Paralelo Mágico

em sexta-feira, 6 de julho de 2012






Irmãos Grimm X Beedle, o Bardo



Quando eu vi “O Conto dos Três Irmãos” no filme “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1”, tive a impressão de que este livro era bem mais infantil.
“Os Contos de Beedle, o Bardo” é uma versão mágica dos contos de fadas que todos conhecemos desde criança. Uma história curta, que se finaliza ensinando lições de bondade, generosidade e gratidão.
É provável que tenham sido inspirados em contos tradicionais dos Irmãos Grimm e outros contistas infantis, como observei.




O Bruxo e o Caldeirão Saltitante



A principal lição neste conto é a caridade. Fala de um bruxo egoísta que herdou do pai uma panela velha que o seguia por toda parte fazendo-o conhecer os males que atormentavam os moradores trouxas (creio que não é necessário explicar que esta é a forma como nos não-bruxos são chamados pelos bruxos criados por J.K. Rowling) do vilarejo, depois que ele se recusou a usar sua magia para ajudá-los, como seu pai fazia.
De acordo com os comentários de Dumbledore ao fim do conto, Beedle viveu numa época em que a discriminação aos trouxas por parte dos bruxos era demasiado mais poderosa do que nos dias de Harry Potter, pois os trouxas temiam e caçavam os bruxos.
Beedle parece ser um bruxo com instintos revolucionários, que tentou inspirar nas crianças bruxas o amor e o respeito aos trouxas, de modo que ambos os povos pudessem conviver em harmonia.
Imagino que a autora tenha se inspirado em “O Pote Mágico de Mingau”, dos Irmãos Grimm quando escreveu “O Bruxo e o Caldeirão Saltitante”.




Este conto é sobre uma criança que recebeu das fadas um pote que fazia um mingau delicioso, mas o pote caiu nas mãos de um homem ambicioso e mau, que fez o pote cozinhar cada vez mais mingau para que ele o vendesse, até que a cidade toda ficou inundada pelo mingau. Só quando ele o restituiu à criança, foi que o pote parou de cozinhar.
 


A Fonte da Sorte


Este conto é sobre três bruxas e um cavaleiro azarado trouxa que têm a oportunidade de chegar à fonte da sorte, onde apenas um poderá se banhar, e se livrar de seus males. A primeira bruxa quer se curar de uma enfermidade, a segunda livrar-se da pobreza, e a terceira curar seu coração partido. O cavaleiro, por sua vez, quer livrar-se do azar.
ATENÇÃO: O próximo parágrafo contém SPOILERS!
Após enfrentar três obstáculos e chegar à fonte, a segunda bruxa, que quer se livrar da pobreza, consegue curar a enfermidade da primeira com uma mistura de ervas, com a qual pode recuperar seu ouro, e a terceira bruxa livrou-se de todas as lembranças de seu antigo amor no riacho, último obstáculo para alcançar a fonte. Então as três decidem que é o cavaleiro quem deve se banhar na fonte, e após isso os quatro partem felizes, de posse de tudo o que desejaram, sem nunca saber nem suspeitar que a fonte não possuía encanto algum.
Eu vejo algumas semelhanças entre este conto e “O Mágico de Oz”.





Ambas as histórias relatam a jornada de quatro pessoas, cada uma com suas desventuras, esperando alcançar, por magia, a resolução de seus problemas, quando, na verdade, têm tudo o que precisam, e no final o mágico ou a fonte, apenas fazem com que se sugestionem e acreditem que tudo está resolvido.




O Coração Peludo do Mago



Este conto chega a ser quase uma história de terror. Um mago frio e indiferente se utilizou das artes das trevas para retirar o próprio coração de dentro do peito e trancá-lo numa caixa de cristal, esperando assim, se tornar imune ao amor, o que ele julgava uma fraqueza.
No entanto, ao perceber a necessidade – mais ao ego do que ao emocional – de ter uma esposa, o mago teve que revelar à sua escolhida o seu terrível segredo.
[SPOILERS] Ao ver o coração encolhido e peludo na caixa, a moça horrorizada, implora ao mago que o restitua ao seu lugar, porém isto acaba por se tornar a desgraça de ambos, pois o coração ficara tanto tempo trancado que se tornou selvagem como um animal e, dominando o mago, acabou por causar a morte de ambos – o mago e sua donzela. [FIM DOS SPOILERS]
Este conto se distancia dos outros e desqualifica a obra de Beedle como exclusivamente infantil.
Acredito que esta possa ser uma versão macabra de “A Bela e a Fera”, pois esta trata de um príncipe egoísta e orgulhoso que se recusa a ajudar uma velhinha em troca de uma rosa, e ela se revela uma poderosa feiticeira, que o transforma numa fera terrível.





A rosa que ela tentou lhe oferecer fica protegida dentro de uma cúpula de vidro ou cristal, e o feitiço só pode ser quebrado se, antes que caia a última pétala, ele conseguir que uma mulher se apaixone por ele, apesar de sua aparência monstruosa.





Babbitty, a Coelha e Seu Toco Gargalhante



Este conto fala sobre um rei trouxa que acredita que poderá se tornar um bruxo se tiver instruções de magia. O homem que o está ensinando, no entanto, é um charlatão trouxa, que viu na ignorância do rei uma oportunidade de enriquecer. Os problemas começam quando Babbitty, a lavadeira – esta sim, uma bruxa legítima – percebe que aquele homem está mentindo, e passa a fazer os feitiços no lugar do rei, sem que este soubesse.
Quando o capitão da Brigada de Caçadores de Bruxos pede que o rei use magia para ressuscitar um dos cães que havia morrido naquele dia, todos percebem que o rei não possui mágica alguma, pois Babbitty, sabendo que nenhum feitiço era capaz de ressuscitar os mortos, nem ao menos se esforçou para fazer algo a respeito.
Então o charlatão denuncia a bruxa, que é perseguida e se esconde num buraco debaixo de uma árvore, e mesmo depois que ela é cortada, continua gargalhando. Depois que todos vão embora, Babbitty sai de baixo do toco sob a forma de uma coelha.
Este é o único conto que eu não consegui associar a nenhum conto conhecido, ainda que o coelho falante me faça lembrar “Alice No País das Maravilhas”, mas não creio que tenha sido inspirado nela.





O fato é que uma história em que alguém realiza grandes proezas, enquanto algum oportunista leva toda a fama não é exatamente uma novidade.



O Conto dos Três Irmãos      



Este conto, creio, a maioria das pessoas conhece bem – alguns talvez, até de cor, visto que Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1, que traz o conto narrado por Hermione na casa de Xenófilo Lovegood, tem sido transmitido ao menos uma vez por semana nos canais HBO. Mas vamos ao resumo:
Três irmãos caminham por uma estrada deserta e tortuosa ao anoitecer, quando se deparam com um perigoso rio, e agitando suas varinhas, constroem uma ponte. Então a Morte finge recompensá-los por terem lhe escapado, concedendo a cada irmão o seu pedido: ao mais velho uma varinha invencível, ao segundo uma pedra capaz de ressuscitar os mortos, e ao terceiro e mais humilde, a própria Capa da Invisibilidade, para que ela não possa segui-lo.
Obviamente, aquele foi um artifício da Morte para levá-los em seguida. O primeiro irmão se gaba de ter uma varinha invencível, e acaba com a garganta cortada por um bruxo que a rouba no meio da noite. O segundo irmão se mata para se unir à moça a quem quis desposar antes de sua morte precoce, pois, embora ressuscitada pela pedra, continua triste e fria, porque não pertence mais ao mundo dos mortais.
Apenas o terceiro irmão tem uma vida longa, até, em idade avançada, despir a Capa da Invisibilidade e dá-la ao seu filho, acolhendo a morte como uma velha amiga e seguindo-a de bom grado.
Creio que J.K. Rowling tenha se inspirado em “A Água da Vida”, dos Irmãos Grimm para escrever este conto.



Neste, três irmãos querem salvar a vida do pai, que está muito doente, e um a um vão em busca da fonte da água da vida, para trazer um pouco para o seu pai.
O mais velho encontra um anão com vestes esfarrapadas no caminho, e lhe fala com arrogância, então o anão lhe roga uma praga, e ele acaba entalado entre barrancos. O mesmo sucede ao segundo, mas o terceiro fala com amabilidade ao anão, e este lhe indica o caminho para a fonte.
Depois de apanhar a água e libertar o povo do castelo de um feitiço que os mantinha num sono letárgico, o terceiro irmão se comprometeu a voltar dali a um ano e desposar a princesa.
De posse de uma espada e um saquinho de trigo inesgotável, ele ajuda um rei a vencer seus inimigos numa guerra e encontra novamente o anão, e lhe pede que liberte seus irmãos. O anão avisa que ele se arrependerá, mas faz o que ele pede. Então os irmãos roubam o frasco com a Água da Vida e o trocam por outro com água salgada, e acusam o irmão mais novo de tentar envenenar seu pai.
A mentira acaba sendo revelada quando o rei que foi ajudado pelo irmão mais novo lhe traz valiosos presentes como recompensa pela ajuda, mas o príncipe está longe.
Decorridos um ano, a princesa manda calçar a estrada com ouro e pedras preciosas, e dá ordens aos guardas para que, quando seu príncipe vier pela estrada o deixem entrar, mas qualquer outro que vier pelo lado da estrada seja expulso a chicotadas.
O irmão mais velho tenta se passar pelo irmão mais novo e vem pelo lado direito da estrada para não estragar o ouro, e é expulso a chicotadas. O segundo vem pelo lado esquerdo da estrada para não danificá-la e tem o mesmo destino. O terceiro vem pelo meio da estrada, sem perceber que ela foi calçada com ouro, e se casa com a princesa.
Então ela vai com ele ao reino de seu pai, onde ele denuncia a traição de seus irmãos, e o rei ordena que sejam castigados, mas eles fogem e são apanhados por uma tempestade que traga seu navio e eles perecem miseravelmente no mar.



Meus Comentários Sobre o Livro


Não é segredo para ninguém que sou apaixonada por histórias sobre magia, especialmente a saga Harry Potter. Quando comprei “Os contos de Beedle, o Bardo”, levada pela curiosidade atiçada pelo Conto dos Três Irmãos desde o livro “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, e depois mais atiçada ainda pelo filme, tinha uma ideia completamente diferente da obra.
O conto que mais me surpreendeu, num livro supostamente escrito para crianças – digo supostamente porque, assim como eu, muitos adultos apreciam a obra de J.K. Rowling, talvez mais ainda que os pequeninos –, foi “O Coração Peludo do Mago”.
Verdade é que algumas histórias que contamos para as crianças, originalmente, não eram tão bonitas ou infantis. Algumas tinham finais trágicos – como a Chapeuzinho Vermelho, que no final do conto original é devorada pelo lobo, e A Bela Adormecida, que acordou grávida do príncipe, que não era tão cortês quanto na versão dos Irmãos Grimm.
O Coração Peludo do Mago” preserva o conteúdo original da maioria dos contos infantis, e pode ser meio chocante para quem esperava encontrar um tradicional final feliz.
Pessoalmente, gosto mais quando os contos terminam assim, de forma trágica ou misteriosa, com aquele ar de quem põe reticências em lugar de um ponto final, porque ninguém espera por isso. Para as crianças, porém, é melhor contar o final feliz. Afinal, elas terão a vida inteira para descobrir que isso nem sempre vai acontecer, mas pelo menos terão esperança.
Definitivamente valeu a pena conhecer as histórias de Beedle. Espero que a autora se empolgue e decida escrever outros volumes com novos contos. De minha parte, tem uma fã cativa!

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