Certa vez, no
primeiro ano do ensino médio, nossa professora pediu um trabalho de redação em
grupo que consistia em atualizar contos de fadas e incluir neles novos
personagens, a saber, os membros do grupo.
Cada grupo tinha
5 ou 6 alunos, e a escolha do conto era livre. Não foi surpresa que entre as
quatro turmas de primeiro ano de 2005 tenham sido feitas várias versões de
Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela e A Bela Adormecida.
Tentando fugir do
óbvio, a primeira escolha do meu grupo foi Peter Pan. Depois, não me lembro
porquê, mudamos para O Mágico de Oz.
Fizemos um
pequeno debate para decidir o que mudaria na história para torná-la mais atual.
Nós anotamos as ideias de todo mundo e combinamos que cada um escreveria sua
versão da história. Depois o grupo escolheria a melhor para o trabalho, ou as
melhores partes de cada uma e juntaria tudo para construir a história oficial.
Mas como apenas
eu cumpri a tarefa, o grupo decidiu usar a minha versão no trabalho.
Naquela época eu
já me aventurava a escrever – ou tentar escrever – livros, ainda que capenga.
Como dizem os profissionais literários, escrever bem requer prática – e eu
acrescento o constante exercício da leitura, que inspira, molda e prepara o
cérebro do escritor.
Recentemente,
enquanto reorganizava os arquivos no meu computador, eu encontrei o texto do
trabalho, e após conferir os evidentes erros de sintaxe e gramática, me
satisfiz em ver que, de modo geral, a ideia era boa, ainda que mal
desenvolvida. Então decidi reescrever, só por diversão. Mas por que reescrever
e deixar só no computador?
Espero que
gostem.
*O meu nome e dos
membros do grupo foram alterados nesta versão reescrita e os novos personagens
são:
David, o policial
Alexia, namorada
do Homem de Lata
Penélope,
assessora e melhor amiga de Dorothy
Mona, assistente
do Mágico
Melanie Morris, atriz
de cinema
Tamara, cirurgiã
plástica
Chamei esta
versão:
A Nova Aventura de Dorothy
Meu nome é
Dorothy, e sou uma grande estrela do pop. Verdade é que existem estrelas
maiores que eu, mas aposto que nenhuma delas tem uma história tão fascinante
para contar.
Nasci no Kansas,
em meio à pradaria cinzenta. Meus pais morreram quando eu tinha dez anos, e
desde então vivi com meus tios Henry e Ema numa casinha minúscula longe de tudo
e de todos.
Mas depois da
passagem de um tornado há um ano, minha vida mudou completamente.
Como eu disse, a
casa onde morávamos ficava no meio do nada, de modo que, um homem que vinha
pela estrada em seu carro, percebendo que não escaparia da tempestade, parou e
nos pediu abrigo.
Já era quase
noite, e o carro dele havia sido arremessado do outro lado da estrada pelo
tornado, então ele só poderia seguir viagem a pé no dia seguinte.
Ele ceou conosco
e no fim da noite, como de costume, sentamo-nos todos na varanda por algum
tempo. Eu peguei o violão e comecei a cantar as canções de sempre para os meus
tios. Aquela parecia ser a única coisa capaz de fazer tia Ema sorrir.
Então aquele
homem disse que eu tinha uma bela voz, e nos contou que era produtor de uma
grande gravadora de Los Angeles, e me convidou a ir com ele para a Califórnia
gravar um CD demo.
Logo minha música
estava em todas as rádios, e o meu primeiro álbum vendeu mais que pinheiros de
natal em dezembro.
Eu não poderia
estar mais feliz. Exceto que, como cantora, ainda havia um sonho a realizar. O
mesmo sonho de quase todos os artistas do ramo: se apresentar no palco de Oz, a maior casa de shows do mundo.
Quando meu
empresário me disse que tinha agendado o show, eu nem consegui acreditar!
Mas foi então que
tudo aconteceu, e por muito pouco, o show com que eu tanto sonhei não teve que
ser cancelado.
Eu não morava
mais no Kansas, nem meus tios moravam lá. Eu os tinha levado comigo para Los
Angeles, mas quando minha carreira explodiu nos mudamos para Nova York.
Por todo o país
contava-se a história de que fui carregada por um tornado do Kansas até Los
Angeles, e que a minha voz ecoou desde o interior do tornado por toda a cidade,
até que ele me deixou às portas da Star FM, uma grande emissora de rádio no
centro de Hollywood.
Eu sei, parece
loucura, não é? Mas se o pessoal da publicidade achou que isso faria bem à
minha imagem, quem sou eu para discordar! Afinal, não era exatamente mentira,
foi mesmo um tornado o que me levou aos palcos; não exatamente como contaram,
mas, quem se importa? A história é boa de qualquer modo.
Bem, eu parti de
Nova York para Los Angeles em meu helicóptero no dia do show. Ao meu lado, o
piloto particular, Anthony Thomas, ou como eu prefiro chamá-lo, Totó. E eu não
admito que façam especulações acerca da origem deste apelido, até porque é bem
óbvio: Anthony Thomas, Tony Thomas, To-Tó! Para desalento de quem imaginou
qualquer razão mais ordinária.
Cruzamos o país
sem contratempos, porém, quando sobrevoamos Los Angeles, surgiu um problema em
uma das hélices. Totó me pediu para ficar calma e disse que ia tentar um pouso
de emergência.
Los Angeles
estava coberta por uma densa neblina naquela tarde, de modo que era muito
difícil distinguir qualquer coisa. Quando ele fez a primeira tentativa de pouso
no primeiro heliporto que encontrou, por causa da nebulosidade, bateu numa
mureta de concreto antes de descer ao topo do prédio escolhido, e esta arrancou
as pás que serviam de base ao helicóptero.
Não olhei para
trás, nem seria possível, mas não era difícil imaginar que a mureta onde o
helicóptero bateu pertencia a outro prédio que nós não vimos.
Ele fez outra
tentativa ao dar a volta, e anunciou, quase com orgulho, que tínhamos pouco
combustível. Na hora eu não entendi; só depois ele me explicou que um pouso de
barriga poderia explodir o helicóptero se tivesse combustível.
O pouso naquele
prédio parecia impossível com a neblina, então Totó baixou um pouco e eu pensei
que ele tivesse visto um prédio mais baixo com heliporto. Foi só quando me
atrevi a olhar no rosto dele que percebi o que ele não quis me dizer: estávamos
caindo... em plena avenida!
Eu fechei os
olhos e me pus a rezar, pensando que de fato tivesse chegado o nosso fim,
lamentando somente não ter feito o show com que tanto sonhei, quando de repente
senti um impacto violento, mas não o bastante para nos matar.
Foi um grande
alívio abrir os olhos e constatar que tínhamos aterrissado, numa posição
bastante estranha, inclinados, como se houvesse algo embaixo do helicóptero.
Pensei que fosse uma das pás que tivesse ficado presa e entortado no pouso – ou
na queda, ainda não sei ao certo.
Totó e eu saímos
do helicóptero aliviados por estarmos vivos. Tínhamos literalmente parado o
trânsito da principal Avenida de Hollywood, e uma multidão se juntava para ver
o estrago. Duas viaturas estavam paradas bem perto de nós, e os policiais nos
encaravam com uma expressão chocada.
Quando um dos
policiais, na verdade uma mulher, se aproximou e nos cumprimentou, senti um
arrepio na espinha, pensando que ela nos levaria para o distrito, e isso
atrasaria ou impediria o meu show.
_Em nome de todo
o povo da Califórnia, quero lhes agradecer... – ela disse.
A mesma dúvida
passou pelo meu rosto e pelo de Totó ao mesmo tempo.
_Nos agradecer...
Pelo quê? – perguntei.
_Há meses nós
perseguíamos Martha Owens, mais conhecida como Bruxa do Leste, e hoje a
perseguição chegou ao fim.
Totó e eu nos
entreolhamos confusos.
_Bruxa do Leste?
– perguntei. – O que é isso? Caímos por acaso num conto de fadas?
_Ela era
conhecida por este apelido porque veio desde o leste do Estado nos últimos dois
meses – explicou a policial –, envenenando hoteleiros com uma substância ainda
não identificada, possivelmente um preparado desenvolvido por ela, sabe-se lá
com que tipo de coisa, e saqueando suas caixas registradoras e cofres. Todas as
forças policiais do Estado estão envolvidas no caso. Nós a perseguíamos de
perto em nossas viaturas quando seu helicóptero caiu sobre a motocicleta que
ela pilotava.
Eu me virei
devagar, e então vi porque o helicóptero estava inclinado. Debaixo da estrutura
metálica, tudo o que se podia ver eram os pés calçados com sapatos caros. A
moto estava caída alguns metros à frente. Com o impacto, a bolsa ou os bolsos
da jaqueta lançaram para fora vários objetos que estavam agora jogados por toda
parte na avenida: um canivete, um
revólver pequeno – trinta e oito milímetros, se não me engano; era igual ao que
o tio Henry levava no cinto quando ia recolher os animais ao celeiro no meio da
madrugada de inverno –, um vidro marrom quebrado sobre a poça de um líquido
verde como absinto, possivelmente o veneno de que falaram, e o telefone celular
prateado.
_Foi um acidente
– desculpou-se Totó.
_Não importa –
disse a policial. – O povo de Los Angeles é grato a vocês.
Neste momento uma
campainha soou pausadamente no chão, a alguns metros do helicóptero. A policial
pegou o celular da Bruxa e olhou no visor:
OESTE.
Clicou ATENDER e
encostou o telefone no ouvido.
_Onde você se
meteu? – perguntou uma voz de mulher do outro lado da linha. – Eu estou te
esperando há uma hora!
A policial
reconheceu imediatamente a voz de Geena Owens, a assassina conhecida como Bruxa
do Oeste, cúmplice da assassina que agora estava morta embaixo do helicóptero.
A policial tentou
fazer sua voz ficar parecida com a da Bruxa do Leste, para conseguir a
localização da outra assassina, mas ela desligou rapidamente, talvez depois de
ter percebido que não era a parceira quem lhe falava ao telefone.
De súbito,
ouvimos um barulho altíssimo, como uma explosão ou um tiro de arma pesada e
grande, e os vidros do helicóptero se quebraram.
A policial se
aproximou enquanto os outros policiais lhe davam cobertura, preparados para o
caso de o atirador atacar novamente. Eu me encolhi e agarrei o braço de Totó,
assustada.
_Os controles
estão destruídos, e o buraco no painel tem o formato da cabeça de um lobo –
disse a policial aos seus companheiros.
_Foi ela –
concluiu um policial, à frente dos demais. – Ainda vamos descobrir como ela faz
isso.
_Receio que não –
disse a policial.
O celular da
Bruxa do Leste tocou mais uma vez, uma campainha dupla e breve. A policial
verificou a tela.
“Você tem uma nova mensagem de texto”.
Clicou em LER.
“Desgraçados! Vocês mataram a minha irmã, agora eu vou matar vocês!”
A policial nos
fitou por um segundo e se voltou para os policiais.
_Ela pode nos
ver, está bem perto – disse. – Façam uma busca minuciosa nos arredores e peçam
reforços.
A policial abriu
a tampa da bateria do celular da Bruxa do Leste e inseriu um pequeno chip. Em
seguida se dirigiu a nós, que permanecíamos assustados, junto de alguns
policiais, até então, sem saber o que estava acontecendo.
_Eu não quero
assustar vocês – começou a policial –, mas há outra assassina na cidade,
comparsa desta; a Bruxa do Oeste. Ela viu vocês e sabe que mataram a irmã dela.
De repente me
senti nauseada de medo.
_Vamos levá-los
para um lugar seguro, e cuidar para que nada lhes aconteça – prosseguiu.
_Eu não posso –
protestei. – Eu vou me apresentar em Oz, não posso decepcionar os meus fãs.
_Eu já lhe havia
reconhecido – disse a policial. – Dorothy Tornado...
_Sim.
_Bem, Oz fica na
Avenida das Esmeraldas. Não é muito longe daqui. Vou pedir a um dos agentes que
os acompanhe, mas quero que fiquem atentos. À menor atitude suspeita,
interrompa o show! Nós estaremos por perto.
Assenti com a
cabeça, concordando. A policial me estendeu o celular da Bruxa do Leste.
_Coloquei um
rastreador GPS neste aparelho, então sempre vamos saber onde você está. Se a
Bruxa do Oeste fizer contato, avise-nos imediatamente. – E me estendeu seu
cartão.
_FBI?! –
surpreendi-me.
_Sim. Meu
codinome nesta operação é “Fada do Norte”. Parece que alguém achou engraçado
que as Bruxas fossem perseguidas por Fadas... – Fez uma careta ao pronunciar
este comentário. – Enfim, caso eu não possa ajudá-los, enviarei minha parceira,
a “Fada do Sul”.
_Certo – assenti,
sentindo-me perdida num livro infantil.
A Fada do Norte
chamou David, um dos agentes que estava com eles, e mandou que nos escoltasse
até Oz.
Entramos na
viatura e seguimos por uma avenida de prédios amarelos. Confesso que estava
muito nervosa com tudo o que havia acontecido, e temia que a morte da Bruxa do
Leste e a perseguição da Bruxa do Oeste estragassem meu show. Tinha sonhado
tanto com a apresentação em Oz, e agora meu sonho estava se tornando um
pesadelo.
De repente David
pisou no freio e a viatura se deteve com um tranco violento. Como conjurado
pelos meus pensamentos, um rosto deformado se chocou contra o para-brisa. Dois
olhos dourados e brilhantes me encararam. O nariz e o queixo eram compridos e
pontiagudos, e a pele tinha tantas rugas e cicatrizes que não me contive e
soltei um grito de horror, pensando que o Freddy Krueger em pessoa tivesse
vindo me buscar.
Admito que este
filme me impressionou quando o assisti aos oito anos de idade na sessão “Filmes
da Madrugada” de um canal de TV. Mas não é exagero nenhum que aquela figura que
se chocara com a viatura bem podia ser o monstro de lâminas nas garras que
assombrava os pesadelos de Nancy.
Ao perceber o meu
susto, os olhos do monstro se suavizaram e se encheram de lágrimas, e a pele –
ou o que quer que envolvesse seu rosto – ruborizou.
David saiu da
viatura com a arma em punho, pronto para prender a aberração.
_Seu idiota, o
que pensa que está fazendo? – perguntou, ameaçando-o com a arma.
_Eu queria que
você tivesse me atropelado! – gritou o deformado, com uma voz humana e comum.
_Ficou maluco? –
gritou David de volta.
_Olha para mim,
cara! Eu sou um monstro. As pessoas me olham e fogem assustadas, e os que não
fogem, me olham com pena. Eu estou cansado disso! Faz um favor, mira na minha
cabeça e acaba logo com o meu sofrimento...
David baixou a
arma, compadecido do rapaz.
_Calma, vamos
conversar – propôs.
_Não. Você vai
fazer aquele discurso decorado sobre dar valor à vida, mas a vida para mim é um
castigo. Eu quero morrer! Será que você pode me dar um tiro de misericórdia?
Totó e eu saímos
da viatura para acompanhar a discussão mais de perto, e o rapaz escondeu o
rosto com o capuz da jaqueta.
_Por favor, não
se esconda – pedi com a voz mansa. – Eu não tenho medo de você.
Ao menos, não mais, acrescentei com
o pensamento.
Mas ele continuou
escondido atrás do capuz.
_Qual é o seu
nome? – perguntei.
_Ernest... Ernie
– respondeu cabisbaixo. – Mas todo mundo me chama de Espantalho, ou
Assombração. Acho que não preciso explicar por quê.
_Ouça, Ernie,
você não tem que se matar... – comecei.
_Ninguém quer
ficar perto de mim – queixou-se o rapaz com tristeza. – As pessoas veem a minha
feiura e acreditam que vou lhes fazer mal. É terrível continuar vivendo assim.
_Mas não precisa
ser assim, Ernie. Seus amigos não...
_Eu não tenho
amigos – interrompeu-me. – Eu não tenho família, não tenho ninguém! Meus pais
me jogaram numa lixeira quando eu nasci, provavelmente porque não suportaram
olhar para o meu rosto. Eu cresci na rua, jogado na sarjeta. Ninguém me
estendia a mão nem para dar uma esmola. Eu só consigo falar com alguém quando
estou usando uma máscara numa festa à fantasia. E quando as pessoas veem o meu
rosto fogem gritando “MONSTRO! MONSTRO!”...
Senti um aperto
no coração, profundamente compadecida do rapaz.
_Como se não
bastasse, esses caras do estúdio querem que eu faça filmes de monstro –
desabafou Ernie. – Foi legal por um tempo, poder comer uma comida decente, mas
o resto do elenco fica perguntando como é o meu rosto e porque eu já chego
maquiado... É frustrante!
_Eu sei que deve
ser horrível – ponderei. – Mas suicídio é demais. Eu conheço pessoas que podem
cuidar de você, e refazer o seu rosto.
_Você faria isso
por mim? – Os olhos de Ernest brilharam esperançosos.
_Só se você
prometer que não vai pular do carro em movimento – propus com um sorriso
divertido.
Ernie deu um leve
sorriso de dentes curtos e amarelos.
_Venha comigo –
eu disse. – Você vai assistir ao meu show, e amanhã cedo eu vou te levar até um
cirurgião plástico... Por minha conta!
Ernest entrou
conosco na viatura e seguimos viagem, mas não fomos muito longe. O trânsito
intenso nos bloqueou a alguns quarteirões da casa de shows, pouco antes de
entrarmos na Avenida das Esmeraldas. Por causa da ameaça da assassina do Oeste
– porque achei muito ridículo chamá-la de Bruxa como os outros – tive medo de
ir andando pelo caminho que faltava.
Olhava no relógio
o tempo todo.
_Vamos nos
atrasar – murmurei.
_Você pode –
disse Totó. – É a estrela!
_Dorothy Tornado
nunca se atrasou para uma apresentação. Eu sempre chego na hora, num redemoinho
de vento... Esqueceu?
Com muito
esforço, David conseguiu estacionar a viatura junto ao meio-fio.
_Parece que não
vamos conseguir passar daqui – disse. – Posso escoltá-los a pé.
Totó me lançou um
olhar de incentivo, mas continuei receosa.
_Acho que podemos
ir andando – disse Ernie. – Ninguém vai ter coragem de se aproximar para lhes
fazer mal quando virem o Espantalho aqui.
David destravou
as portas e tirou a chave da ignição. Não estávamos longe da casa de shows e
David caminhou o tempo todo com a mão sobre a pistola que estava em seu coldre.
Poucos metros à
frente nos deparamos com um homem vestido de moletom que recolhia latas de
refrigerante e cerveja dos sacos de lixo em uma esquina, acompanhado por uma
garota de shorts jeans rasgados, blusinha cinza e casaco preto. Ambos tinham um
gorro na cabeça, e pareciam famintos. Ela era bonita e tinha um belo corpo de
bailarina.
David tirou a
arma do coldre e apontou para o casal quando eles se viraram e vieram na minha
direção.
_Não acredito,
Dorothy Tornado! – exclamou a garota. – Eu sou sua fã...
David se interpôs
entre a desconhecida e eu, com a arma apontada para o casal.
_Quem são vocês?
– perguntou o policial.
_Meu nome é
Alexia, e esse é o Lat – disse a garota. – A gente não vai fazer nada não...
_Não precisa
dessa arma – disse o rapaz que estava com Alexia.
_Que nome é esse,
Lat? – indagou Totó desconfiado.
_É um apelido –
disse o catador. – O pessoal da área me chama de Homem de Lata, ou Lat, como
preferir. Eu não sei qual é o meu nome...
David bufou,
incrédulo.
_Como você não
sabe seu próprio nome?
_Sofri um
acidente há quase um ano e perdi a memória.
_E seus
documentos? – questionou David.
_Sei lá. Vai ver
roubaram minha carteira.
_Isso é muito
conveniente... Por que não foi à delegacia fazer um exame de digitais?
_Eu fui, mas me
enxotaram de lá antes que eu abrisse a boca. Olha para mim, pareço um mendigo!
David decidiu dar
um voto de confiança ao rapaz. Mas não baixou a arma.
_Faça o seguinte
– disse –, vá até a delegacia e me espere lá. Quando eu chegar, verifico suas
digitais e tento descobrir quem é você.
Enquanto o
policial falava, Alexia começou a dançar a coreografia de uma das minhas
músicas, e seu talento me deixou impressionada.
_Você dança muito
bem – comentei.
_Sei todas as suas
coreografias de cor – disse Alexia, orgulhosa por ter conquistado minha
atenção.
_Sabe de uma
coisa? Eu preciso de mais dançarinas no meu grupo – mencionei. – Se quiser
fazer um teste, venha comigo até Oz que eu te indico ao meu coreógrafo.
A moça concordou
animada.
Então Alexia e o
Homem de Lata se juntaram a nós e seguimos caminho para a casa de shows.
A Avenida das
Esmeraldas era ladeada por prédios verdes, e o antigo Teatro Oz ocupava todo o
quarteirão. Havia uma multidão na porta, pela qual seria muito difícil passar.
_Melhor entrar
pelos fundos – sugeriu Totó.
Demos a volta
rapidamente, mas muitas pessoas fechavam o beco, de modo que não podíamos
chegar à porta.
Ernie tirou a
jaqueta e me entregou, para evitar que eu fosse reconhecida pelos meus fãs, sem
se importar com o susto das pessoas que olhassem para o seu rosto medonho.
Alexia, que ainda não tinha visto o rosto dele, pois estivera o tempo todo
escondido debaixo do capuz, deu uma risadinha, acompanhada pelo Homem de Lata.
_Para quê essa máscara? – perguntou a garota.
_Não é máscara –
disse Ernie acanhado. – É o meu rosto.
O Homem de Lata o
fitou por um instante, analisando as cicatrizes no rosto dele.
_Parece uma
queimadura – concluiu. – Quem fez isso com você?
_Não sei –
admitiu Ernie. – Acho que nasci assim.
_Impossível...
_Gostei dos seus
olhos – disse Alexia. – São lentes?
_Não.
_Parecem os da
Melanie Morris, aquela atriz de cinema – comentou Alexia. – Têm o mesmo tom de
dourado.
_Ao menos eu
tenho algo de bonito – sibilou Ernie, mas seu olhar me dizia que estava
comemorando por dentro. – Estou feliz que vocês não tenham medo de mim.
_Por que teríamos
medo de você? – perguntou Alexia.
_Eu pareço um
monstro – disse Ernie, como se ela tivesse feito uma pergunta extremamente
idiota.
_Isso não é
verdade – protestou Alexia. – Você tem um rosto diferente, concordo, mas isso
não faz de você um monstro. Eu já conheci muitos monstros. Um deles destruiu a
vida da minha irmã, obrigando-a a se drogar e receber um monte de homens
nojentos para ele embolsar a grana. E quando ela já estava doente e fraca de
tanto sofrer e ser espancada, ele a matou.
O mesmo horror se
estampou nos rostos de todos nós.
_O monstro não é
o que está por fora, na casca, meu amigo... – prosseguiu Alexia. –Monstro é o
que se cria nas entranhas.
Como as palavras
dela calassem fundo no coração de Ernie, ele deu um sorriso largo e simpático.
Já estávamos bem
perto da entrada do beco, e a multidão parecia não ter fim. Vencemos no sufoco
a aglomeração e nos esgueiramos até a porta, onde um rapaz com cabelo
Black-Power queimado de sol forçava um grampo pela fechadura.
_Ei, rapaz! –
gritou David, mas o rapaz estava com os fones do iPod no ouvido, e não percebeu
que o chamavam.
_O que está
fazendo? – insistiu o Homem de Lata, detendo-o pelos ombros.
O rapaz tirou
rapidamente os fones de ouvido, esquivando-se na soleira.
_Qual é, cara? Eu
só estou tentando entrar no show da Dorothy Tornado – disse o rapaz do
Black-Power. – Se você ficar de vigia eu te ponho para dentro junto comigo...
David pigarreou
com a mão na arma em seu coldre, e só então a presença do policial foi
percebida pelo arrombador. Uma careta de medo se formou no rosto do rapaz e ele
largou o grampo, erguendo as mãos sem reagir.
_Por favor, não
me leve preso – implorou o rapaz com as pernas tremendo.
_Devia ter
comprado um ingresso como todo mundo – disse o policial.
_Eu tentei, mas
me disseram na bilheteria que estava esgotado – disse o rapaz. – E por mais
estranho que pareça, não achei cambista nem para remédio...
O policial
continuou a encará-lo duramente, ao que o rapaz ficou ainda mais amedrontado.
_Olha, eu não sou
bandido não... – continuou o rapaz, com a voz trêmula. – Eu só estava tentando
abrir a porta porque queria muito ver a Dorothy de perto.
Eu continuei
encolhida sob o capuz, entre Totó e Ernie, sem saber o que fazer. O tempo
estava passando e eu precisava entrar, mas passar por aquele rapaz sem ser
reconhecida seria um verdadeiro esforço.
_A gente se
conhece? – perguntou Alexia, estreitando os olhos, achando a figura do rapaz
familiar.
_Eu sentava atrás
de você no último ano da escola – respondeu ele, gaguejando de medo.
Ela estalou os
dedos como que lembrando de repente.
_Claro, Doug
Leão! – E deu um tapinha no braço do policial David, como se fossem amigos íntimos.
– Esse aí é mais covarde que um rato preso na toca do gato! Não faz mal a uma
mosca.
_Que seja! –
exclamou David, sem afastar a mão do coldre, empurrando Leão para o lado para
se chegar à porta.
_E-eu posso
entrar com vocês? – arriscou Leão, a mandíbula tremendo e as pernas bambas.
David lhe lançou
um olhar zangado. E ignorando-o, tentou forçar a maçaneta.
_Trancada –
murmurou frustrado.
Não vendo outra
saída, apontei o garoto do Black-Power para o policial com olhar sugestivo.
_Ok, garoto –
disse David. – Se conseguir destrancar a porta eu finjo que não vi você entrar.
Mais que
depressa, porém ainda com as mãos trêmulas, Leão recolheu o grampo do chão e
voltou ao trabalho. Logo que a porta foi aberta, fui a primeira a me precipitar
para dentro, seguida por Totó, Ernie, Alexia, Homem de Lata e Leão. O policial
foi o último a entrar, cerrando a porta atrás de si.
Um segurança da
casa de shows nos abordou antes que avançássemos daquela entrada, então eu
tirei o capuz, para surpresa de Leão.
_Todos eles estão
comigo – esclareci. – São meus amigos.
_Disseram que
você chegaria de helicóptero... – questionou o segurança.
_Tivemos um
problema – eu disse, somente.
Ele disse algumas
palavras pelo rádio, e logo minha assessora, Penélope, vestida num terninho preto
e botas de salto e bico fino, surgiu quase correndo no corredor, com uma
expressão aflita.
_Graças a Deus,
Dorothy! Eu estava preocupada – disse ela com a voz apressada. – Uma agente do
FBI me ligou perguntando se você estava em segurança. Disse que tem uma
assassina te perseguindo... Que história é essa?
_É uma longa
história, Penélope... – esquivei-me. – Mais tarde eu te conto. Agora, será que
a minha assessora querida pode arranjar ingressos VIP para os meus amigos?
_Claro que
posso... – Penélope esbarrou os olhos em Ernie e levou um breve susto, mal
terminando a frase. Em seguida analisou melhor o rosto dele, sem querer ser
indelicada. – Você tem os olhos da Melanie Morris, sabia?
_Já me disseram
isso – admitiu Ernie, dando um sorriso sem graça.
E se voltou para
mim em seguida.
_Olha só, amiga,
os organizadores contrataram um Mágico aqui mesmo de Los Angeles para abrir o seu
show, em vez de uma banda iniciante. Parece que ele começou a carreira nesta
casa de espetáculos quando ainda era um teatro; e até onde eu sei, o teatro foi
fechado há 150 anos! Não entendi nada. Na certa é outra lenda como a que diz
que você foi trazida por um tornado do Kansas até Hollywood... Sei lá, mas
parece que o cara é bom. Estou com a sensação de que metade do pessoal que está
aí fora veio para ver o Mágico de Oz; você é só um bônus...
Meu riso ecoou ao
de Penélope. Às vezes eu tenho a sensação de que a minha amiga, com quem
convivi desde criança no Kansas, nasceu sem ponto final, pois quase não precisa
tomar fôlego entre as frases.
_Você ainda tem
30 minutos para se arrumar – completou Penélope, por fim.
_Certo – concordei.
_Vou arranjar um
lugar para vocês – disse a assessora aos meus novos amigos e desapareceu no
corredor com o mesmo passo apressado com que viera.
Fui para o
camarim me preparar para o show, e meus amigos foram levados a um dos poucos
camarotes que restaram da reforma do antigo Teatro Oz, para assistir ao show.
Como obviamente
ninguém está interessado na minha escolha de figurino, e os acontecimentos do
camarim antecipariam algumas surpresas na história, vou descrever os últimos
momentos da apresentação do incrível Mágico de Oz, que não tive a oportunidade
de assistir ao vivo, mas meus fãs maravilhosos postaram alguns vídeos na
internet, e meus amigos me contaram tudo depois com riqueza de detalhes,
inclusive o que sucedeu ao show do Mágico.
Todo o interior
do prédio era iluminado por lâmpadas esverdeadas. No palco, no entanto, luzes
verdes e brancas giravam o tempo todo ao redor da estrutura.
A apresentação do
Mágico prendia a atenção da multidão. Quando meus amigos se colocaram no
camarote, ele estava retirando espadas do estômago de sua jovem assistente
Mona. Chegava a causar calafrios nos espectadores.
O grand finale ficou por conta de um
truque inacreditável. O Mágico se sentou numa almofada no centro do palco.
Usava um terno preto sobre um colete cinza bordado com um mosaico preto, e
sobre a cabeça um turbante roxo com uma esmeralda de duas polegadas bem no
centro. Os olhos pareciam de vidro e não possuíam pupilas nem íris. Ele cruzou
os braços diante do corpo e fechou os olhos, concentrando-se. Foram quase
cinquenta segundos de expectativa, então Mona apanhou uma espada e, com um só
golpe da nuca para a garganta, separou a cabeça do Mágico de seu corpo.
Ele, porém, não
se moveu.
O público já
pensava que o truque havia terminado, quando de repente a cabeça do Mágico
começou a levitar acima do corpo. E à medida que subia, a cabeça crescia, até
atingir o tamanho de um balão. Então a cabeça, com o turbante, a esmeralda, e os grandes olhos brancos,
agora abertos, explodiu, e da explosão se formou uma nuvem vermelha com o
formato de uma grande fera com nove olhos, sendo o do meio maior do que todos
os outros. Uma lança afiada saía da ponta de sua longa cauda. Ele possuía
presas e garras enormes e pontiagudas e rugia alto como um trovão.
A multidão se
apavorou por um instante, mas quando a fera abriu a boca e mergulhou com
voracidade em direção à plateia, Mona cortou sua cabeça com a espada, e então a
nuvem foi ao chão. E quando ela se dissipou, em pé no centro do palco, com os
braços cruzados à frente do corpo, a cabeça intacta envolta no turbante, sem um
arranhão na esmeralda, o Mágico encarou o público com uma expressão imponente.
Mas o show ainda
não havia terminado. A assistente Mona abraçou-se aos ombros do Mágico, que a
envolveu pela cintura, e começou a levitar com ela. O público não desviava nem
por um instante os olhos do casal no centro do palco. Então eles começaram a
girar, rápidos como um tornado, e desapareceram.
Um enorme falcão
branco alçou voo desde o centro do palco e passou por cima do público, para
fora do teatro.
A multidão
aplaudiu calorosamente.
Então, o mais
estranho aconteceu. Todos os seguranças visíveis ao redor do pavilhão apanharam
os rádios comunicadores praticamente ao mesmo tempo. O palco estava silencioso.
Havia uma coisa errada.
_O que está
acontecendo? – indagou Ernie aos amigos.
Um segurança
passou por trás do palco, e então um murmúrio circulou entre a multidão.
_Dorothy já devia
estar no palco – sibilou Totó apreensivo. – Ela devia ter entrado no redemoinho
do Mágico.
Os amigos olharam
aflitos para o centro do palco vazio. Os músicos aguardavam o sinal para
começar a tocar.
_O que isso
significa? – perguntou o Homem de Lata.
Um calafrio
percorreu a espinha de Totó com sua terrível conclusão.
_A Bruxa do
Oeste!
E correu para o
camarim, seguido pelos amigos. A porta estava trancada, e tudo lá dentro era o
mais absoluto silêncio. O policial David tentava arrombar a fechadura.
_O que houve? –
perguntou Totó aflito.
_A Bruxa do Oeste
prendeu Dorothy no camarim e abriu o gás! – respondeu David, atropelando as
palavras, enquanto lutava com a fechadura. – Se eu não conseguir abrir logo a
porta, ela morrerá asfixiada.
_Por que não
estoura a fechadura com um tiro? – apressou o Homem de Lata agoniado.
_Porque ela pôs
uma bomba do lado de dentro. Se eu atirar, ou fizer qualquer movimento brusco
na porta, e ela estiver conectada ao detonador, pode explodir.
Frustrado com
suas inúteis tentativas de arrombamento, ele olhou com esperança para Leão e
perguntou:
_Ainda tem aquele
grampo?
_O grampo que vá
para o diabo! – gritou Totó, empurrando o policial para o lado, e jogando toda
a força de seu corpo contra a porta três vezes, apesar dos alertas de David
sobre a possibilidade de que a bomba fosse detonada com a pancada.
Quando a porta
finalmente se abriu eles me viram desmaiada no chão. Totó me tomou nos braços e
correu para fora. David avisou aos reforços que chegavam sobre o ataque da
Bruxa do Oeste, enquanto meus amigos me levavam para fora do teatro.
Uma ambulância
esperava na porta, e tão logo me trouxeram para fora, os paramédicos colocaram
uma máscara de oxigênio sobre meu nariz e boca, antes mesmo de me deitarem na
maca.
Recobrei os
sentidos antes que me colocassem na ambulância, e uma agente do FBI estava ao
meu lado.
_Quem é você? –
perguntei, ainda entorpecida pelo gás, minha voz abafada pela máscara de
oxigênio.
_Sou a Fada do
Sul – respondeu a policial. – Eu sei que é difícil dizer qualquer coisa agora,
mas eu preciso que faça um esforço e me diga do que você se lembra?
Respirei fundo
atrás da máscara e pisquei com força, organizando as palavras no pensamento.
_Eu tinha acabado
de me vestir – comecei –, e quando olhei no espelho, ela estava em pé atrás de
mim, com uma máscara de gás no rosto, e os vidros do camarim estavam fechados.
Eu não vi por onde ela saiu porque ela me deu uma coronhada e eu desmaiei.
_A Bruxa do
Oeste? – certificou-se a Fada do Sul.
_Acho que sim,
pois ela disse que eu ia morrer porque matei a irmã dela.
De repente
ouvimos uma gritaria no interior da casa de shows.
_Eu preciso me
apresentar – lembrei, livrando-me da máscara de oxigênio e me erguendo da maca.
_De jeito nenhum!
– protestou a Fada do Sul. – Você precisa ir para o hospital, respirou muito
gás...
_Eu me sinto bem
agora – insisti. – E não posso desapontar o meu público.
Os gritos soaram
ainda mais alto. Parecia que a multidão assistia a um grande show. O rádio da
Fada do Sul emitiu um apito.
_Você precisa ver
isso – disse a voz de um policial pelo rádio.
_O que está
acontecendo? – perguntou a Fada do Sul.
_Nós a pegamos –
disse a Fada do Norte pelo rádio. – Ou melhor... O Mágico a pegou!
Então todos –
inclusive eu, que me esquivei dos paramédicos – entramos na casa de shows.
Pendurada acima do palco, presa num emaranhado de cordas e cabos de aço, a
Bruxa do Oeste agitava-se para se libertar da fera vermelha, que na verdade não
era tão grande quanto pareceu refletida na nuvem do truque do Mágico.
_Era uma vez uma
Bruxa derrotada... – comemorei, de alma lavada.
_Ai meu Deus! –
Uma mulher gritou da multidão, olhando em direção aos meus amigos; mais
especificamente para Ernie, o Espantalho, que imediatamente ruborizou de
vergonha.
Ao contrário do
que pareceu à emissão do grito, a mulher não estava assustada. Cortou a
multidão o mais rápido que pôde e foi até ele. Assim que se chegou, começou a
apalpar o rosto dele e fitou ternamente os olhos dourados do rapaz, que tinham
o tom exato dos seus.
Todos a
reconhecemos imediatamente.
_Melanie Morris!
– exclamaram o Homem de Lata e Alexia em coro.
Ernie ficou
imóvel, fitando a mulher, que agora chorava, sem tirar os olhos dele.
_Eu te procurei
por toda parte – disse Melanie. – Todos esses anos...
_O quê?... – ele
começou a indagar, mas ela o interrompeu.
_Você é meu
filho, Ernest – revelou Melanie, sem hesitação.
Várias perguntas
passaram pela mente do rapaz, mas ele não conseguiu pronunciar nenhuma delas,
apenas se deixou ser envolvido pelo abraço de sua mãe.
_Mas a senhora
nunca me quis – sibilou ele, confuso com a atitude dela, muito diferente de
tudo o que ele havia imaginado.
_Por favor, não
diga isso, querido – implorou Melanie. – Eu sofri todos esses anos pelo que
aconteceu. Você não se lembra porque era muito pequeno. Quando você nasceu era
a criança mais linda deste mundo...
Ernie fez uma
careta de descrença.
_Não é exagero de
mãe – corrigiu Melanie, como se visse os pensamentos através dos olhos do
filho. – Você era lindo de verdade. Tinha uma doce pele de pêssego e os meus
olhos dourados... Mas um dia,
enquanto eu negociava meu próximo filme com o diretor, você foi levado do
carrinho.
Melanie fez uma
breve pausa para tomar fôlego e enxugar as lágrimas.
_Eu fiquei
desesperada – prosseguiu. – Foram muitos dias esperando pelo contato dos
sequestradores. Eu concordei em pagar o que eles me pediram para devolver você,
mas quando eu fiz o pagamento no lugar combinado, eles ligaram e disseram que
você estava morto. Eu sabia que era mentira... Eu sentia... A mãe sente o que
acontece ao seu filho.
“A polícia
prendeu um dos bandidos: uma mulher, no mesmo dia – prosseguiu Melanie –, e ela
confessou que eles tinham jogado você numa lixeira porque pensaram que você
tinha morrido quando caiu uma panela de água fervente no seu rosto. Eu fiquei
horrorizada! Ela disse que foi um acidente, que eles pretendiam devolver você
quando eu pagasse o resgate...
“Eu sofri todos
esses anos por não saber direito o que havia lhe acontecido. Ela disse onde
tinham te jogado, mas quando cheguei com a polícia, você não estava lá. Eu
pensei que tinha te perdido para sempre...”.
Ernie chorava de
emoção à medida que ela contava sua história, chorando também.
_Essas cicatrizes
no seu rosto comprovam que você é o meu filho, a criança que teve o rosto
queimado – continuou Melanie. – Mas não se preocupe. Eu vou te levar aos
melhores médicos e cirurgiões plásticos do mundo, e eles vão conseguir remover
estas marcas.
_Melanie... –
chamou uma mulher atrás da atriz.
Ela se afastou um
pouco, ainda segurando a mão do filho.
_Esta é sua tia
Tamara, minha irmã. Ela é cirurgiã.
Tamara se
aproximou e examinou superficialmente as cicatrizes no rosto de Ernest, sem se
abalar com sua figura.
_A boa notícia é
que eu posso remover estas cicatrizes – disse com um sorriso doce. – A má é que
depois disso você não vai aguentar o assédio das garotas, porque Brad Pitt vai
ter inveja da sua beleza!
Ernie deu um
risinho emocionado, os olhos cheios de lágrimas.
_Que bom que tudo
se resolveu no final – sibilei, quase chorando também. – E você, Alexia, venha
para o palco comigo. Esse gás me deixou tonta, então você vai dançar no meu
lugar, enquanto eu canto.
_Não senhora –
deteve-me Totó. – Você precisa ser examinada por um médico.
_Estou bem –
garanti. E me voltei para Alexia. – Você vem comigo.
A garota abraçou
brevemente o Homem de Lata, empolgada, mas ele parecia distante.
_O que você tem?
– perguntou.
_Eu me lembrei...
– murmurou ele, ainda com o pensamento distante. – Eu já estive aqui antes.
Todos nos
detivemos para ouvi-lo.
_Eu era assistente
do Mágico, junto com a minha irmã, Mona. Um dia nós nos apresentamos num circo
em Sacramento, e quando eu desmontava tudo para irmos embora, caí de uma altura
de mais de quinze metros, em cima de um trailer do circo. Acho que só deram por
mim horas ou dias depois, mas já estávamos muito longe. Minha irmã e o Mágico
não tinham seguido viagem com eles. O pessoal do circo somente me deixou em um
hospital em Los Angeles e seguiu para o Texas.
_Você é irmão da
assistente do Mágico? – espantou-se Alexia, animada.
_E filho do
Mágico! – completou o Homem de Lata.
_Que bacana! –
exclamou a namorada. – E você lembrou seu nome?
_Ramón –
comemorou ele, assentindo com um sorriso.
_Ramón! – Alexia
o abraçou empolgada.
_Por onde eles
foram? – perguntou Ramón, olhando para todos os lados, procurando na multidão.
_Você está bem? –
perguntou-me Penélope, chegando-se ao grupo, atrasada demais para ter ouvido as
novidades.
_Estou sim –
comecei a dizer.
_Você viu para
onde o Mágico foi? – perguntou o Homem de Lata, abordando Penélope, eufórico.
_Está desmontando
o truque para que o FBI possa levar a Bruxa do Oeste para a prisão – respondeu
a assessora.
_Obrigado – ele
deu um beijo na bochecha de Penélope e gritou para Alexia enquanto cortava a
multidão para ir encontrar sua família: – Te encontro mais tarde!
Totó segurou meu
braço e disse:
_Acho melhor você
ir para o hospital.
_É sério, estou
bem – garanti.
_Ele tem razão,
Dorothy – insistiu Penélope. – Vamos adiar o show para amanhã. Todo mundo vai
entender. Você ficou presa numa câmara de gás, correndo o risco de voar pelos
ares...
_Como assim, voar
pelos ares?... – indaguei, realmente surpresa. – Do que você está falando?
_Da bomba que
aquela Bruxa colocou no seu camarim.
_Nós já
averiguamos isso – disse a Fada do Sul, que passara os últimos minutos falando
com a Fada do Norte pelo rádio. – A bomba foi um blefe para não abrirem a porta
imediatamente. Fizeram bem em arrombá-la.
Lancei um sorriso
agradecido para Totó.
_Agora, será que
a senhora pode colocar um pouco de juízo na cabeça desta teimosinha? – disse
Totó à agente do FBI, me abraçando de lado. – Ela insiste em fazer o show,
mesmo depois de respirar todo aquele gás...
_Não – disse a
Fada do Sul. – É melhor você ir para o hospital, fazer alguns exames,
repousar... Seus fãs podem esperar até amanhã.
Depois de muita
insistência, finalmente concordei em adiar o show. E quando me apresentei no
dia seguinte, todos os meus amigos estavam lá. Alexia dançou como se já fizesse
parte do grupo há muito tempo. Ernie, o Espantalho viu o show do camarote,
acompanhado de Melanie, sua mãe, e Tamara, a cirurgiã que iria operá-lo em
poucos dias. Ramón, o Homem de Lata, também estava no camarote, ao lado de
Mona, sua irmã, seu pai o Mágico de Oz, e Doug Leão.
O show de Dorothy
Tornado no Teatro Oz foi o evento mais comentado da semana. Os críticos diziam
que aquele foi o verdadeiro show de mágica, com direito a captura de uma Bruxa
por duas Fadas bondosas. Algumas pessoas até disseram que, ao fim do show, um
tornado veio e me levou de volta para Nova York. Mas é lógico que não se pode
acreditar em tudo o que dizem. Afinal, isso é o show business!
Fim
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