Assim
que entrou em casa, Susan ouviu Anne gemendo no quarto. A Sra. Garber estava
aflita ao lado dela. Sentiu-se sonolenta após o almoço, e desde que adormecera,
não parava de se agitar, gemer e choramingar. Toda a sua expressão estava
torcida em aflição, mas apesar de todos os esforços, a Sra. Garber não fora
capaz de acordá-la.
–
Não, por favor... – choramingava Anne, quando Susan entrou no quarto. – Não
vá...
–
Querida, acorde! – suplicava a Sra. Garber, apertando sua mão.
A
testa de Anne estava úmida, mas não tinha febre. A Sra. Garber a enxugava a
todo instante com um lenço, e ela virava a cabeça no travesseiro cada vez que
era tocada.
–
Não me deixe... – insistia Anne.
–
Eu estou aqui, querida – dizia a governanta, acariciando o rosto dela. – Por
favor, Anne, abra os olhos!
–
Está delirando de novo – observou Susan.
–
Às vezes eu penso se ela está sonhando com os seus pais – sibilou a Sra.
Garber.
Susan
deu um suspiro pesaroso.
–
É possível – assentiu.
Anne
começou a tossir. A Sra. Garber ajeitou as cobertas sobre os ombros da garota,
e tornou a afastar os cabelos de seu rosto. Susan descobriu seus pés por um
momento, e verificou debaixo das cobertas que Anne vestira novamente a camisola
cor de pêssego com que mergulhara do penhasco na noite anterior, e que Susan
havia jogado com a sua no encosto de uma cadeira ao retornarem da praia. O
tecido havia secado, mas ainda estava frio. Um arrepio percorreu a espinha de
Susan. Aquilo poderia mesmo ter sido real?
–
Sempre... – murmurou Anne.
E
então fez um som profundo e esganiçado, jogando a cabeça para trás. Susan
correu em seu socorro, e ergueu sua cabeça do travesseiro. Anne parecia estar
sufocando.
A
Sra. Garber afastou as cobertas e começou a abaná-la com uma das mãos, enquanto
agitava seus ombros, até que ela finalmente acordou.
–
Não respiro... – sibilou Anne, sem conseguir emitir nenhum som.
Susan
ajudou a colocá-la sentada na cama, e segurou sua cabeça para trás, até que ela
conseguiu recuperar o fôlego.
–
Você teve um pesadelo? – indagou a Sra. Garber.
O
olhar de Anne se encheu de pavor, e ela apenas aquiesceu, abrigando a cabeça no
peito de Susan. Ela não falava de seus pesadelos à governanta. Isso ficava só
entre as duas irmãs.
Susan
assentiu para a Sra. Garber, para lhe assegurar que cuidaria de Anne a partir
de agora, e então a governanta foi preparar um chá.
E
tão logo ela saiu, Susan perguntou, enquanto afagava carinhosamente os cabelos
de Anne:
–
Sonhou com o mascarado outra vez?
Anne
aquiesceu, sem levantar a cabeça.
–
E com aquela casa – acrescentou Anne.
Susan
engoliu em seco. Ela se referia à mansão que descobriram no fundo do mar. Como
ela temia, não foi um sonho.
–
Estávamos presos lá dentro – sussurrou Anne. – E depois de um tempo, eu não
podia mais respirar...
Susan
sibilou para que ela não dissesse mais nada, e somente descansasse. Ainda não
estava confortável para falar sobre a aventura daquela noite. Principalmente,
porque pensar nisso trazia à tona as lembranças dos sonhos que tivera naquela
madrugada, e que ela vinha tentando evitar o dia todo. Quem quer que fosse o
homem com quem ela sonhara, era melhor que ela o tirasse da cabeça
imediatamente.
Quando
a noite caiu, Susan estava exausta. Assistir à irmã oscilando entre a sanidade
e os devaneios, exauria completamente suas forças: físicas e emocionais.
Dormiu
na poltrona, junto à janela do quarto de Anne, não querendo novamente deixar a
irmã sozinha. No entanto, à meia-noite, Susan foi despertada pelas badaladas do
relógio da sala de estar. As cortinas esvoaçavam diante de seu rosto; a janela
estava aberta outra vez; e Anne novamente não estava na cama.
Susan
desceu as escadas correndo. A porta da frente estava entreaberta, e isto lhe
fez sentir um calafrio. Queria que seu pressentimento estivesse errado, mas
apesar da escuridão, ela quase podia ver os passos da irmã marcados na areia.
Era um devaneio, é claro; não havia meios de os pés de Anne serem os únicos a
deixar uma trilha na praia. Mas como um terrível déjà-vu, Susan encontrou a
irmã exatamente onde pensara: na beira do penhasco.
–
O que está fazendo aqui? – indagou, segurando o braço dela.
Anne
fitava a imensidão negra do oceano, como se estivesse hipnotizada.
–
Anne! – insistiu Susan, chamando-a de volta a si.
–
Estava pensando... – disse Anne, sem desviar os olhos da água. – O que haverá
naquela casa?
Susan
ergueu os olhos para o horizonte. A lua cheia brilhava a uma boa distância da
baía, e ela imaginou que, àquela hora da noite, podia muito bem estar pairando
exatamente acima do telhado da mansão submersa. E lembrar disso, também lhe
dava calafrios.
–
É melhor esquecer isso – disse Susan à irmã, puxando seu braço para afastá-la
do penhasco.
Porém,
Anne estacou ali, e não permitiu que a levasse.
–
Eu gostaria de descobrir – murmurou, sem tirar os olhos do mar.
–
De jeito nenhum! – bradou Susan. – Nós não vamos voltar lá!
As
palavras saíram com fúria de sua boca, mas a verdade é que, no fundo de sua
alma, ela também desejava ter mais uma oportunidade de explorar o que havia
dentro da casa; e principalmente, ter outra oportunidade de nadar sob a baía de
Salem sem precisar retornar à superfície para respirar.
–
Por que não? – desafiou Anne. – Fizemos isso ontem, e nada nos aconteceu...
–
Por isso mesmo... Não vamos testar a sorte.
Porém,
Anne tornou a fitar o mar, com o olhar decidido. E Susan a conhecia o
suficiente para saber que não conseguiria dissuadi-la. E considerando a maneira
como ela saía sorrateiramente da casa enquanto todos dormiam, provavelmente
também não seria capaz de impedi-la.
Aquilo
era loucura, sem dúvida, mas Susan precisava protegê-la. E naquele momento, a
única maneira de fazer isso, era não deixando Anne sozinha.
–
Este não é o lugar mais seguro para fazer isso – disse Susan, receosa, fitando
as pedras lá embaixo.
–
Foi daqui que pulamos ontem – lembrou Anne, controlando o próprio medo. – Deve
existir alguma espécie de magia neste lugar.
As
palavras fizeram Susan reagir. Sentia um nó em sua garganta – certamente o nó
da corda que a enforcaria quando pulasse novamente nas águas enfeitiçadas de
Salem. Mesmo já tendo passado mais de um século desde o episódio macabro que
aterrorizou a cidade, Susan tinha certeza de que as pessoas não seriam
misericordiosas se soubessem que elas estavam seduzidas por algum tipo de
bruxaria.
–
Mas nós ainda podemos nos machucar... – insistiu Susan, recuando um passo.
–
Não seja tola! – Anne fez uma careta. – Não vamos bater nas pedras, nem nos
afogar. Ontem nós fomos capazes de respirar embaixo d’água por quase meia
hora...
–
E quase morremos na volta! – salientou Susan. – Quais as chances de acontecer
de novo?
Anne
olhou para o penhasco, enchendo-se de coragem. Então estampou no rosto sua
expressão mais confiante.
–
Só há uma maneira de descobrir – disse, com a voz firme.
Ela
agarrou a mão da irmã e as duas encararam a pequena piscina entre as pedras.
Tomar
a decisão foi infinitamente mais fácil do que mergulhar. Felizmente, quando o
mar as envolveu, no lugar exato onde haviam caído na noite anterior, as duas
entraram naquele transe estranho que as tornava capazes de respirar embaixo
d’água.
Susan
olhou ao redor, esperando que as sereias aparecessem, mas elas não vieram.
Então avistaram as paredes da mansão, ao longe, debilmente iluminadas pelo
luar, e nadaram até ela.
Um
extraordinário jardim de algas cercava a casa. Havia limo nas paredes em toda a
fachada, e as jardineiras das janelas do primeiro andar, inacreditavelmente,
exibiam jasmins vivos e exuberantes.
Havia
um símbolo gravado na porta da frente, pouco acima da aldrava de prata: algo
semelhante a um garfo ou forquilha – ou a letra Y com um traço a mais. Susan
não havia reparado naquele símbolo na noite anterior, e também não pôde
analisá-lo adequadamente agora, pois Anne a arrastou para dentro assim que
conseguiu abrir a porta.
Entrar
na mansão submersa era como retornar a um sonho espantoso. Intimamente, Susan
ainda não estava segura de que aquele lugar era real. Talvez ela fosse acordar
a qualquer momento em sua cama, e perceber que estivera sonhando desde a noite
anterior: com a casa, com as sereias, a discussão com o Reverendo Bichop, e até
mesmo o encontro com Roger Bellingham no cemitério. Talvez até mesmo a
perturbação de sua irmã não passasse de um lamentável pesadelo.
Infelizmente,
no minuto seguinte nada mudou. Ela continuava caminhando dentro da mansão
submersa, observando aquele ambiente tão incomum quanto um aquário de luxo,
percebendo palpável tudo o que ela não acreditava ser real, e respirando como
se não houvesse água ao seu redor.
E
conforme caminhava pela casa, sentia que não só era real, como tudo ali dentro
parecia vivo.
Os
móveis e os objetos pareciam congelados no tempo. Ilusoriamente, os olhos azuis
nos retratos pareciam seguir cada movimento das duas irmãs. Na copa, a prataria
e as taças de cristal estavam organizadas como se a mansão estivesse preparada
para uma festa.
Apesar
de ser uma visão deslumbrante de luxo e riqueza, Susan tinha a horrível
sensação de ter entrado na antessala do inferno!
Lembrou-se,
com horror, do último sonho que tivera naquela noite; aquele em que evitara
pensar o dia todo: ela entrava pelas portas da mansão, conduzida pelo braço do
mascarado que a aconchegara em seu peito na noite passada. Ele estava novamente
vestindo o fraque elegante que despira ao se deitar na cama de Anne. Eles
subiam a escadaria acarpetada, e caminhavam por um longo corredor, até um
quarto luxuoso, preparado como para as núpcias de um casal.
Susan
percebera, nesse momento, que não estava tão bem vestida quanto ele: usava a
mesma camisola branca que vestira depois de retornar da praia com a irmã; e
embora compreendesse quão inadequados eram seus trajes, sobretudo estando em
companhia de um homem, não se sentia constrangida. Ao contrário, sentia-se
perturbadoramente à vontade.
O
mascarado a conduziu para dentro do quarto. A lareira estava acesa; a cama,
impecavelmente arrumada, ostentava uma colcha de veludo vermelho deslumbrante;
o tecido delicado do dossel era da cor do ouro. Tudo ali inspirava riqueza e
elegância.
Ele
serviu duas taças de vinho para brindarem. E então, no minuto seguinte, ele a
estava afogando com seus beijos, profundos e ardentes.
O
coração de Susan disparara no peito. Ela sentia que estava prestes a desabar
nos braços dele, mas então, subitamente, com a mesma graça com que a trouxera
para junto de si, ele se afastou, recuando até a porta, sem jamais tirar os
olhos dela. Havia um brilho perverso nas íris azuis, que se acentuava, à medida
que ele se afastava. E então, de repente, as portas se fecharam diante dele.
O
coração de Susan congelou no peito, ao mesmo tempo em que a chama na lareira se
apagou. Ela se viu sozinha naquele quarto luxuoso, dentro do palácio submerso,
mas agora, em lugar dos braços quentes do mascarado que a seduzira, eram as
águas geladas do mar de Salem que envolviam seu corpo, de uma maneira
desesperadora.
Susan
deu um grito esganiçado – e não tinha certeza de tê-lo feito apenas no sonho –,
ao se dar conta de que estava sozinha e presa naquela câmara para sempre.
Este
sonho a fez despertar ofegante – principalmente porque, desde que as portas
foram fechadas, ela simplesmente não conseguira mais respirar –, e
terrivelmente assustada. Mais que um pesadelo, parecia um presságio agourento:
como se algo terrível e inevitável estivesse prestes a envolver sua vida – a
sua, ou a de Anne; no fundo, não fazia diferença. E foi este sonho, mais do que
qualquer outra coisa, que a fez evitar qualquer conversa com a irmã o dia todo.
Seu
coração clamava para irem embora, mas Anne, com seu espírito explorador, queria
conhecer todos os cantos da mansão. Era visível que estava completamente
deslumbrada com aquele lugar. E no fundo, embora se recusasse a admitir, Susan
se sentia assim também.
Anne
encarou a escada por alguns instantes, com o mesmo sorriso animado da noite
anterior. O corrimão de ouro primorosamente elaborado brilhava sob a luz fraca
do luar. O carpete vermelho que adornava os degraus parecia um convite ao
visitante para subir a elegante escadaria. Os candelabros de ouro pareciam
insinuar o brilho das chamas no topo das velas...
O
sorriso de Anne se intimidou subitamente, enquanto ela se lembrava de que fora
ali que perdera o fôlego na noite anterior. Mas em seguida pareceu decidir que,
se algum milagre ou magia havia permitido que ela conhecesse a mansão, os meros
degraus de uma escada não a deteriam.
Caminhou
energicamente até a porta e tomou impulso com o pé, para nadar escada acima,
mas assim que retirou os pés do chão, caiu, como se ali dentro não tivesse
água.
Susan
ajudou a irmã a se levantar, e tateou ao redor, para ter certeza de que a água
ainda as envolvia. Era como se estivessem dentro de um aquário, mas alguma
coisa prendia seus pés no chão e as impedia de nadar dentro da mansão.
Anne
caminhou lentamente para a escada outra vez. E mesmo com o coração apertado,
ansioso para ir embora, Susan a seguiu de perto e esperou que ela desse o
primeiro passo. Se Anne perdesse o fôlego novamente, ela ainda poderia
socorrê-la, como na noite anterior, e talvez convencê-la a não retornar nunca
mais àquele lugar.
No
fundo tinha esperança de que aquele degrau fosse o limite do mundo sobrenatural
onde haviam mergulhado. Se a magia se desfizesse ao tocar nele, e não pudessem
descobrir o que havia lá em cima, talvez não ficassem presas naquela casa.
Anne
apoiou o primeiro pé na escada, ampliando os temores da irmã, e como nada
mudou, firmou os dois pés no primeiro degrau, sondando o ar ao redor. Tudo
parecia igual ao resto da casa. Então ela se encheu de coragem e subiu as
escadas altivamente, como se fosse a dona da mansão.
Susan
esperou que Anne alcançasse o corredor do primeiro andar, e tomando um impulso
de coragem para não deixá-la sozinha, subiu atrás dela.
As
paredes do corredor pareciam um museu particular, com retratos a óleo de
diferentes membros da mesma família; a maioria, réplicas dos que decoravam as
paredes do salão principal, intercalados com castiçais de ouro. O mesmo carpete
vermelho que cobria a escada se estendia por todo o corredor. Exatamente no
meio do caminho entre uma porta e outra, um móvel baixo de madeira de cerejeira
abrigava um belo vaso de flores, repetindo-se a cada intersecção. Através de
uma janela alta no fim do corredor, o luar penetrava e iluminava todo aquele
caminho.
O
coração de Susan congelou no peito ao ver a irmã girar a maçaneta de um dos
quartos.
“Foi
só um sonho”, repetiu para si mesma, tentando se convencer de que a influência
mágica daquela aventura havia provocado o pesadelo. Então respirou fundo, como
se quisesse garantir que teria fôlego suficiente para voltar, e seguiu a irmã.
O
primeiro quarto que abriram devia pertencer a uma menina. A colcha e o tecido
do dossel eram cor de rosa, muito claros, assim como as cortinas das janelas. E
havia dezenas de bonecas sobre uma cômoda encostada à parede do fundo.
Anne
parecia inquieta, como se procurasse alguma coisa que certamente não estava
ali.
O
quarto seguinte era visivelmente de um casal. Um calafrio percorreu o corpo de
Susan, fazendo-a recordar novamente o pesadelo. Mas não fora aquele o quarto
que a sepultara no sonho. O tecido prateado do dossel e a colcha azul
meia-noite, embora concedessem um ar de riqueza e elegância ao aposento, em
nada se pareciam com a decoração do quarto com que sonhara.
Anne
mal entrou naquele cômodo. Parecia saber exatamente onde queria chegar. O
quarto no fim do corredor a chamava com força.
Ela
entrou devagar e espreitou ao redor. A colcha de veludo vermelho estava intacta
e a cama parecia ter sido arrumada havia poucos minutos. Havia um resto de
vinho em duas taças sobre a mesa de cabeceira, e um livro fechado sobre a mesa
de estudos.
O
coração de Susan parou. Aquele era precisamente o quarto que ela vira em seu
sonho. E mesmo sem nunca ter estado lá antes, os detalhes eram assustadoramente
reais. Até o cheiro de madeira queimada parecia impregnado nas paredes, e,
podia ser somente uma alucinação, mas ela seria capaz de jurar que viu um
filete de fumaça subindo da lareira apagada. Olhou para as taças outra vez, e
engoliu seco: a recordação do pesadelo foi tão nítida em sua mente, que ela
conseguiu sentir o gosto do vinho em sua boca.
Susan
correu de volta para a porta do quarto, e clamou desesperadamente para irem
embora, mas Anne parecia não estar ouvindo. Avançava com um olhar encantado
pelo quarto, tocando suavemente os objetos em seu caminho.
Susan
se deteve na porta, temendo vê-la se fechar, e prendê-las naquele aposento para
sempre, como em seu pesadelo. E enquanto esperava a irmã, examinou um símbolo
que fora gravado na madeira, provavelmente com um canivete: a mesma forquilha
que havia sobre a aldrava de prata na porta da frente, e, ela percebia agora,
em todas as outras portas da mansão, como um estranho – e pequeno – brasão de
família.
A
única porta que não havia sido adornada com aquele símbolo era a do quarto do
casal, e Susan não conseguia deixar de se perguntar por quê. Todavia, olhando
mais atentamente, a marca era rude demais para um brasão de família. E fora
grosseiramente entalhada na madeira; não gravada com esmero, como parte da
decoração. O símbolo destoava de todo o luxo e elegância que a mansão
inspirava, como se tivesse sido riscado às pressas na madeira das portas, num
ato de loucura ou desespero.
Susan
teve a sensação de conhecer o símbolo de algum lugar, mas não se lembrava
exatamente do significado.
Subitamente
seus olhos bateram num pequeno relógio de pêndulo encostado à parede do fundo.
Se o mecanismo ainda não havia sido corrompido pela água, elas estavam
submersas há exatos vinte e oito minutos.
Ela
apontou o relógio para Anne e fez sinal para irem embora. Como se retornasse de
um transe hipnótico, Anne apanhou o livro que estava sobre a mesa de estudos,
sem que Susan percebesse, e seguiu a irmã de volta ao salão principal, onde
encontraram uma figura ainda mais inacreditável do que as sereias da noite anterior.
Parada
ao lado do piano, uma garotinha de no máximo dez anos de idade, com os cabelos
lisos e castanhos colhidos no alto da cabeça por uma fita de cetim vermelho, as
encarava com seus penetrantes olhos azuis.
Usava
um vestido de festa feito de seda branca e sapatos brancos de boneca. Seu rosto
inspirava jovialidade e inocência; os olhos, no entanto, espelhavam sabedoria e
experiência, como se fossem os olhos de uma pessoa que viveu séculos
ininterruptos.
As
duas irmãs pararam assustadas, encarando a menina com a mesma expressão
curiosa. Pensaram que, assim como elas, ela havia despencado do penhasco e sido
envolvida por aquela estranha magia que as tornava capazes de respirar embaixo
d’água. Mas antes que pudessem dizer alguma coisa, a boca rosada da menina se
abriu.
–
Vão embora! – clamou a menina, com a expressão horrorizada.
–
Você está bem? – perguntou Susan, dando um passo na direção dela.
–
Saiam! – gritou a menina, com a voz estridente. – Ele não está aqui. Vão
embora!
Elas
se entreolharam, confusas. Então, Anne agarrou a mão da irmã e as duas correram
para fora da mansão, antes que Susan pudesse perguntar à menina se precisava de
ajuda para retornar à superfície. Em sua mente ecoava uma pergunta: O que ela quis dizer com “ele não está
aqui”?
Anne
estava pálida, como se tivesse visto um fantasma.
Assim
que começaram a nadar, Susan avistou o brilho dourado das caudas das sereias
vindo em sua direção, e pela expressão em seus rostos, não estavam tão
amigáveis quanto na noite anterior.
Com
medo de que a magia se desfizesse, e começassem a se afogar a qualquer momento,
as duas irmãs nadaram o mais rápido que puderam, até perderem as sereias de
vista. Já podiam ver a praia quando uma mão branca de pele sedosa puxou Anne
para as profundezas.
Susan
tentou ajudá-la a escapar das mãos da sereia loura, mas tudo o que pôde
compreender na confusão de cabelos esvoaçantes, foi que Anne lutava para
defender o livro que roubara na mansão submersa.
Quando
finalmente conseguiu resgatar a irmã, Susan teve o vislumbre do rosto zangado
da sereia-líder de olhos amendoados. Não queria descobrir por quê; tudo o que
importava era sair logo dali.
O
primeiro impulso de Susan, ao alcançarem a praia, foi brigar com a irmã.
–
Que estupidez foi aquela? – perguntou Susan, aos gritos. – Arriscar a vida por
um livro velho...
–
Não é meramente um livro! – Anne gritou de volta. – É um diário!
Disse
como se isso obviamente explicasse o ímpeto em defender sua posse.
–
Que seja! – murmurou Susan. – O que lhe interessa isso?
Anne
deu um suspiro aborrecido.
–
Esqueça!
E
correu para casa à frente da irmã.
Livro completo à
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