Aqui Se Faz, Aqui Se Paga

em terça-feira, 10 de abril de 2018

A mensagem essencial das obras da Disney é que o bem sempre triunfa no final; os malvados são severamente punidos, ficam completamente ferrados e mal pagos – isso quando saem vivos! Mas o importante é que todos – os bonzinhos – vivem felizes para sempre.
Tudo bem que o estúdio raramente mostrou a cena da morte de um vilão, assim, preto no branco, mas só a ideia, já soa suficientemente maquiavélica.
Verdade seja dita, houve algumas mortes de personagens bonzinhos que partiram nossos corações nos desenhos da Disney. Para citar só alguns exemplos: a mãe do Bambi, que foi atingida pelo disparo de um caçador enquanto corria com seu filhote, e ele só se deu conta ao encontrar-se a salvo e sozinho na floresta; Mufasa, assassinado a sangue frio por seu irmão invejoso Scar, e ficamos com o coração em farrapos diante de Simba, então filhotinho, tentando fazer o pai se levantar, e depois se deitando desconsolado ao lado do corpo dele em O Rei Leão; Kocoum, o índio que foi morto pelos colonizadores ingleses em Pocahontas; e num passado mais recente Ellie, a esposa do Seu Fredericksen em Up! Altas Aventuras.
Sim, Disney é tão eficiente em nos levar às lágrimas quanto é em nos deslumbrar. E não raramente, a morte de um vilão poderia despertar pesadelos em algumas crianças. Algumas vezes os mocinhos até tiveram que sujar as mãos para tirar os vilões de seus caminhos. Inocência não é exatamente uma virtude aqui.
Pensando nisso, reuni uma lista com alguns dos finais mais sombrios e violentos das animações da Disney, e verão que essas cenas definitivamente não foram feitas para crianças.
Das menos horríveis, às mais assustadoras:
 
Malévola
Malévola pode até ter sido assustadora no passado, mas para a nossa geração, ela não passa de uma bruxa recalcada, em quem os estúdios Disney tentaram dar Up, concedendo o rosto de Angelina Jolie.
A única motivação de Mal era punir o Rei Stefan e a Rainha Leah por não terem-na convidado para o batizado da princesa Aurora. No conto original, como mencionei em outra postagem, o convite não foi enviado porque só havia doze pratos de ouro no palácio para as treze fadas do reino. Daí, no uni-duni-tê, Malévola acabou ficando de fora, para evitar que uma das fadas se sentisse menosprezada por comer num prato menos valioso que o das outras – problema que poderia ter sido resolvido derretendo um colar da Rainha ou dando chá de sumiço nos outros pratos de ouro e servindo todo mundo nos de prata. Mas aqui o buraco era bem mais embaixo: Malévola simplesmente não era bem-vinda no castelo. E por isso ela decidiu dar um teco na princesa.
A morte de Malévola foi, digamos, a mais “tradicional” nessa lista. Teria sido quase clichê, se ela tivesse sido simplesmente transpassada pela espada do Príncipe Phillip. Só que Malévola foi transpassada pela espada depois de ela ter sido encantada pelas três fadinhas atrapalhadas boas Flora, Fauna e Primavera, e arremessada pelo Príncipe contra a Fada Malvada quando esta estava metamorfoseada em dragão! E para falar a verdade, eu não tenho certeza se o que a matou foi a espada cravada no coração ou a queda do precipício que ela mesma incendiou, em seu último esforço para jantar o Príncipe.
Aliás, como verão ao longo do artigo, a Disney tem certa obsessão por ver seus vilões despencando de grandes alturas.

Mãe Gothel
Falando em queda...
Gothel seguia a cartilha da Rainha Má da Branca de Neve. Seu objetivo na vida era se manter jovem e bela para sempre – se não me engano, o filme Irmãos Grimm tinha uma vilã muito semelhante a ela: uma mulher obcecada por beleza e juventude, que estava presa numa torre, recrutando meninas bem jovens para trocar seus muitoscentos anos pela juventude e beleza delas –, e para conseguir isso, ela sequestrou Rapunzel, e a manteve presa numa torre porque seu cabelo tinha propriedades mágicas capazes de curar e rejuvenescer quem o tocasse. Mas quando o herói – que vou chamar de José, porque foi esse o nome escolhido pela dublagem, e foi assim que o moço nos foi apresentado pelo Luciano Huck, e eu não vou discordar de um cara que um dia, quem sabe, pode reformar minha casa – literalmente passou a faca nas madeixas da moça, para libertá-la de Gothel, o tempo começou a cobrar com o juros e correção monetária o tempo que a vilã ficou apertando a tecla pause.
Só para enfatizar melhor que Gothel estava a segundos de desfechar seu final, Pascal, aquele camaleãozinho simpático deu uma forcinha, puxando o cabelo cortado de Rapunzel como se fosse uma corda, fazendo a megera tropeçar e cair pela janela da torre – não falei que a Disney tem fixação pela – literalmente – queda dos vilões? Mas pelo que consta, Gothel morreu de velhice, pois só o manto cheio de poeira de bruxa chegou ao chão, o que me leva a crer que essa aí era mais velha que piada de papagaio. A julgar pelo figurino medieval, pode colocar aí uns seiscentos anos, sem medo. Como ela conservava a juventude antes do nascimento de Rapunzel é algo que a Disney certamente nos contará quando decidir filmar a versão live-action da megera – e conhecendo o estúdio como eu conheço, certamente fará, mais cedo ou mais tarde!

Úrsula
A morte de Úrsula poderia até ser considerada um acidente de trânsito – marítimo – exceto que o Príncipe Eric jogou seu navio em cima dela de propósito.
Também pudera! O cara estava prestes a casar com uma moçoila que, mais tarde, depois que removesse o vestido, a maquiagem, o penteado, os feitiços e o colar com a voz de sereia roubada de Ariel, se transformaria numa bruxa encarquilhada, metade mulher metade polvo – para quem curte curiosidades, o termo técnico da criatura é “Cecaelia” –, com voz de bruxa, e cara de Drag-Queen! É sério, os responsáveis pela animação revelaram que o rosto dela foi inspirado numa drag chamada Divine! A ausência de preconceitos é outra coisa que me encanta na Disney, falando sério.
Enfim, tendo descoberto que estava prestes a se casar com a bruxa medonha, já deveria ser motivo suficiente para o moço estar fulo, e doido para descer o sarrafo em alguém. Mas aí a megera decidiu sequestrar a Ariel. Aí o pau comeu!
Sobretudo depois que o Rei Tritão concordou em trocar sua liberdade pela da filha, abrindo mão de seu tridente e sua coroa, permitindo que Úrsula se transformasse na Rainha dos Sete Mares, o que rapidamente lhe subiu à cabeça – literalmente –, fazendo-a se transformar numa cecaelia gigante, disposta a testar seus novos poderes criando uma tempestade e um redemoinho, só para perturbar ainda mais a sereiazinha. E enquanto ela está distraída tentando explodir Ariel, Eric consegue manobrar o navio em que quase se casou com a megera, e empalar a Bruxa do Mar com a lança do gurupés, exterminando-a para sempre e libertando todas as criaturas marinhas que ela havia transformado em peixe podre.
Vocês também não adoram finais felizes?

Shan Yu
Taí uma figura que não precisa nem de história para causar um nervoso na gente. Se liga na carranca da figura!
O Huno demoníaco que estava determinado a transformar o exército chinês – e até o império inteiro se precisasse – em paçoca, e governar o que restasse, sobreviveu a uma avalanche provocada por Mulan, e decidiu procurar encrenca lá no palácio o Imperador da China. Ele só não contava com a astúcia de Mushu – o filé de dragão chinês que mais ou menos foi enviado pelos ancestrais da Família Fa para ser o protetor de Mulan durante a guerra –, que acendeu o pavio do rojão que o vilão tinha agarrado para tentar explodir Mulan. Shan Yu foi impulsionado com o rojão em direção à torre cheia de fogos de artifício, explodindo tudo de uma vez, e certamente mandando-o pelos ares. É possível que parte dos filetes amarelos que vimos iluminar o céu da China naquela noite fossem os olhos esbagaçados do Huno.

Rainha Má
Eu disse aqui certa vez que a madrasta da Branca de Neve é a melhor vilã da Disney, e mantenho. Ok, Cruella, com sua obsessão por escalpelar cachorrinhos não fica muito atrás, mas Cruella tem ao menos a vantagem de ser carismática – algo que a Rainha Má da animação está muito longe de ser. Regina, sua versão em Once Upon A Time é outra história... E ainda vou falar de dois vilões que chegam muito perto de serem tão terríveis quanto ela – um deles, inclusive, podemos considerar um empate técnico, mas isso não muda o que eu disse: a Rainha Má continua sendo a melhor vilã da Disney. Falarei do melhor vilão mais adiante.
A Rainha Má é cruel até o tutano do osso. Ela não odeia a enteada por considerá-la uma ameaça ao seu posto como soberana do reino – Branca de Neve sempre pareceu estar se lixando para o trono; ela preferia cantar e brincar com os passarinhos e os pequenos roedores do reino. Também não era por ambição, por dinheiro, ou por qualquer mágoa mal resolvida. A motivação dessa vilã é pura e simplesmente a inveja. De repente, a enteada de quem ela mal tomava conhecimento foi apontada por seu Espelho Mágico como sendo a mulher mais bela do reino, posto antes ocupado por ela própria. Isso era inadmissível. Branca de Neve tinha que morrer!
Notem que ela sequer considerou outras alternativas. Não passou pela cabeça da Rainha Má simplesmente macular a beleza da enteada, um cortinho no rosto que lhe deixasse uma cicatriz, uma sobrancelha raspada, uma entortada no nariz – olha eu dando ideia para maluco... Esqueçam essa parte, gente! Mas não. À Rainha não interessava simplesmente tornar Branca de Neve feia. Ela precisava destruí-la! Quem essa princesinha dos roedores pensa que é? Como ela ousa se tornar mais bela que Sua Majestade? Ela não podia ficar viva para contar a façanha de ter sido, ainda que momentaneamente, mais bela que sua Rainha.
A megera mandou confeccionar uma caixa para guardar o coração arrancado da enteada, encarregou seu caçador particular do serviço, e mais tarde, como ninguém teve coragem de acabar com a raça da sujeitinha, decidiu ela mesma sujar as mãos e eliminar o “problema” pessoalmente.
E essa foi precisamente sua ruína.
Notem que ela nem mesmo se preocupou que estava arruinando sua própria beleza tão idolatrada, transformando-se – talvez temporariamente – na velha mendiga que levaria a maçã envenenada para Branca de Neve. E foi com esta aparência nada gloriosa que a outrora mais bela de todas partiu deste mundo. Uma pioneira; foi ela que inaugurou o método favorito da Disney para eliminar vilões indesejáveis: enquanto fugia dos anões, a Rainha/Bruxa Má tentou empurrar uma pedra enorme sobre os baixinhos, mas o feitiço virou literalmente contra a feiticeira. Um raio atingiu a ponta do precipício sobre o qual ela estava equilibrada, fazendo-a despencar lá de cima. O que quer que tenha sobrado dela lá embaixo ainda deve ter virado patê, porque um pedregulho enorme ainda caiu por cima dela, provavelmente esmagando-a. O interessante é que os urubus já estavam empoleirados na cena do crime, só esperando para descobrir o que teriam pro jantar. Acho que foi purê de bruxa... Desconfio...
Aliás, vale ressaltar que com isso a Disney tornou a cena da morte da Rainha Má menos terrível do que no conto original, onde ela foi forçada a dançar sobre brasa ardente no casamento de Branca de Neve com o Príncipe Encantado. Aqui, pelo menos, a princesa não teve nada com isso...

Gaston
Esse é um cara que não sabe lidar com a rejeição. O vilão do meu desenho favorito da Disney é um sujeito machista e chauvinista, que queria porque queria se casar com Bela, apesar de repudiar sua inteligência e seu amor pela leitura, porque, na opinião dele, as mulheres não devem ser instruídas; elas são feitas unicamente para cuidar da casa, do marido e da penca de filhos. E esse era precisamente o motivo porque Bela preferia ter suas tripas arrancadas pelo nariz em vez de casar com esse grosseirão.
Quando percebe que Bela está apaixonada pela Fera, Gaston incita os cidadãos da aldeia a marcharem para o castelo e matar o “monstro”. Fera, que tinha perdido a vontade de viver após a partida de Bela, desesperançado inclusive de que algum dia sua maldição seria quebrada, estava disposto a morrer sem lutar. Mas quando Bela ressurgiu para salvá-lo, tudo mudou.
Gaston teve a chance de partir sem punição, mas decidiu voltar e literalmente apunhalar a Fera pelas costas, para evitar que Bela fosse de outro homem que não ele próprio. Mas ao fazer isso, acabou selando seu próprio fim, pois no momento em que cravou o punhal no corpo da Fera, esta se agitou, fazendo com que Gaston se desequilibrasse e despencasse do telhado do castelo. Se prestarem bastante atenção na cena, verão um flash extremamente rápido de uma caveira desenhada nos olhos de Gaston durante sua queda. Os desenhistas disseram certa vez que colocaram essas caveirinhas nos olhos dele para deixar clara sua morte, sem traumatizar as crianças. Ok... Se vocês dizem...

Scar
Lembram que eu prometi citar dois vilões quase tão maus quanto a Rainha Má? Bem, este é um deles.
Scar foi concebido como uma mistura do Rei Claudius, antagonista da peça shakespeariana Hamlet, com Adolf Hitler. Scar era movido pela inveja e pela ambição. Ele queria o trono de seu irmão Mufasa, e estava disposto a tudo para conseguir.
Este vilão foi talvez o primeiro do estúdio a cometer um assassinato a sangue frio, empurrando Mufasa de um penhasco para ser pisoteado por uma manada de gnus em debandada, e depois ainda acusou o pequeno Simba pela morte do Rei Leão.
Mais tarde, porém, quando a casa estava caindo sobre sua cabeça, Scar jogou a culpa pela morte de Mufasa nas hienas – então suas aliadas –, sem saber que estas o ouviam. Após uma luta feroz contra o sobrinho, Scar acabou literalmente chutado da Pedra do Rei, e devorado pelas hienas revoltadas com sua traição.

Claude Frollo
Esse é, sem sombra de dúvida, o mais nefasto de todos os vilões da Disney – talvez um dos vilões mais cruéis de todos os tempos: da literatura, do cinema, e enfim, da História!
Um homem que usava sua posição como ministro religioso e homem da lei para cometer as piores barbaridades, e jogar a culpa nos ciganos de Paris. Frollo assassinou a mãe de Quasímodo simplesmente porque ela era cigana, e quando foi apanhado pelo Arcebispo, foi obrigado a criar o filho deformado dela para se redimir de seu crime, mas sempre maltratou e aprisionou Quasímodo, fingindo protegê-lo.
Mais tarde, quando Quasímodo já era adulto, Frollo escancarou sua hipocrisia ao perseguir a cigana Esmeralda, e condená-la à morte na fogueira, simplesmente porque ela o rejeitou. Frollo culpa Esmeralda por seus pensamentos pecaminosos, e a acusa publicamente de bruxaria – porque o cara é o santo da parada, e se ele comete uma série de maldades, tipo assassinar pessoas, tentar incendiar uma casa com a família dentro, ou tentar matar o Capitão Phoebus, a culpa não é dele; são os ciganos e os pecadores que estão incitando sua crueldade. Um legítimo representante do partido FDP.
E que teve um final à altura de sua perversidade: após uma luta com Quasímodo no alto da Catedral de Notre Dame, Frollo despencou – novidade! – de uma das torres e caiu num rio de chumbo derretido, diante da multidão de ciganos e mendigos que ele sempre odiou.
E agora que estou reparando: como esse cara é parecido com o Temer, hein! Sangue de Cristo tem poder! Vai de retro, coisa ruim!

Lyle Tiberius Rourke
Como vilão, Rourke não é dos mais terríveis da Disney, não. Na verdade, sua maior atrocidade foi roubar o cristal conhecido como Coração de Atlântida, uma espécie de divindade que manteve a cidade intacta no fundo do oceano por milhares de anos, e que é capaz de se incorporar aos membros da família real da cidade perdida em épocas de crise, para impedir a destruição do lugar.
O cristal havia se incorporado a Kida, filha do Rei de Atlântida, assim que os mercenários Rourke e Helga o descobriram, mas quando tentaram tirá-lo do reino submerso, Milo Tatch, o tradutor de línguas antigas e herói de nossa história, atingiu o vilão com um fragmento de vidro que tinha se incorporado ao cristal, transformando-o numa espécie de monstro cristalizado. Rourke ainda tentou continuar atacando Milo, mas acabou sendo fatiado por uma hélice daquela geringonça voadora esquisita que parece uma cruza bizarra de balão com helicóptero, que, se citaram o nome no desenho, não lembro mais.

Dr. Facillier
Na minha opinião, Facillier é um dos vilões mais carismáticos do passado recente da Disney, um autêntico Showman, desfilando por aí com suas cartas de tarô, seu sarcasmo e sua sombra maligna chegada num passinho da hora. Mas o cara teve simplesmente o final mais aterrorizante já concebido pelo estúdio. E detalhe: a cena foi mostrada no filme!
Facillier dava exatamente o que prometia às suas vítimas, só que do jeito dele, ou seja, sacaneando. Tudo para manter o trato com seus “Amigos do Outro Lado”, as sombras vodu do reino dos mortos que garantiam seu poder. Mas quando Tiana decidiu dar uma banana para sua proposta de lhe dar o restaurante que ela sempre desejou, e quebrar o talismã do feiticeiro vodu, os espíritos do Outro Lado literalmente o arrastaram para o túmulo, ao som pulsante de um bumbo e do perturbador coro “Preparado?!”. Só o que restou foi a cara aterrorizada do vilão gravada na pedra da lápide. Ui!
Essa cena definitivamente não foi feita para crianças.

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