Embora
o título seja Alice No País das
Maravilhas, o filme contém mais elementos do segundo livro, Através do Espelho e o Que Alice Encontrou
Por Lá, do que do primeiro. Muito provavelmente Tim Burton chegou à
conclusão de que seria inútil adaptar em versão live-action uma história que todos conhecemos de cor e salteado
através do desenho da Disney de 1951. Seria recontar uma história que já foi
contada inúmeras vezes: tem a versão em desenho da Burbank de 1988, tem o filme
de 1999 que teve Whoopi Goldberg no papel do Gato Que Ri, e não sei quantas
outras versões contando essencialmente a mesma história. Para quê investir
alguns milhões de dólares e colocar uma peruca vermelha e quilos de maquiagem
no Johnny Depp para repetir o mesmo conto de fadas?
Pensando
assim, Tim Burton decidiu incorporar elementos dos dois livros, avançar alguns
anos no tempo e contar um capítulo, digamos, mais maduro das aventuras de Alice
no Mundo Subterrâneo. E, por assim dizer, criou um filme inteiro baseado num
poema de 28 versos que aparece no segundo livro. Só isso.
Vejam
bem, o desenho da Disney de 1951 também não foi completamente fiel ao livro. Se
colocar realmente na balança, a única adaptação fiel foi a da Burbank, pois o
Sr. Disney tomou diversas liberdades com a obra de Lewis Carroll. Para começar,
Tweedledee e Tweedledum são personagens do segundo livro, e não aparecem no
primeiro. O campo de flores cantantes também pertence ao segundo livro – só que
ali as flores não cantam, apenas falam pelos cotovelos. E Disney achou por bem
excluir de seu desenho a Duquesa, o Bebê chorão que se transforma num porco e
sai voando, e a Cozinheira ranzinza que adora pimenta e atirar pratos nas
pessoas. Talvez tenha pensado que já havia maluquice demais no sonho da Alice.
Seja
lá como for, para não fazer um trabalho semelhante, Tim Burton reescreveu a
história, utilizando elementos e personagens do Mundo Através do Espelho e um
dos muitos poemas recitados no segundo livro, e deu asas à sua imaginação nada
convencional para criar todo o resto que faltava.
Por
exemplo: a palavra Capturandam foi apenas mencionada no mundo através do
espelho, mas jamais explicaram do que se tratava. As Rainhas Branca e Vermelha
também só aparecem no segundo livro, quando Alice se viu num mundo que se
assemelhava demais a um tabuleiro de xadrez gigantesco; embora a Rainha Vemelha
de Tim Burton tenha incorporado alguns elementos da Rainha de Copas do primeiro
livro, como o Valete, o amor por tortas, a maneira peculiar de jogar croqué, e
a mania de mandar cortar as cabeças de todos. Quanto ao Jaguadarte, na versão
do livro traduzida para o português por Augusto de Campos – a mais conhecida no
Brasil –, um monstro chamado “Pargarávio” foi mencionado no mesmo poema que
citava o Capturadam. Não foi descrito em detalhes – apenas dentes e garras
foram mencionadas –, mas a ilustração mostrava um dragão muito bizarro
mostrando os dentes para a menina vestida com uma armadura, que empunhava a
Espada Vorpeira, com a qual, de acordo com o poema, o monstro foi morto no Gloriandei.
O poema foi jogado sem texto nem contexto na história, e tal monstro jamais foi
visto por Alice em nenhum dos livros. Tim Burton pegou essa deixa, criou a
profecia sobre o Jaguadarte que seria morto pela Espada Vorpal empunhada por
Alice no Gloriandei, e usou como contexto para o filme. Só mesmo um gênio como
ele para fazer tanto com tão pouco.
Mas
em se tratando de Tim Burton, trívia.
Ou eu deveria
chamar: Alice e a Lenda do Pargarávio
Jaguadarte?