Susan
despertou assustada. A janela do quarto estava aberta, e uma brisa morna
soprava em seu rosto, carregada de um agora asqueroso odor de jasmim. Aquilo
não fora meramente um sonho, e esta certeza fizera seu coração em cacos.
Bateu
o olho no relógio: passava um pouco das sete da noite. Uma incontrolável
inquietação fez Susan pedir à Sra. Garber que continuasse vigiando Anne em seu
quarto, e correr à casa alfandegária, mas Roger não estava lá.
Um
pressentimento fez o olhar de Susan se virar em direção ao penhasco. Havia um
vulto parado lá em cima. Era evidente que não se tratava de Anne, mas por
alguma razão, Susan sentiu que o vulto a encarava, e se pudesse enxergar tão
longe na escuridão, se atreveria a dizer que a pessoa a encarava com
cintilantes olhos azuis.
Então,
Susan correu até o penhasco. Roger fitava distraidamente o mar, mas sua postura
indicava que ele estava esperando alguém.
–
É você! – acusou Susan. Sua voz saiu rouca e entrecortada, mas apesar disso,
ela conseguiu transmitir todo o ódio que pretendia. – Era você o tempo todo.
Roger
se voltou para Susan, mas não tinha intenção de responder.
–
Você atrai as moças para este
penhasco todos os anos... – insistiu Susan, e fez uma careta enojada antes de
cuspir as últimas palavras de sua acusação. – Robert Griplen!
Susan
o encarou, horrorizada, e se sentiu enojada por ter permitido que a beijasse
mais cedo. Fora um imenso sacrilégio, pois beijara um demônio dentro de um
templo sagrado.
–
Você é um monstro! – gritou Susan.
–
Acha que eu tenho escolha? – gritou ele de volta. – Todos os anos eu vejo o
rosto da Lucy numa moça nesta cidade. Todos os anos eu sou enfeitiçado por essa
ilusão, a ponto de desejá-las tão desesperadamente que as seduza ao meu palácio
submerso, para logo depois das núpcias ter meu coração destruído novamente ao
me dar conta de que não era a minha Lucy.
–
Mentira! – protestou Susan.
–
A morte me separou da minha noiva! – Robert gritou ainda mais alto. – E há
duzentos anos eu venho transgredindo esta mesma morte à sua procura.
Ele
esfregou a mão no rosto, toda a sua expressão torcida em profunda agonia e
amargura.
–
Foi um feitiço do meu pai que nublou minha visão – disse Robert, baixinho,
encarando o vazio no oceano, recordando o momento em que o corvo com os olhos
perfurados com espinhos caiu aos seus pés e aos pés de Lucy naquele mesmo
lugar. – Todas as vezes que eu acreditei tê-la encontrado não passava de uma
ilusão, um efeito torturante e interminável desse feitiço.
Ele
deu um suspiro angustiado, fitando o horizonte.
–
Foi tudo minha culpa... – sussurrou ele, parecendo exausto. – Eu me deixei
dominar pela ira... Eu invoquei o caos... Ignorei todos os avisos que recebi
desde menino, de que esse... poder
profano que corre em minhas veias, se usado com imprudência pode facilmente
sair de controle. – Ele se voltou de uma vez para Susan, fitando-a com os olhos
inflamados, as íris azuis emolduradas em sangue. – Eu usei as trevas para lavar
minha honra, e acabei sendo consumido por elas também.
Ela
o olhou com assombro. Havia uma fúria assassina no rosto dele, mas por mais que
a razão clamasse que ela devia fugir, algo dentro dela dizia que ele não iria
feri-la.
–
Deixe a minha irmã em paz! – ordenou Susan, sem forças para gritar.
–
Eu não sei quem é a sua irmã! – esbravejou Robert. – Mas o meu tormento só
terminará no dia em que eu me unir a Lucy.
–
Ela não está na cidade. Lucy morreu há duzentos anos!
Robert
sacudiu a cabeça furiosamente.
–
Ela se jogou deste penhasco e encontrou a morte nas pedras – completou Susan,
apontando para a imensidão azul aos seus pés.
–
A Lucy não está morta! – garantiu Robert, com um brado ensandecido.
–
Quantas mulheres você precisa levar ao fundo do mar até compreender que sua
noiva não está na superfície? – insistiu Susan.
–
Eu não quero fazer isso – confessou Robert, num sussurro.
No
fundo dos olhos dele, Susan viu o brilho azul dos olhos de Roger Bellingham, o
homem por quem ela esteve apaixonada o ano todo, e de repente se compadeceu.
Seu coração não queria enxergar o monstro macabro que ele era na verdade.
–
Você circula nesta cidade há duzentos anos... – observou ela, a esta altura
completamente desarmada. – Como ninguém percebeu ainda quem você realmente é?
–
Ninguém me vê – respondeu Robert, com uma expressão atormentada. – Ninguém
jamais notou minha presença, exceto aquelas em que o estigma de Lucy se
manifesta...
–
Suas noivas... – concluiu Susan.
Ele
assentiu, dando alguns passos para ela. Uma horrível revelação fez aflorar
todos os temores possíveis em Susan.
–
Eu também sou uma delas, não sou? – sibilou ela, encarando-o com horror.
Agora
ela compreendia a expressão confusa do funcionário da casa alfandegária quando
perguntou por Roger Bellingham. É claro que ele não sabia quem ela estava
procurando, pois Roger Bellingham não existia.
Robert
se aproximou e emoldurou o rosto dela entre as mãos.
–
Eu sinto muito – sussurrou ele, com uma expressão de insuportável agonia. –
Você é diferente de todas as outras. A única que conseguiu tocar minha alma
atormentada, apesar do encanto funesto da minha obsessão por Lucy. Eu sinto que
você seria capaz de quebrar esta maldição.
A
voz aveludada de Robert Griplen embriagava os sentidos de Susan, a tal ponto
que ela não seria capaz de se mover mesmo que ele quisesse matá-la naquele
momento.
–
Mas é tarde demais... – lamentou ele, resistindo em beijá-la novamente. – Você
precisa ir embora desta cidade. E tem que ser esta noite!
–
Eu não vou deixar a minha irmã aqui desamparada para sucumbir nestas águas –
garantiu Susan, enchendo-se de raiva outra vez.
–
Por favor, vá para longe! – pediu Robert. – Se você não estiver em Salem quando
o sol nascer amanhã, talvez eu não possa te seduzir.
No
entanto, o olhar de Susan evidenciava seu coração partido.
–
Mas você já foi seduzida, não é? – percebeu ele.
–
Robert, por favor... – pediu Susan, tentando impedir que ele se afastasse.
–
Mereço o inferno simplesmente por ter me atrevido a tocá-la – sentenciou ele,
retirando as mãos do rosto dela.
Susan
ficou paralisada enquanto Robert ainda penetrava seus olhos com os dele.
–
Saia de Salem! – insistiu ele. – Vá embora esta noite.
De
repente ele voltou o rosto para a lua, que brilhava majestosamente no céu, e
sua expressão mudou da agonia mortal para um encanto apaixonado.
–
Eu preciso ir... – disse Robert, afastando-se lentamente de Susan. – Tenho que
preparar meus aposentos para a chegada da minha noiva.
–
Não, Robert! – suplicou Susan, tentando alcançá-lo, enquanto ele se afastava
passo a passo para a beira do penhasco.
–
Ela é linda! – declarou ele, com os olhos brilhando admiravelmente, parecendo
hipnotizado pelo mesmo transe que afetava suas noivas. – O nome dela é Lucy.
–
Não faz isso... – insistiu Susan. – Eu imploro!
Mas
Robert se virou e mergulhou do penhasco, na mesma piscina entre as pedras onde
suas noivas desapareciam todos os anos.
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