Embora
o título seja Alice No País das
Maravilhas, o filme contém mais elementos do segundo livro, Através do Espelho e o Que Alice Encontrou
Por Lá, do que do primeiro. Muito provavelmente Tim Burton chegou à
conclusão de que seria inútil adaptar em versão live-action uma história que todos conhecemos de cor e salteado
através do desenho da Disney de 1951. Seria recontar uma história que já foi
contada inúmeras vezes: tem a versão em desenho da Burbank de 1988, tem o filme
de 1999 que teve Whoopi Goldberg no papel do Gato Que Ri, e não sei quantas
outras versões contando essencialmente a mesma história. Para quê investir
alguns milhões de dólares e colocar uma peruca vermelha e quilos de maquiagem
no Johnny Depp para repetir o mesmo conto de fadas?
Pensando
assim, Tim Burton decidiu incorporar elementos dos dois livros, avançar alguns
anos no tempo e contar um capítulo, digamos, mais maduro das aventuras de Alice
no Mundo Subterrâneo. E, por assim dizer, criou um filme inteiro baseado num
poema de 28 versos que aparece no segundo livro. Só isso.
Vejam
bem, o desenho da Disney de 1951 também não foi completamente fiel ao livro. Se
colocar realmente na balança, a única adaptação fiel foi a da Burbank, pois o
Sr. Disney tomou diversas liberdades com a obra de Lewis Carroll. Para começar,
Tweedledee e Tweedledum são personagens do segundo livro, e não aparecem no
primeiro. O campo de flores cantantes também pertence ao segundo livro – só que
ali as flores não cantam, apenas falam pelos cotovelos. E Disney achou por bem
excluir de seu desenho a Duquesa, o Bebê chorão que se transforma num porco e
sai voando, e a Cozinheira ranzinza que adora pimenta e atirar pratos nas
pessoas. Talvez tenha pensado que já havia maluquice demais no sonho da Alice.
Seja
lá como for, para não fazer um trabalho semelhante, Tim Burton reescreveu a
história, utilizando elementos e personagens do Mundo Através do Espelho e um
dos muitos poemas recitados no segundo livro, e deu asas à sua imaginação nada
convencional para criar todo o resto que faltava.
Por
exemplo: a palavra Capturandam foi apenas mencionada no mundo através do
espelho, mas jamais explicaram do que se tratava. As Rainhas Branca e Vermelha
também só aparecem no segundo livro, quando Alice se viu num mundo que se
assemelhava demais a um tabuleiro de xadrez gigantesco; embora a Rainha Vemelha
de Tim Burton tenha incorporado alguns elementos da Rainha de Copas do primeiro
livro, como o Valete, o amor por tortas, a maneira peculiar de jogar croqué, e
a mania de mandar cortar as cabeças de todos. Quanto ao Jaguadarte, na versão
do livro traduzida para o português por Augusto de Campos – a mais conhecida no
Brasil –, um monstro chamado “Pargarávio” foi mencionado no mesmo poema que
citava o Capturadam. Não foi descrito em detalhes – apenas dentes e garras
foram mencionadas –, mas a ilustração mostrava um dragão muito bizarro
mostrando os dentes para a menina vestida com uma armadura, que empunhava a
Espada Vorpeira, com a qual, de acordo com o poema, o monstro foi morto no Gloriandei.
O poema foi jogado sem texto nem contexto na história, e tal monstro jamais foi
visto por Alice em nenhum dos livros. Tim Burton pegou essa deixa, criou a
profecia sobre o Jaguadarte que seria morto pela Espada Vorpal empunhada por
Alice no Gloriandei, e usou como contexto para o filme. Só mesmo um gênio como
ele para fazer tanto com tão pouco.
Mas
em se tratando de Tim Burton, trívia.
Bem,
tudo começa numa noite sem qualquer importância para a menina Alice, quando
ela ainda tinha por volta de sete anos, e seu pai decidiu receber os sócios em
sua casa para uma reunião de negócios. Charles Kingsleigh queria expandir o
alcance de sua Companhia de Exportação, mas os sócios achavam que seu plano era
impossível de ser realizado. Bem quando estavam desdenhando de sua ideia
maluca, Alice apareceu na porta, com aquela carinha de soninho assustado, dando
a entender que tivera um pesadelo.
Atencioso
como era, seu pai interrompeu a reunião para colocar a filhota de volta na
cama, e contar uma historinha para ela voltar a dormir. A história, na verdade
foi ouvir Alice contar seu pesadelo, que todos nós conhecemos: ela cai num
buraco escuro, e vê criaturas estranhas como um Pássaro Dodô – extinto há
séculos já naquela época –, um Coelho de paletó, um Gato Risonho – diga-se de
passagem, nem ela nem seu pai sabiam que gatos podiam rir –, e uma Lagarta Azul.
Algo
em que eu concordo com o Sr. Kingsleigh, sendo eu mesma meio pirada da cachola,
e me considerando uma boa pessoa. Ai de quem discordar, hein! Humpf!
Retomando,
o pai de Alice diz que foi só um sonho, e que ela sempre pode acordar se ficar muito assustada, basta dar um beliscão no próprio braço.
E
vocês podem se perguntar: mas por que Alice foi lá atrapalhar a reunião de
negócios de seu pai para reclamar do pesadelo? Se ela estava com medo e
precisava de um carinho na cabeça, um urso de pelúcia e um copo de leite para voltar a dormir, porque não foi pedir à mãe, que certamente estaria menos
atarefada? Bem, como verão a seguir, o relacionamento de Alice com a mãe não
era exatamente amistoso.
A
história dá um salto no tempo desde aquela noite, que teve como único propósito
conectar este novo conto de Alice com a história original, que conhecemos.
Alice
agora tem dezenove anos. O Sr. Kingsleigh falecera recentemente, e ao menos
parte da Companhia fora comprada por seu amigo de longa data, Lord Ascot, que o
tinha em alta conta. Tanto que convidara Alice e sua mãe para uma festa no
jardim de sua mansão, para onde as duas se dirigem numa carruagem, com a Sra. Kingsleigh
– Helen, para os íntimos –, resmungando sobre o vestuário inadequado de Alice,
que decidira não usar corpete e optara por meias curtas para aquela ocasião.
Sim,
esta menina faz analogias estranhas. E exatamente por isso faz todo o sentido.
Claro
que sua mãe fica zangada com o comentário, e Alice explica que está meio
mal-humorada porque não dormiu direito aquela noite – culpa daquele pesadelo
recorrente que ela tem desde criança. Algo muito estranho, pois imagina que as
outras pessoas tenham sonhos diferentes todas as noites. Bem, seja lá como for,
depois de doze anos ela já deveria estar acostumada com aquela maluquice toda.
Agora,
a implicância de sua mãe tinha um motivo que Alice desconhecia: aquela era uma
festa de compromisso, arranjada pela mãe de Alice e pelos Ascots para que seu
filho Hamish – um sujeitinho implicante e muito chato – pedisse a mão de Alice
em casamento.
O
caso é que Alice e Hamish não poderiam ser mais incompatíveis. Enquanto ela
gosta de viver no mundo da lua – ou melhor, no País das Maravilhas –, o
sujeitinho não tolera sequer um comentário espirituoso, e prefere que ela fique
de boca fechada, sorrindo, apenas posando bonitinha enquanto ele se diverte com
seus amigos e a exibe para a sociedade.
São
Tweedledee e Tweedledum fêmeas que caguetam à Alice os planos de Hamish, dando
a ela a chance de se preparar para o que a espera naquela festa. Afinal, ela
não quer se casar com Hamish, embora sua irmã Margaret – que desaparece no
segundo filme – acredite que ela não conseguirá um partido melhor. Afinal,
Hamish é um lorde – ou será, depois que o pai dele morrer. Margaret aproveita
para lembrar Alice de que sua beleza não será eterna, e ela certamente não quer
acabar encalhada e maluca como a Tia Imogene, que agora imagina que está noiva
de um príncipe, mas para se casar com ela, ele precisa renunciar ao trono – uma
história muito triste. E a festa ainda vai piorar, quando Alice se envolver
numa conversa “estimulante” com Lady Ascot, a mãe de seu pretendente, que lhe
confidencia que teme mais a possibilidade de ter netos feios do que o declínio
da aristocracia, e ainda faz Alice saber que não deve servir comida apimentada,
pois Hamish tem intestinos muitos delicados.
Já
não era sem tempo que nosso já conhecido Coelho Branco passaria pelo jardim
elegantemente trajado em seu paletó, e consultando nervosamente o relógio de
bolso, que certamente estaria lhe mostrando que estava muito atrasado – embora
ninguém tenha mencionado isso nessa versão. Mas é uma boa deixa para Alice
fugir da conversa sobre os intestinos do Hamish, e ver seu cunhado, Lowel dando
uns pegas numa piranhazinha atrás de um arbusto.
Mas
como o jardim é muito grande, Alice perde momentaneamente o Coelho de vista, e
acaba não tendo outra saída, senão se dirigir ao coreto, onde Hamish a aguarda
para constrangê-la a lhe dar um pé na bunda em público. Mas bem no meio do
pedido, uma lagarta azul pousa no ombro de Hamish para lembrar Alice de que tem
um Mundo Subterrâneo para visitar, e o Coelho Branco não vai ficar esperando o
dia todo.
Assim,
Alice larga Hamish falando sozinho e corre até a toca do Coelho, onde despenca
depois de se apoiar numa raiz quebradiça.
Bem,
sobre a queda de Alice na toca do Coelho não é preciso ser muito descritiva,
afinal, todos sabemos que o poço está cercado de móveis e objetos, incluindo um
piano de cauda, uma cama onde Alice quica, potes de geleia, e lampiões a perder
de vista. E termina com ela atravessando um teto quadriculado, onde se vê de
cabeça para baixo – pois, na verdade, aquilo que atravessara era o chão; uma
representação das reflexões da Alice do livro, que imaginava que poderia cair
até o centro da Terra, ou vará-la direto, chegando ao outro lado, onde, sendo a
Terra redonda, as pessoas certamente andariam de cabeça para baixo.
Mais
trívia para a nossa coleção.
Bem,
a sala onde Alice aterrissa está cercada de portas, e ela tenta abrir uma delas
para descobrir por onde foi o Coelho Branco, mas todas elas estão trancadas.
Então ela vê uma chave minúscula em cima de uma mesa de vidro, experimenta em
todas as portas, e descobre que ela destranca uma portinha que estava oculta
detrás de uma cortina, mas Alice é grande demais para atravessá-la.
O
que não é problema quando se está tentando entrar no País das Maravilhas, cuja
alfândega fornece garrafinhas de uma beberagem suspeita que costuma fazer as
pessoas encolherem até chegar ao tamanho certo para passar pela portinha.
Porém,
exatamente como na história que nós conhecemos, Alice bebe da garrafa, encolhe
e percebe que esqueceu a chave em cima da mesa, que agora ela é pequena demais
para alcançar.
Francamente,
Alice, para alguém que teve o mesmo sonho durante doze anos, você deveria
prestar mais atenção nas coisas!
Aliás,
enquanto ela se confunde com o tamanho das coisas, ouvimos uma pequena
discussão entre outros personagens – os Tweedles, a Dormidonga Mallymkun e
McTwisp, o Coelho Branco –, que também estão inconformados com o fato de ela ter
cometido o mesmo erro tolo que cometera na infância.
Enfim,
depois de pular mais que a música de Sandy & Júnior, Alice finalmente
encontra o bolinho que a fará crescer, mas, como sempre, a menina gulosa come
demais, e quase cabeceia a árvore acima da toca do Coelho e a arremessa na Lua.
Alice
pega a chave, bebe o resto da garrafinha antes que sua roupa – ou o que restou
dela – estoure – porque, ao contrário dos desenhos, as roupas dessa Alice não
acompanham seu metabolismo, o que fez mais sentido –, e finalmente consegue
passar pela portinha.
E
o que ela encontra do outro lado é um jardim sombrio, cerrado de nuvens
escuras, muito diferente daquele lindo
jardim que visitara quando criança. Mas não se abala.
E
não demora a se deparar com seus amigos curiosos, que apenas esperavam que ela
se resolvesse com o bolinho, a garrafa e a chave para seguir viagem. Num
caminho seco, diga-se de passagem, pois Alice agora é uma menina grande e sabe
que não precisa chorar só porque cresceu mais que a porta. E sendo assim,
descobrimos até que a entrada para o País das Maravilhas possui uma escada
descendente e um portão de ferro batido. Muito parecido com um portão de
cemitério, aliás. Sabem como é... Tim Burton...
O
pessoal ainda duvida que aquela seja a verdadeira Alice, o que deixa o Coelho
Branco profundamente magoado, porque o pobrezinho passou por muito perrengue
para conseguir encontrá-la e trazê-la de volta ao Mundo Subterrâneo.
Tadinho
do branquelinho. Alguém precisa explicar aos animais da superfície que não
devem fazer caquinha na frente dos elegantes e muito educados animais do País
das Maravilhas, pois eles se comportam como lordes ingleses, e podem ter um
ataque de nervos com essa falta de finesse.
Bem,
apesar dos choramingos do Coelho, os outros ainda não estão convencidos sobre
aquela Alice e decidem levá-la ao Absolem, que certamente saberá decidir essa
questão.
Mas
aqui eu preciso comentar sobre esses divertidos personagens que formaram o
comitê de recepção de Alice. Temos o Coelho Branco, que é exatamente como nas
adaptações anteriores; temos Tweedledee e Tweedledum – ou será o contrário?
Tweedledum e Tweedledee? Bem, não importa, eles mesmos parecem meio confusos
sobre quem é quem. Temos Mallymkun, conhecida popularmente como Dormidonga – um
Caxinguelê que no livro foi descrito como muito sonolento, mas que nessa versão
tem mais energia que todos os outros personagens juntos! –; o Pássaro Dodô, que
é mero figurante nessa versão, e não está nem um pouco inclinado a correr; e meia dúzia de flores falantes – provavelmente só o que restou daquele lindo jardim
cantante, ou tudo o que mestre Burton conseguiu enfiar na tela.
Um
grupinho muito curioso, se me permitem o comentário.
Retomando,
o pessoal leva Alice até o cogumelo onde Absolem, a Lagarta Azul continua
fumando tranquilamente seu narguilé – que eu suspeitei desde o princípio que
fosse abastecido com a ervinha que o passarinho não fuma, e que a lagarta
também não deveria fumar numa história infantil, se for saudável desencorajar o
hábito –, e nos vemos diante de uma das cenas mais memoráveis da adaptação, e
um dos poucos laços com o livro original.
A
propósito, eu chamei de narguilé para combinar com o livro, mas isso que ele tá
fumando parece mais um vidro de perfume! Ou vai ver ele tacou fogo dentro da
garrafa da Jeannie...
Enfim...
Havia uma questão existencial também na história original, pois o encontro de
Alice com a Lagarta se dera lá pelo quinto capítulo, depois de ela ter
encolhido, crescido, encolhido de novo, nadado numa lagoa de lágrimas,
participado de uma corrida sem vencedor para se secar, ter sido feita de
empregada pelo Coelho, quase ter sido esmagada pela casa dele depois de ter
crescido de novo, encolhido mais uma vez, e fugido de um filhote de cachorro
muito maior do que ela! Naquele momento, Alice estava mais confusa que um
camaleão no show do Restart! A única coisa que ela tinha certeza, era de que
tinha passado por tantas mudanças – de tamanho, principalmente –, que não era
mais a mesma pessoa que levantara da cama naquela manhã. Acredita-se,
inclusive, que o livro de Lewis Carroll seja uma espécie de metáfora sobre o
crescimento, com uma personagem que se assusta por estar crescendo, e que tenta
se prender à infância o máximo possível.
Agora,
anos depois, quando Absolem lhe fez a mesma pergunta sobre quem ela era, de
novo ela não soube dizer. Mas agora, a dúvida não tinha mais nada a ver com seu
crescimento confuso. Os dois filmes de Tim Burton procuraram criar uma analogia
entre sua aventura no País das Maravilhas, e os dramas da vida adulta de Alice
no mundo real, cada um a seu modo. No segundo filme, o problema de Alice é que
todos estão lhe cobrando decisões, porque o tempo está passando depressa, e ela
está muito longe da vida que a mãe tinha planejado para ela. Nesse momento do
primeiro filme, o problema de Alice era similar: as pessoas cobravam uma
decisão sobre casar e amadurecer, abrindo mão da fantasia de infância e de seu
modo peculiar de ver o mundo; ou recusar o arranjo feito por sua família, e
tentar viver a aventura que o pai não tivera tempo de realizar.
Por
isso, naquele momento, Alice não pôde convencer Absolem de que era a Alice que
eles procuravam, pois ela ainda considerava deixar o País das Maravilhas para
trás.
Filosofias
a parte, como não consegue resolver essa questão, Absolem decide consultar o
Oráculo, que no Mundo Subterrâneo é um Compêndio Calendário, que mostra todos
os dias importantes daquele lugar desde o início, cada um tendo seu próprio
título e ilustração. Este que estamos acompanhando, por exemplo, é o Dia de
Lubriz, quando Alice finalmente volta ao País das Maravilhas, muitos anos
depois de sua primeira visita. Mas o que interessa verificar é o Gloriandei,
que ainda não aconteceu, mas onde se espera que Alice mate o Jaguadarte com a
Espada Vorpal, a única arma capaz de matá-lo.
Jaguadarte
é o monstro controlado pela Rainha Vermelha, que reina sobre o Mundo Subterrâneo
no momento, mas há uma Resistência que luta para depô-la em favor de sua irmã
mais nova, a Rainha Branca, que neste momento encontra-se exilada em Marmoreal.
Por isso era tão importante trazer a Alice certa de volta para cumprir a
profecia do Oráculo-Calendário.
Mas
depois de conferir o desenho, Alice está certa de que não é sua pessoa que está
ilustrada ali. O que os leva de volta a questão primordial.
Er...
Acho que não era bem sobre esse tipo de balde d’água que ela estava falando...
Mas ok, se é o que tem pra hoje, o negócio é correr!
Porque
esse Capturandam – o monstrengo do poema que foi citado, mas não descrito – é outro
dos bichinhos de estimação da Rainha Vermelha, que costuma acompanhar os
Soldados de Copas nas caçadas aos traidores. E as baixas já começam nessa cena:
com a captura do Dodô e do Coelho. Os outros continuam correndo, até Alice decidir tentar a
sorte mais uma vez, determinada a não permitir que seu sonho a machuque. Sorte
dela que Mallymkun mantinha aquele palito de dente que ela chama de espada bem
afiado, a ponto de conseguir arrancar um olho do Capturandam, fazendo a
criatura estrebuchar, e dando ao resto da panelinha a chance de fugir.
Teria
sido uma fuga perfeita, se não tivessem deixado o Oráculo caído para trás, para
que o Valete o encontrasse e descobrisse seus planos para o futuro próximo.
Estranharam
esse clima de guerra civil no País das Maravilhas? Para não ficar repetindo o
nome do diretor, é bom lembrar que ele decidiu antecipar duas Rainhas que
deveriam realmente lutar de lados opostos do tabuleiro – muito embora no livro
original, o segundo aliás, as Rainhas Branca e Vermelha convivessem quase em
perfeita harmonia, fossem meio amiguinhas, e estivessem mais ou menos dispostas
a aceitar Alice como terceira soberana; e pelo lado da Rainha Branca, uma evidência de que a Rainha Vermelha de Lewis Carroll não era a vilã dessa
história. Aliás, Alice Através do Espelho
não chegou de fato a ter um vilão. Era só uma história meio doida – muito mais
do que a aventura anterior, e menos interessante, na minha opinião.
Bem,
a fuga dos nossos heróis acabou por conduzi-los àquela estrada bifurcada que os
Tweedles costumavam guardar no desenho, mas desta vez há uma surpresa guardada
para eles: um pássaro horrível
chamado FelFel – mais um bichinho de estimação da Rainha Vermelha – apanha os
gêmeos antes que decidam o melhor caminho a tomar e os leva através de um
deserto tenebroso para o castelo da Rainha Vermelha.
E
é nesse ponto que finalmente conhecemos a Rainha Vermelha. Ela está fula da
vida porque alguém roubou três de suas tortas – no livro, a Rainha de Copas culpava o Valete por
esse crime, mas aqui o relacionamento dos dois evoluiu para um nível muito mais
íntimo. Ela manda os criados sapos se enfileirarem na sala do trono e os
interroga sobre o roubo, porém quase todos alegam inocência – exceto aquele com
cara de culpado e um resto de geleia de amora escorrendo no canto da boca.
Devia ter aprendido algo com o Chaves, e culpado um cachorro que vinha passando
e roubou o saco de pão... Quer dizer, de torta. Mas a Rainha Vermelha não é o
Seu Madruga, nem a Dona Florinda, que dá uma bofetada ou um cascudo e fica por
isso mesmo. Com ela não tem conversa. Manda logo cortar a cabeça do sapo!
Com
esse problema resolvido, ela se senta tranquilamente em seu trono para atender
ao Valete de Copas, que acaba de chegar cheio de novidades, e se apressa a
mostrar o Oráculo recolhido à Rainha, que o acha estranhamente comum.
O
Valete convoca Bayard, um cão de caça ligeiramente parecido com aquele amigo da Raposa da
Disney, e provavelmente o pai do filhote que assustou
Alice no livro, e
manda-o farejar a garota por aí. Se encontrá-la, o Valete promete libertar o
cão e sua família. Caso contrário, a Rainha fará um casaco de peles com seus
filhotes e usará sua esposa como recheio para as tortas do jantar.
Claro
que a promessa do Valete é um blefe, pois ele não tem qualquer intensão de
libertar a família de Bayard, mas o pobre cachorro precisa acreditar em alguma
coisa.
Enquanto
isso, Alice continua vagando sozinha pela floresta sombria, depois de ter se
perdido de seus amigos Tweedles. Felizmente, ela encontra o Gato Risonho numa
curva da estrada, e ele mostra grande preocupação com o arranhão que o
Capturandam fez no braço dela.
O
Gato se prontifica a fazer um curativo, e só então se interessa em saber com
quem tem a honra de falar.
Finalmente,
o povinho que esperávamos ansiosamente que aparecesse! Mas nessa versão a mesa
de chá é muito menos colorida, e o jardim muito menos vivo que no desenho. Como
todo o resto daquele mundo anos depois da Alice, o lugar é extremamente
sombrio, e a mesa está mais bagunçada que de costume. Aparentemente, muito
tempo se passou desde que Alice estivera lá pela primeira vez, e eles jamais
saíram daquela mesa, nem lavaram uma xícara sequer em todo esse tempo, conforme
o Chapeleiro confirma, ao atravessar a mesa, sem se importar em pisotear a
louça e os bolos no caminho, para conduzir Alice ao seu lugar de destaque à
cabeceira da mesa. O Chapeleiro, aliás, é o único naquele mundo que parece acreditar
imediatamente que aquela é a Alice certa.
Curiosamente,
essa cena é outro dos poucos elos com o livro, onde o Chapeleiro, a Lebre de
Março e o Caxinguelê – e não estou falando daquele extinto grupo de pagode –
acreditavam estar realmente parados no tempo. Até mencionaram que ele tinha se
zangado com eles, e prendido-os na hora do chá; por isso eles ficavam mudando
de lugar à mesa, procurando uma xícara limpa, pois não tinham tempo de lavar a
louça. Alice, aparentemente quebrou esse feitiço no livro também, porque os
malucos abandonaram a mesa de chá para depor no julgamento do Valete, sobre
quem comeu as tortas da Rainha de Copas – que estavam perfeitamente acomodadas
em seu lugar na mesa dela, mas a megera cismou que alguém tinha comido...
E
a conexão e explicação desta cena, conforme o Chapeleiro enunciou, está no
próximo filme. Aguardem!
Por
hora, agora que o tempo voltou a se mexer em volta da mesa de chá, está na hora
de planejarem o Gloriandei. Mas essa discussão não faz o menor sentido, como
verão:
A
quem interessar possa, e caso alguém não tenha entendido a referência, Cabeçuda é a Rainha Vermelha – não que o tamanho do cabeção e o
busto gigantesco esculpido na enorme sebe em seu jardim já não tivesse dado a
dica... E “Fora, Cabeçuda!” é o grito
de guerra da Resistência, da qual esses malucos fazem parte. Sinal de que não
são tão malucos quanto parecem, ou o pai de Alice tinha razão, e os malucos são
as melhores pessoas que existem.
E,
neste caso em particular, embora todo o diálogo soe como maluquice, até que alhos têm um pouco a ver com bugalhos, se analisarmos em que contexto
surgiu o grito de “Fora, Cabeçuda!”...
Claro
que eles precisam começar uma matança, e coisa e tal, entretanto, isso terá que
esperar um minutinho, porque o Chapeleiro está zangado com o Gato Risonho,
porque ele fica cobrando que o Chapeleiro faça o Passo Maluco, uma dança alegre
que costumava fazer dele a alma do chá, mas o Chapeleiro jurou somente dançar
aquilo de novo no Gloriandei, depois que a coroa de Espertal – o nome oficial
do Mundo Subterrâneo – estivesse sobre a cabeça da Rainha Branca, o Jaguadarte
estivesse morto, e o Cabeção a muitos buracos de coelho de distância.
E
bem na hora em que estão falando da conspiração contra a Rainha Vermelha e como
vão comemorar sua derrocada, o mais fiel seguidor da megera aparece para filar
uma xícara de chá e ouvir a maluquice do dia. Ao perceber a aproximação do
Valete de Copas, a turma do chá só tem tempo de ver o Gato Risonho desaparecer,
e de o Chapeleiro enfiar outra beberagem goela abaixo na Alice para fazê-la
caber no bule de chá.
Em
seguida, todos tentam agir naturalmente – ou o mais natural que aquele bando de
malucos consegue parecer.
Notaram
que o Valete disse que estava procurando Alice,
e o Chapeleiro interpretou que falavam de uma Rainha? Por mais que soe como maluquice dele – e é, um pouco –,
também faz alusão ao fato de o propósito do segundo livro ser transformar Alice
numa das Rainhas do jogo de xadrez. Mais trívia...
O
Valete, que não leu Através do Espelho
e não tem tempo a perder com cantorias absurdas, ameaça cortar as cabeças de
todos, se não começarem a falar coisa com coisa. Como se isso fosse possível à
roda daquela mesa de chá...
Enquanto
isso, Bayard, o cão farejador do exército de Copas se enfia embaixo da mesa e
fareja o bule de chá no colo do Chapeleiro, onde Alice está escondida, mas o
maluquinho é rápido em sussurrar para ele o mantra da Resistência, “Fora, Cabeçuda?”, espantando o
cachorro, que imediatamente corre em outra direção, arrastando os soldados de
Copas atrás de si.
Pois
é, pessoal, o cachorro que serve por livre e espontânea pressão à Rainha
Vermelha é aliado da Resistência, e compreende que aquele bule contém algo
que ameaça arrancar a coroa daquela tirana. Porque, felizmente, sempre há um
traidor no castelo de um ditador.
Assim
que ele vai embora, o Chapeleiro se apressa em desculpar-se com Alice pelas
acomodações desconfortáveis, e confecciona rapidamente um vestidinho para ela
com um pedaço do tecido de seu vestido original, para poder tirá-la do bule de
chá.
Assim
decididos, acomodam Alice num assento na primeira classe em seu chapéu, e vão caminhando contra o vento, sem lenço e nem
documento, enquanto o Chapeleiro recita para Alice o estranho e sombrio
poema sobre o Jaguadarte e a Espada Vorpal que o matou. Ou deve matar, pois
ainda não aconteceu. Mas Alice garante a ele que não pretende matar nada, o que
faz o Chapeleiro interromper sua marcha, pousar Alice numa pedra, e refletir
que aquela viagem é inútil se Alice não estiver disposta a matar o Jaguadarte.
Tudo bem que Alice não faz ideia dos horrores que a Rainha Vermelha andou
aprontando no Mundo Subterrâneo nos últimos anos, mas garante que não poderia
matar a fera, mesmo se quisesse.
Bem,
depois de dar essa alfinetada cheia de decepção em Alice, o Chapeleiro finalmente
informa a mocinha sobre as últimas barbaridades cometidas pela Rainha Vermelha.
O Chapeleiro trabalhava para a Rainha Branca; o clã da Cartola sempre foi
empregado na corte, que não era sombria ainda na época. Estavam participando de
uma festa no jardim ensolarado do palácio de Espertal, quando o Jaguadarte
apareceu, e ateou fogo em tudo. O Chapeleiro levou a Rainha Branca para longe
da confusão, mas a Espada Vorpal acabou ficando para trás, desfalcando a
armadura do campeão do reino, e foi assim que a arma que pode matar o dragão
favorito da megera foi parar nas mãos da Rainha Vermelha, depois de ter sido confiscada pelo Valete
de Copas.
Por
isso o Mundo Subterrâneo é tão sombrio e desértico. Sob o reinado da Rainha
Vermelha, o povo não teve condições nem ânimo para reconstruir e restaurar o
que fora reduzido à cinzas.
Alice
o traz de volta de seus devaneios, bem no momento em que os Cavaleiros
Vermelhos estão se aproximando, com Bayard latindo à frente deles. Felizmente
para Alice, o Chapeleiro sabe que a melhor forma de viajar é de chapéu! Então
ele a coloca bem firme sobre sua cartola, fornece o endereço atual da Rainha
Branca, e arremessa o chapéu por cima do lago sombrio. Em seguida, para evitar
que os guardas continuem procurando Alice nas redondezas, engrossa a voz e
grita: “Abaixo a tirana Rainha Vermelha!”,
provocando sua prisão.
Alice
observa, da segurança da outra margem do lago, e como não há pressa em seguir
viagem, e ela realmente não espera ir muito longe em seu tamanho atual, ela se
esconde debaixo da cartola do Chapeleiro e tira um cochilinho para restabelecer
as forças. Aposto que agora ela não pensa mais que está sonhando, já que bateu
um soninho.
A
mocinha acaba sendo despertada pelo focinho de Bayard, e logo se queixa de que
ele deveria ter levado os guardas para longe, mas ele explica que o baralho de
Copas está mantendo sua esposa e seus filhotes prisioneiros.
O
cachorro informa que o Chapeleiro foi levado para o castelo da Rainha Vermelha,
em Salazem Grum, mas não está nos planos permitir que Alice vá atrás dele. Ele
está lá para levá-la em segurança ao castelo da Rainha Branca, onde ela deve se preparar
para enfrentar o Jaguadarte no Gloriandei.
A
garota se re-vol-tou! O cachorro tenta alertá-la sobre os perigos de se desviar
do destino, mas ela manda ele fechar a matraca e levá-la com a cartola do
Chapeleiro para o Castelo da Rainha Vermelha, porém ele só pode levá-la até a
margem do fosso sombrio, onde a Rainha costuma desovar os cadáveres
decapitados, pois se entrar no terreno do castelo com aquela oferenda, vai
ganhar um ossinho da Rainha, mas Alice ganhará uma cela com vista para o
carrasco.
Então,
o jeito é atravessar sozinha, pulando de crânio em crânio, até chegar à estrada
que não é de tijolos amarelos, mas leva ao jardim do castelo, onde a Rainha Vermelha está jogando croqué, em
outra cena que recria sua ligação com a Rainha de Copas original: o Dodô, que
havia sido capturado no início desta aventura, está servindo como criado,
amansando os flamingos que a Rainha usará como taco para acertar os ouriços que
servem como bola. Finalmente uma cena corriqueira de Alice No País das
Maravilhas.
Alice
tenta libertar uma das bolas da Rainha, mas é encontrada por seu Pajem – que,
felizmente para ela, é o Coelho Branco. E ela aproveita para pedir mais
Altestrudel, porque já está farta de ser pequenininha do tamanho de um botão.
Mas ela ainda não aprendeu a quantidade certa que deve comer daquele bolo enriquecido
com muito Pó Royal superpoderoso para não crescer demais, e pelo visto, o bolo
que faz crescer deve ser muito gostoso também, porque ela exagera na dose, e
acaba tendo que ficar escondida atrás das roseiras da Rainha, porque agora, sim, seus trapinhos foram para o beleléu...
Há
algo de estranhamente maternal nesse gesto de benevolência da Rainha Vermelha,
vocês não acham? Ou vai ver, ela só sentia falta de ter uma amiga cabeçuda com
quem conversar sobre tortas e decapitações...
Bem,
assim que sua ordem é cumprida, e Alice ganha um vestido vermelho e preto novo
em folha para combinar com a decoração do palácio, ela é convidada para se
juntar à Rainha Vermelha na sala do trono. E logo começa a descobrir o que a
Rainha faz para passar o tempo: como apoiar os pés na barriga quentinha de um
porco para ficar mais confortável, e ouvir as discussões dos Tweedles, que ela
chama carinhosamente de “seus gorduchinhos”.
A
dupla se espanta ao ver Alice ali, como convidada de honra da Rainha Vermelha, mas
felizmente não a entregam. Eles começam a discutir, um contrariando o outro,
como sempre, deixando a Rainha satisfeita com seus adoráveis gorduchinhos.
Porque a verdade é que essa megera gosta de ver o circo pegar fogo! Quanto
pior, melhor.
Para
sorte de Alice, o Valete de Copas também não chegou a botar os olhos nela
quando perseguiu seus amigos lá na entrada do País das Maravilhas – na ocasião
em que o Capturandam fez um rasgo no braço de Alice –, e também não imaginava
que a grandalhona sentada ali ao lado do trono da Cabeçuda pudesse ser a mesma
menininha que passou por ali anos atrás, ajudando os jardineiros de Copas a
pintar as rosas da Rainha de vermelho. Então, ao vê-la, ele fica todo
interessado, e feliz por ter algo novo a admirar, além do cabeção de Sua
Majestade.
A
julgar pela delicadeza com que o trata, não é de estranhar que o Valete tenha
se apaixonado pela Rainha... Deu até a forma de um coração ao seu tapa-olho
para agradá-la... Provavemente porque nessa versão ele é um Valete pirata.
Pegaram
o trocadilho? Valete pirata...
Um
Valete falsificado...
Não?
Enfim...
Os guardas trazem o prisioneiro Chapeleiro à presença da Rainha, e ela vai
direto à questão mais importante do dia.
E
como encontra-se lamentavelmente desempregado no momento, o Chapeleiro
aproveita a deixa para oferecer seus serviços à Soberana.
E
como não tem nada mais delicioso do que tomar alguns criados pessoais de sua
irmãzinha, a Rainha Vermelha manda retirarem as algemas do Chapeleiro – afinal,
ele não pode trabalhar com as mãos acorrentadas –, e manda-o preparar para ela
o maior número de chapéus que conseguir.
Enquanto
isso, Bayard corre até Marmoreal para avisar à Rainha Branca sobre o retorno de
Alice ao Mundo Subterrâneo, e a boazinha fica satisfeita em saber que a menina
está no castelo de sua irmã malvada, onde ela certamente encontrará a Espada
Vorpal, com a qual poderá cumprir seu destino no Gloriandei. Algo que também
está tirando o sono da Rainha Vermelha, pois ela sabe que se Alice matar o
Jaguadarte, o povo perderá o medo de enfrentá-la, e colocarão sua coroa na
cabeça de sua irmãzinha de cabeça pequena e sem melanina.
Aliás,
ao que tudo indica, pelo diálogo que a Rainha Vermelha teve com o Valete de
Copas em seus aposentos – aparentemente, ele é mais cego do que seu tapa-olho
parece indicar –, o Rei Vermelho também andou cedendo aos encantos da Rainha
Branca, motivo pelo qual a Vermelhinha o matou, inaugurando o fosso dos
decapitados. O que chega a ser irônico: o olho furado ser o da Rainha Vermelha,
e o tapa-olho ser usado pelo Valete...
Alice
aproveita que a Rainha Vermelha está ocupada cobrando os impostos do Valete de Copas nos aposentos reais, para
visitar a oficina do Chapeleiro, que está tendo um surto e atirando chapéus e
aviamentos para todos os lados porque libertaram suas mãos, mas deixaram seus
pés acorrentados para que ele não pudesse ir muito longe, nem se tentasse...
Fica
meio difícil resolver o surto do Chapeleiro e colocar um pouco de juízo
naquelas cabeças piradas, com a Rainha Vermelha gritando impacientemente que quer seu
chapéu. Então o Chapeleiro grita que já vai, começa a xingar a Rainha de nome
feio, junta o maior número possível de chapéus para enfiar na megera, e informa
Alice de que a Espada Vorpal está escondida em algum lugar naquele castelo. O
Coelho pode ajudá-la a procurar.
Enquanto
o Chapeleiro distrai Sua Majestade, o Cabeção, Alice encontra os Tweedles no
corredor, e eles começam a debater sobre o fato de ela ter crescido.
Tweedlezinhos...
Queridos gorduchinhos... Alice não tem tempo para ficar ouvindo debates sobre o
seu tamanho. Sintetizem, queridos! E não banquem o Quico apontando para onde
foi o Chaves!
Felizmente
o Coelho é mais prático, e logo mostra para Alice o mausoléu onde a Espada
Vorpal está escondida, mas antes de abrir a porta, ela reconhece o cheiro do
Capturandam e decide que de jeito nenhum ela vai entrar lá. Da última vez que se
encontraram aquela coisa ficou com um pedaço de seu braço debaixo das garras.
Mas
a profecia não pode se cumprir sem a Espada Vorpal, pois ela é a única arma
capaz de matar o Jaguadarte. E alguma Alice tem que matar o Jaguadarte no
Gloriandei. E já que ela é a única Alice no recinto, de algum modo precisa
colaborar com a queda da Rainha Vermelha. Então ela se lembra que Mallymkun arrancou
um olho do Capturandam com o palito de dente, e decide fazer um trato com o
monstro.
Claro
que para isso, primeiro ela precisa convencer a ratinha mal-humorada a lhe
entregar o olho, o que não é muito difícil. Apesar da resistência da
criaturazinha, Alice é muito maior e mais forte que a “dormidonga” e consegue
tomá-lo na marra.
O
relacionamento de Alice com essa baixinha é o único dentre os heróis dessa
aventura que mostra alguma tensão. Os santos das duas aparentemente não são
muito fãs um do outro.
E
apesar de seu crescimento acima dos padrões ter lhe garantido a simpatia da
Rainha Vermelha, a amizade das duas está prestes a ir pro vinagre, pois o
Valete de Copas está cheio de saliência para cima da nova favorita da Soberana.
Em
todo lugar, sempre tem uma criada bisbilhoteira! Gostando da Rainha Vermelha ou
não, só a possibilidade de ver o circo pegar fogo já anima a figura a correr
para fofocar.
A
Rainha está lá, muito tranquila sentada diante de um espelho grande o bastante
para refletir seu cabeção, experimentando um chapéu atrás do outro, quando a
criada chega com a fofoca quentinha sobre o Valete favorito da Rainha e sua
nova hóspede grandalhona. O que, claro, deixa a Rainha furiosa.
Um
detalhe interessante nessa cena é que, ao que tudo indica, a Rainha Vermelha só
admite pessoas com algum membro de tamanho desproporcional em sua corte, porque
todos parecem usar algum membro falso. Tipo a mulher que foi literalmente meter
o nariz no chapelão da Rainha, e acabou por deixá-lo cair aos pés da megera.
Enquanto
isso, Alice cria coragem para entrar na toca do Capturandam, devolver o olho
dele, e torcer para o bicho ficar agradecido o bastante para não estraçalhá-la,
enquanto ela tenta forçar o cadeado da arca onde a Rainha Vermelha guarda a
Espada Vorpal. Mas, pelo que parece, de repente o ferimento no braço que não a
incomodou o filme inteiro começou a latejar absurdamente.
Mas
um gesto de bondade pode literalmente abrir portas e cadeados. Já que Alice
devolveu o olho do Capturandam, o monstro decidiu ser bonzinho e mostrar a ela
que a chave da arca está num cordão em seu pescoço, e de quebra, ainda dá umas
lambidas curativas em seu ferimento.
Assim,
Alice consegue roubar a Espada Vorpal bem debaixo do nariz arrebitado da Rainha
Vermelha, e ainda faz amizade com o segundo monstro mais temido do reino. E foge
do castelo no lombo do Capturandam, antes que a megera consiga prendê-la e decapitá-la
por ter se atrevido a “assediar” seu adorado Valete de Copas.
E
e só no momento da fuga da garota que o Valete – por uma infeliz indiscrição de
Mallymkun – descobre que a forasteira grandalhona era Alice, a foragida mais
procurada do reino, que estivera escondida bem debaixo do nariz de Sua
Majestade, brincando de ser sua súdita favorita.
Aí
danou-se!
Patas
para quem tem! Porque o baralho de Copas inteiro está no encalço dessa
fugitiva.
Ao
ser informada de que o Valete deixou Alice escapar com o Capturandam, e levando
a Espada Vorpal na bagagem, a Rainha Vermelha, em honra de sua imensa burrice, dá vários
tapas na cara de seu antigo amante. Porque, afinal de contas, entre tapas e beijos, é ódio e desejo, é
sonho, é ternura...
E
mesmo tendo perdido Alice, continuam mantendo presos seus conspiradores, o
Chapeleiro e a Dormidonga. O que anima a Rainha a programar uma execução para o
dia seguinte logo cedo.
Alice
chega sã e salva a Marmoreral, e entrega a Espada Vorpal para a Rainha Branca.
Agora a armadura está completa de novo. Mas ainda precisam de um campeão para a
batalha contra o Jaguadarte, uma vez que Alice ainda não tomou nenhuma decisão
sobre isso.
Enquanto
ela decide se quer ou não ser a heroína do dia, a Rainha Branca a leva para a
cozinha do palácio branco, para tomar chá com biscoitos, e aproveita para
preparar um pouquinho de Suco Minimizador para ajudá-la a recuperar seu tamanho
normal.
Aliás,
ninguém parece muito surpreso ao ver a Lebre de Março quebrando a cozinha da
Rainha Branca, uma cena que, mais ou menos, veio do livro. Ao menos, faz
referência à cozinheira mal-humorada da Duquesa, para quem o Coelho Branco trabalhava
originalmente, que gostava de arremessar pratos para tudo quanto é lado,
enquanto o bebê-porco da Duquesa esgoelava de chorar – e talvez fosse esse o
motivo porque a criança chorava tanto. Essas personagens foram cortadas do
desenho de 1951, e nesta versão, a Rainha Branca guardou o emprego da Lebre de
Março por uns doze ou treze anos, enquanto o orelhudo esteve preso no tempo em
volta da mesa de chá, até Alice aparecer, quebrar o feitiço, ele voltar e
descobrir que mudaram tudo de lugar em sua ausência. Isso realmente é de
enervar um cidadão...
Caso
alguém aí precise encolher alguns centímetros, segue a receita do
suquinho porreta que a Rainha Branca preparou para Alice:
Teria
coragem tomar essa gororoba? Blergh!
Pelo
menos Alice conseguiu chegar ao seu tamanho normal novamente. Sabem o que isso
significa, não é? Hora de mais uma consulta à Lagarta Azul.
Alice
ainda acha que não seria capaz de matar o Jaguadarte nem que sua vida dependesse
disso, mas Absolem garante que ela fará.
Enquanto
isso, o Gato de Cheshire tenta realizar a partilha dos bens do Chapeleiro, já
que sua execução está marcada para o dia seguinte logo cedo. Para começar, ele
quer ficar com o chapéu, do qual sempre gostou, mas o Chapeleiro quer partir
com sua melhor aparência.
A
Rainha Vermelha acorda muito bem disposta, pois adora uma execução matinal. Mas
o carrasco tem uma enorme surpresa ao baixar o machado e ver o corpo do
Chapeleiro desaparecer do cadafalso, enquanto seu chapéu voa pelos ares, leve
como uma pluma.
Acontece
que o Gato de Cheshire deu um jeito de se passar pelo Chapeleiro durante a
execução, e como ele tem a habilidade de evaporar, o machado não pôde cortá-lo.
O
Chapeleiro aproveita o tumulto para surgir atrás da Rainha, pregar-lhe um
susto, e em seguida jogar uma intriga na
corte, denunciando os bajuladores que a enganam com falsas deformações,
revelando o nariz postiço de uma, a barriga falsa de outro, a papada monstruosa de massa de modelar de outro... Deixando a Rainha
furiosa por ser a única no recinto a não poder tirar o capacete.
Mas
tudo isso fazia parte do plano do Chapeleiro para conseguir que até os nobres
da corte se voltassem contra a Rainha e se unissem à Resistência.
Então
ele convoca esses novos marginalizados para lutar contra a tirana Cabeçuda. E
como está ficando sem monstrinhos de estimação, a Rainha Vermelha manda
soltarem o Pássaro FelFel sobre seus súditos, e admite que o Valete tinha
razão: é muito melhor ser temida do que amada.
Que,
a propósito, já devia ter definido um campeão a essa altura. Alice sugere que a
própria Rainha Branca lute contra o Jaguadarte, agora que tem a Espada Vorpal,
mas é contra seus votos machucar qualquer criatura viva.
Mas
vê uma boa notícia chegando pelo telescópio: o Chapeleiro, os Tweedles,
Mallymkun, a família do Bayard, e todos os que tinham ficado para trás no
castelo da Rainha Vermelha estão chegando em Marmoreal, sãos e salvos, e,
aparentemente, inteiros.
O
Chapeleiro fica feliz por ver que Alice recuperou o tamanho apropriado, e o
Gato Risonho, que veio devolver o chapéu ao Chapeleiro fica satisfeito ao
perceber que o braço dela sarou.
Embora
o Gloriandei seja no dia seguinte, Alice ainda acredita estar sonhando. Mas se
isso for verdade, então o Chapeleiro não existe, é apenas fruto de sua
imaginação. Isso faz com que cheguem à conclusão de que ela deve ser meio louca para sonhar com
alguém tão louco quanto ele.
A
noite passa voando. E no dia seguinte, os dois exércitos se reúnem para a grande
batalha. Todos os malucos querem se voluntariar para lutar pelo lado da Rainha
Branca, mas sabem que se não for Alice, o Jaguadarte não será morto. Então a
Rainha Branca faz um discurso, dando à Alice as respostas que ela vinha
procurando desde o início do filme: seu conselho é que Alice não viva para
agradar aos outros. Ela deve fazer suas escolhas pensando em si mesma, pois
quando for enfrentar aquela criatura – e, subliminarmente, o mundo lá fora –
terá que ir sozinha.
Desesperada
e confusa, Alice começa a chorar, e Absolem aparece novamente, agora enrolado
num casulo, e diz que ninguém jamais conquistou alguma coisa com lágrimas. Essa
cena também tem um significado, porque a lagarta não morre quando chega ao fim
de sua vida; ela se transforma numa borboleta. E Alice também chegara a um ponto
determinante, em que precisa decidir sobre uma grande mudança: casar ou não
casar com Hamish? Matar ou não matar o Jaguadarte?
A
Lagarta faz Alice recordar quem é, e os eventos que a levaram até ali. Seu pai
tinha um projeto de viajar pelo mundo, e nada jamais o impediu. Ela é Alice
Kingsleigh, filha dele, e também não deixará que a impeçam de seguir seus
sonhos.
E
por falar em sonhos, agora ela se lembra do sonho que tivera na infância,
quando visitou pela primeira vez o Mundo Subterrâneo. Costumava chamar aquele
lugar de País das Maravilhas – uma confusão que só faz sentido se pensarmos nos
nomes em inglês: Underland (Mundo
Subterrâneo) e Wonderland (País das
Maravilhas). Ela lembra de quando tomou chá com o Chapeleiro, a Lebre de Março
e o Caxinguelê; e de quando pintou as rosas brancas da Rainha Cabeçuda de
vermelho. E finalmente percebe que não fora um sonho. Aquele lugar existe,
incluindo o Jaguadarte e a Espada Vorpal, que ela tem que encontrar. Então ela finalmente
diz adeus à Lagarta – e, subliminarmente, às suas inseguranças e seu medo de
mudar –; talvez se vejam em outra vida.
Toda
essa analogia serviu para mostrar à Alice que é possível realizar seus sonhos,
por mais malucos que eles sejam. Claro que este, especificamente, com o País
das Maravilhas, é maluco em demasia, mas não se tratava dele. Era sobre o seu
sonho de independência, de cumprir os planos de seu pai de estender a rota
comercial e viajar pelo mundo, algo impensável para uma mocinha da Inglaterra
vitoriana. Alice tinha seu próprio Jaguadarte para enfrentar fora daquele
mundo, mas antes ela precisava deter o que já estava proposto para o
Gloriandei.
A
Rainha Vermelha chega com sua comitiva, e Alice surpreende a todos, chegando a
Mata Brava, o local da batalha, com a armadura completa, incluindo a Espada
Vorpal, determinada a cumprir o seu destino. Os dois exércitos se movem sobre
um grande tabuleiro de xadrez. As Rainhas se cumprimentam. Mirana, a Rainha
Branca, ainda tenta dissuadir a irmã, querendo resolver a treta delas pacífica
e diplomaticamente, sem que ninguém precise morrer naquele dia, mas a Rainha
Vermelha é irredutível em não se deixar comover pelas piscadas graciosas de Mirana
como seus pais faziam. Ela quer sua coroa, pois é a mais velha, e está
determinada a não sair dali sem ela.
Então
o Coelho toca a trombeta e anuncia a solenidade daquele evento:
Alice
avança para a batalha, lembrando-se de que seu pai costumava acreditar em seis
coisas impossíveis antes do café da manhã. E ela também tem seis coisas
impossíveis em que acreditar agora.
O
interessante é que esse papo de acreditar em seis coisas impossíveis antes do café
da manhã também veio do livro Alice
Através do Espelho, mas era a Rainha Branca quem seguia essa filosofia.
Será que ela é o pai da Alice? Deviam fazer um teste de DNA! RATINHO!?
Bem,
isso pode esperar o filme acabar, pois o Jaguadarte também tem algo a dizer
antes de a luta começar.
Segue-se
uma grande batalha. A princípio é apenas Alice lutando contra o Jaguadarte; até
ela tomar uma rabada, cair longe da Espada Vorpal, e o Chapeleiro ter a
brilhante ideia de pegar outra espada para ajudá-la. A Rainha Vermelha se
enfurece com a intromissão, manda cortar a cabeça dele, e a partir daí está
instaurado o pandemônio! Todos lutam contra todos – quer dizer, brancos contra
vermelhos –, deixando o tabuleiro de xadrez extremamente bagunçado. E ninguém
presta atenção quando Alice corre para um castelo em ruínas, arrastando o Jaguadarte
em seu encalço, consegue montar na fera e descer a espada em seu pescoço.
Olha
só que grande reviravolta: agora que o monstruoso Jaguadarte está morto, e o
Capturandam decidiu que gosta mais da Alice, e o Pássaro FelFel foi amassado
por uma pedra, ninguém mais obedece às ordens da Cabeçuda. A batalha terminou.
É o fim do Gloriandei. Todos largam as espadas, e assistem enquanto o Gato
Risonho invisível carrega a coroa flutuante pelo ar e a coloca sobre a cabeça
da Rainha Branca, que já tem sua primeira ordem como Soberana de Espertal na
ponta da língua.
Com
esta doce demonstração de clemência, a nova Rainha Mirana já conquista a simpatia de
boa parte do povo, que estava louco para jogar tomates e tinta vermelha no
Cabeção. Mas agora o Valete está com o loló na mão, porque sabe que é pouco
provável que Mirana tenha o mesmo mau gosto da irmã.
Finalmente,
atendendo a milhares de pedidos – todos do Gato Risonho –, o Chapeleiro
finalmente executa o Passo Maluco, sua dancinha da vitória no Gloriandei.
Que
lembra muito algumas danças malucas do Beetlejuice, no desenho que também foi
produzido pelo Tim Burton – vale a referência.
Mas o fim do Gloriandei também significa que a aventura de Alice No País das Maravilhas chegou ao fim. Assim, a Rainha Branca agradece a mocinha pelos serviços prestados, garante que ela terá sua gratidão eterna, e lhe dá um frasco com sangue do Jaguadarte. Ele a levará de volta para casa, se essa for sua escolha.
Alice hesita um pouquinho em beber daquele frasco – porque uma coisa é beber urina de varejeira sem saber que é um dos ingredientes do Suco Minimizador; outra bem diferente é beber o sangue do dragão que ela própria acabou de matar.
Aliás, o sangue do Jaguadarte é roxo! Que gracinha... Nesse caso, ele não deveria ter virado purpurina?
Claro que a hesitação de Alice não era exatamente nojo do que estava prestes a beber. Ela estava pensando em como se despedir dos amigos tão especiais que ela conquistou ali embaixo.
Mas
ainda há uma questão importante que ela precisa esclarecer com seu amigo
biruta.
E
depois de desejar “boas lonjuras” a
Alice, o Chapeleiro Maluco se dissolve numa névoa densa, restando somente um
olho colorido diante dela, que logo se transforma no céu azul, na abertura da
toca do Coelho, e Alice retorna à superfície pelo mesmo buraco por onde entrou
no País das Maravilhas.
Agora
ela tem um monstro pior que o Jaguadarte para enfrentar.
Hamish
continua no coreto, cercado pelos convidados da festa, aguardando sua resposta
ao pedido de casamento, e reclamando por ela tê-lo deixado ali plantado com
cara de bobo.
Ah,
e mais uma coisa:
É
isso que se faz com meias inapropriadamente curtas!
O
papo sobre mandar a Tia Imogene para a China foi proposital, porque eu só terei
oportunidade de comentar isso agora. Corre um boato de que entre as cenas
cortadas do segundo filme, havia uma que revelaria que Alice encontrara Tia
Imogene na China, onde ela finalmente conseguiu desencalhar, provando que tudo
é possível, realmente, e que não se deve perder as esperanças. Mas como ambos
os filmes já tinham “moral da história” demais, Tim Burton achou por bem deixar
essa cena fora da edição final.
Bem,
Alice abre o Mapa Mundi no escritório do Lord Ascot e comenta sobre os planos
que seu pai tinha de expandir a rota comercial até Sumatra e Bornéu, mas ela
acha que podiam ir muito mais além, e expandir até a China, um país grande, com
cultura rica e o apoio da província britânica de Hong Kong.
Assim
Alice parte em sua primeira viagem de navio. Despede-se da mãe e dos parentes
no cais, e Absolem pousa por um instante em seu ombro, transformado em
borboleta, deixando claro que tudo mudou. E ao voar à sua frente, mostra também que
tudo é possível, se ela for a Alice certa...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita!
E já que chegou até aqui, deixe um comentário ♥
Se tiver um blog, deixe o link para que eu possa retribuir a visita.