Do
mesmo modo que a conduziu até a igreja, Roger Bellingham acompanhou Susan até
sua casa, caminhando ao lado dela, sem se atrever a lhe oferecer o braço. Não
disseram uma única palavra o caminho todo, mas Susan sentia, mais do que
percebia, o olhar dele deslizando para ela a cada poucos segundos, e estava
certa de ter feito o mesmo algumas vezes. E naquele momento a partida anunciada
de Roger fazia aumentar a dor em sua alma. Pois se ele não podia ficar por ela,
e talvez não fosse mais regressar à cidade, então porque lhe dar um pequeno
momento de esperança, para, em seguida, abandoná-la? Era melhor que ele nunca
tivesse demonstrado nenhum afeto, do que deixá-la pensar que o pouco que havia
não era suficiente para fazê-lo ficar.
Ao
parar em frente ao jardim de sua casa, Roger Bellingham se virou e segurou a
mão de Susan. Ela esperou que ele erguesse sua mão e a beijasse, mas ele se
deteve no meio do caminho, encarando-a com o olhar angustiado.
–
Agradeço muito sua ajuda, Sr. Bellingham – disse Susan, finalmente rompendo o
silêncio.
Ele
assentiu, acanhado.
–
Gostaria de poder levar Anne amanhã para lhe agradecer também pessoalmente... –
Susan começou a dizer, e para seu desespero, ouviu o tremor em sua voz, apesar
de todo o esforço que estava fazendo para se controlar, e evitar que ele percebesse
sua angústia.
–
Infelizmente, isso não vai ser possível – respondeu Roger suavemente, parecendo
sofrer infinitamente ao dizer estas palavras.
–
Sim, eu sei... – murmurou Susan, e sua voz saiu quase como um lamento.
Sentia-se desconcertada com a proximidade dele, e por ainda estar segurando sua
mão, mas intimamente desejava que não a soltasse.
–
Eu sinto muito – disse Bellingham, acariciando os dedos dela com o polegar.
E
Susan não tinha certeza se ele se referia à Anne ou ao beijo na igreja.
–
Eu também – disse Susan, friamente. No fundo não importava; ela lamentava as
duas coisas.
Os
olhos de Roger faiscaram dentro dos de Susan, tornando sua angústia ainda mais
evidente. Então de repente ela percebeu o real motivo de seu pedido de
desculpas: Roger era um Griplen; e Anne estava prestes a se tornar mais uma
vítima da maldição que sua família havia trazido para essa cidade.
–
Mas nada disso é culpa sua – acrescentou Susan, um pouco mais suavemente.
–
Talvez seja – sibilou ele, fitando os dedos dela em sua mão.
–
Como poderia? – ela perguntou, ainda mais desconcertada. – Não foi você quem
começou isso.
Ele
apertou os olhos um instante, e cerrou a mandíbula. Quando ergueu os olhos
novamente para ela, estavam nublados de lágrimas.
–
Acredite que me dói de verdade fazer parte disto. – A voz dele saiu rouca e
profunda, e ele deu mais um passo para junto dela.
–
Sr. Bellingham... – começou Susan, esforçando-se para manter as próprias
lágrimas dentro dos olhos.
Mas
ele lhe interrompeu, pousando um dedo sobre sua boca. Então ele sorriu sem
humor, e logo seu olhar escureceu – talvez de tristeza, talvez de vergonha.
–
É um nome estúpido que eu inventei... – sibilou ele, segurando ternamente o
rosto dela em sua mão. – Uma máscara nojenta para esconder quem eu realmente
sou, e todo o tormento que meu nome carrega. Mas eu te prometo, Susan: você
ouviu meu nome pela última vez.
Uma
lágrima traiçoeira escapou dos olhos de Susan, fazendo transparecer que seu
coração estava despedaçado. Tinha sonhado tanto com o amor de Roger, mas seu
romance não preencheria sequer uma página de um diário. E isso fazia seu
coração doer como se tivesse sido atravessado por uma agulha.
–
Seu nome não diz quem você é – argumentou Susan, tentando convencer a si mesma
de que era inútil. Via nos olhos de Roger que ele não voltaria atrás. – E se te
traz dor, enterre-o, e adote o nome de Bellingham como seu para sempre.
Ele
sorriu, enquanto uma lágrima lhe escapava dos olhos.
–
Queria ter conhecido você em outra vida – sibilou ele, apertando-a num abraço.
Mas
logo respirou fundo, e sem soltá-la, corrigiu-se:
–
Não... Não me atreveria... Você é boa demais. Meu destino não devia tocar o
seu.
Susan
o apertou junto de si, e neste momento não importava que estivessem no meio da
rua, à vista dos vizinhos. Não seria capaz de trocar os braços de Roger por
nenhum pudor moral, mesmo que isso lhe custasse sua reputação.
Ele
recuou um instante, e apertou seus lábios nos dela pela última vez.
–
Adeus, Susan – sussurrou ele, afastando-se lentamente.
Ela
não conseguiu abrir os olhos por quase um minuto, enquanto ele se afastava. E
quando finalmente pôde abri-los, como um sonho, ele já havia desaparecido.
Susan
entrou em casa silenciosamente, sentindo que seus pés pesavam uma tonelada.
Havia uma dor em seu peito que ela discernia bem: a dor do coração partido; e
outra dor que ela apenas compreendia porque as palavras de Lizbet e do
Reverendo Bichop ainda martelavam em seus pensamentos: o espírito atormentado
de Robert Griplen estava burlando vigílias há duzentos anos, e nunca lhe
escapou uma noiva! De modo que ela temia, acima de todas as outras coisas, que
naquela noite o cordão umbilical invisível que a unia à Anne se partisse, e ela
não pudesse evitar que a irmã fosse levada por ele para se tornar mais uma
sereia nas profundezas do mar de Salem; mais um nome na lista de mulheres
desaparecidas no aniversário da tragédia dos Griplen.
Susan
foi até o quarto da irmã, e viu que Anne tirava a sesta. Sua fraqueza era cada
vez mais notória. Talvez o excesso de sono fosse uma maneira de Robert manter
suas noivas sob seu encanto. Pensando nisso, Susan quis acordá-la, mas Anne
parecia tão serena enquanto dormia, que ela não teve coragem de perturbar seu
descanso. Então, fechou a janela e se recostou na poltrona para vigiá-la, mas
estava tão exausta que também acabou pestanejando por alguns minutos.
Suas
lembranças iam e voltavam dos registros que descobrira na igreja à despedida
dolorosa de Roger, fazendo-a ter sonhos nebulosos e incompreensíveis.
De
repente Susan viu o mascarado entrar pela janela do quarto, carregando consigo
aquele doce e familiar odor de jasmim, que ao mesmo tempo lhe encantava e dava
vertigem. Ela tentou abrir os olhos para conferir se ele era mesmo real,
todavia as pálpebras pesavam assombrosamente, e suas forças não eram
suficientes para transpor o peso delas. Ele usava o mesmo fraque elegante com
que vinha até elas todas as noites, mas havia algo diferente e ainda mais
encantador em seu sorriso, quando ele se aproximou e pôs um anel muito caro em
seu dedo.
Susan
esquadrinhou os olhos azuis através da máscara veneziana: um tom que ao mesmo
tempo lhe fascinava e causava horror.
O
mascarado lhe estendeu a mão, e a convidou para uma dança silenciosa. Ela se
levantou sem resistir, e permitiu-se valsar por algum tempo em seus braços,
enquanto ele sussurrava palavras de amor em seu ouvido com uma voz suave e
aveludada.
De
repente o homem se afastou dela e estendeu a mão para Anne, que já se levantava
da cama. Susan assistiu, com inexplicável ciúme, a valsa que sua irmã dançava
com o mascarado.
Até
que Anne tocou o rosto dele. O coração de Susan se apertou no peito e ela se
esqueceu de respirar, aguardando com ansiedade que Anne removesse a máscara.
Então,
os olhos de Susan se encheram de pavor. Sua cabeça girava vertiginosamente,
tomada pelo assombro: diante dela, com os braços em volta de Anne, o rosto que
lhe encarava era o de Roger Bellingham.
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