. Todas elas observavam de longe, com uma expressão pesada, como se lamentassem pela vida da nova jovem que sucumbiria naquela noite ao mesmo destino que elas tiveram.
O interior da mansão agora estava completamente iluminado, todas as velas acesas nos castiçais.
Susan se aproximou de uma sereia de longos cabelos castanhos, cheios de cachos, e olhos verdes de gato, que estava ao lado da loira que tentou tirar o diário das mãos de Anne – como ela queria agora que a sereia tivesse conseguido...
– Onde está a minha irmã? – interrogou, sem hesitar.
A sereia a encarou, como se sua presença ali causasse surpresa, e todas pareceram compartilhar da mesma sensação.
– Ela está lá dentro – respondeu a sereia, apontando com a cabeça para a mansão, e dando um suspiro enciumado. – É a noite das núpcias.
Com o coração batendo acelerado no peito, Susan nadou depressa até as portas da mansão, apesar dos gritos de protesto das sereias, e tentou forçar a maçaneta, mas a porta sequer tremeu com seus golpes. Parecia ter se tornado parte da parede.
– Abra a porta, Robert! – gritou Susan, esmurrando a madeira.
Mas lá dentro, Robert e Anne apenas se olhavam, de mãos dadas, enquanto ele acariciava suavemente o rosto dela, ignorando completamente o mundo à sua volta.
Susan insistiu, inutilmente, por vários dolorosos minutos. Nadou até uma das janelas do primeiro andar, e tentou quebrar os vidros para entrar na casa, mas novamente se frustrou. A mansão parecia uma fortaleza impenetrável e indestrutível.
Então, Susan se afastou da casa, com o coração destroçado, o rosto coberto de lágrimas, e tornou a se dirigir à mesma sereia de cabelos cacheados.
– Qual delas é você? – perguntou Susan, como se não fosse estranho ela saber exatamente a origem delas.
– Anatole – respondeu a sereia, sem hesitar.
Susan sentiu um calafrio. Aquela era a sereia que estava lá embaixo havia mais tempo. Exatamente quem ela queria encontrar.
– Ainda há tempo para salvá-la? – perguntou, esperançosa.
A sereia lançou um olhar penoso para a mansão, pensando em como iria responder a algo que Susan já concluíra por si.
Teve o vislumbre do rosto da sereia de cabelos loiros ao lado de Anatole, e de repente reconheceu o rosto de Lizbet na névoa de suas lembranças. Queria dizer algo a ela; talvez contar que a mensagem que ela deixou ainda ecoa pela cidade, apregoada nos últimos dez anos por sua mãe, mas no fundo não tinha coragem de revelar à sereia o destino de Norma Sofer. Se conseguisse dizer algo, ela provavelmente só iria agradecer por Lizbet ter deixado aquele aviso, ajudando a identificar os sintomas exatos da peste e revelando sua origem, ainda que ninguém lhe tivesse dado ouvidos.
No entanto, foi a bela sereia de olhos amendoados ao lado dela que cativou sua atenção.
– Conheço o seu rosto... – disse, pondo-se diante dela. – Lucy Croft!
O rosto que Robert desenhara com tanta insistência com carvão em seu diário, agora estava colorido à sua frente. Susan deixou seu olhar vaguear um instante, deslumbrada com a exuberante pele de bronze que a sereia exibia, cintilando na débil luz do luar.
A sereia assentiu, com uma solenidade exausta.
– Você não pode fazer nada? – suplicou Susan.
Lucy balançou a cabeça de um lado para o outro.
– Eu já tentei me aproximar dele milhares de vezes – contou Lucy. – Ele não consegue me ver. Há uma espécie de névoa cegando os olhos dele diante de mim.
Susan franziu o cenho, e Lucy deu um suspiro pesado.
– Eu não sei exatamente o motivo disto – prosseguiu Lucy. – Mas desconfio de um pássaro que caiu morto diante de nós uma vez. Um corvo. Suspeito que seja obra do pai dele; ele nunca aprovou o nosso amor.
Susan assentiu. Lembrava-se de Robert ter dito algo sobre isso quando o confrontou no penhasco. E seu coração inexplicavelmente se compadeceu da sereia.
– Eu me pergunto: se eu tivesse esperado pelo ano seguinte, talvez ele tivesse me atraído em lugar de Anatole? – murmurou Lucy, com os olhos perdidos na imensidão azul, velados de lágrimas. – As coisas seriam diferentes? Nossa promessa de amor teria se cumprido? A promessa de passarmos a eternidade juntos... Juntos de verdade, não apenas presos no mesmo inferno. – Ela baixou os olhos, e então a lágrima escorreu grossa e pesada por seu rosto. – Acho que nunca vamos saber. – E tornou a erguer o olhar para a mansão, jogando a cabeça para trás, fazendo os cabelos escuros e cacheados ondularem na água. – Quem sabe foi precisamente o meu suicídio o que desencadeou isso tudo? Eu me joguei no mar, esperando poder descansar ao lado dele, e em vez disso, me tornei essa criatura perdida; nem viva, nem morta... Mas incapaz de encontrá-lo. A eternidade acabou sendo longa demais para nós dois.
Sua voz se perdeu como um lamento no oceano.
Susan olhou para a mansão, e de uma das janelas da grande sala, teve o vislumbre da dança nupcial. Anne estava linda como nunca, valsando nos braços de Robert; sua noiva eterna naquele palácio submerso.
Uma pontada fria de inveja ardeu no coração de Susan, sem que ela conseguisse compreender exatamente o motivo. Não era simplesmente o eco de sua antiga paixão por Roger Bellingham, mas uma fascinação obsessiva que ardia em sua alma e prendia sua vontade à imagem de Robert Griplen valsando no salão.
– O amor dele enlouquece – disse Lucy, agora olhando diretamente nos olhos de Susan. – Enlouqueceu todas nós... E o enlouqueceu também. Não permita que faça o mesmo com você.
As palavras da sereia calaram fundo no coração de Susan, enquanto ela assistia o próprio desejo sendo vivenciado por Anne naquele exato momento. É claro que todas aquelas mulheres eram capazes de perceber seus sentimentos por aquele homem amaldiçoado, pois todas elas o cobiçavam com a mesma paixão.
– É tarde demais para ela, mas você ainda tem uma chance! – alertou Lucy, com veemência, trazendo-a de volta de seus devaneios. – Você precisa ir embora de Salem! Vá para o interior do continente, bem distante do mar. Talvez assim ele não possa te encontrar...
Todavia, Susan se esqueceu de cada palavra de Lucy assim que ela as pronunciou. Foi convencida pelas sereias a voltar para a praia, mas não deixaria a cidade. Tinha agora um motivo muito forte para ficar.
Quando o dia amanheceu, Susan estava diante do penhasco de onde sua irmã mergulhara para nunca mais retornar à superfície. O Reverendo já havia ido embora, possivelmente verificar se elas estavam bem no sanatório, e certamente, a esta hora, a Sra. Garber estaria desesperada.
O mar rugia lá embaixo, e batia nas pedras com força. Susan deu um suspiro ao ouvir uma voz suave e aveludada chamando seu nome, como se viesse ao seu encontro trazida pelo vento.
Ela tomou nas mãos o diário de Robert Griplen, que ela mesma, ou a irmã – suas lembranças agora estavam um pouco confusas – deixara para trás, escondido debaixo de uma pedra na beira do penhasco, e um pedaço de carvão, deixado ali sem nenhum motivo aparente, e começou a escrever:
“Breve o marido de Anne virá me buscar... Eu sou sua noiva! E na próxima primavera eu estarei aqui lhe esperando, Robert. Mas enquanto a primavera não chega... Te encontro nos meus sonhos”.

***
Meus queridos amigos e leitores, que acompanharam esta linda história de amor e maldição, e que, assim como eu, se apaixonaram por esses personagens, quero antes de tudo, agradecer o carinho e o apoio.
O capítulo 14 encerra oficialmente a primeira parte de As Noivas de Robert Griplen.
Mas, calma, a história ainda não acabou. Muita água ainda vai rolar. A maldição de Robert Griplen ainda não foi quebrada. Susan terá um ano pela frente para descobrir uma maneira de evitar que ele leve mais uma noiva para as profundezas – no caso, ela mesma. E para isso, ela contará com a inesperada ajuda de um jovem charmoso que acaba de chegar à cidade.
Muitos segredos ainda serão revelados. George Griplen realmente foi responsável pela maldição que condenou seu filho? Foi a fúria de Robert na noite em que a mansão Griplen foi engolida pelo mar que o sentenciou a esse destino? Ou haveria ainda uma alma mais ardilosa por trás de tudo?
Talvez Robert e sua família tenham sido tão vítimas quanto as mulheres que ele condenou...
A continuação desta história, juntamente com esta primeira parte que vocês acompanharam, está disponível em volume único em e-book e também em edição física, e podem ser adquiridos diretamente com a autora, no Clube de Autores, e nas principais livrarias e marketplaces online.

Sexta-feira que vem, postarei aqui um capítulo bônus, que abre a segunda parte de As Noivas de Robert Griplen.
Mais uma vez, muito obrigada a todos que acompanharam. Outras histórias ainda esperam por nós!

Beijos *-*

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