Por Talita Vasconcelos
Quarentena, Dia 15
Sabe qual é o
cúmulo da falta do que fazer? Sentar na varanda às onze horas da noite para
ouvir o barraco que está rolando no prédio da frente. Não entendi o motivo da
treta, mas o circo está pegando fogo. Fiz até pipoca.
Quarentena, Dia 16
Acredita nisso? O
motivo do barraco da noite passada foi um balão estourado na comemoração do
aniversário de sete anos do filho de um dos envolvidos no rolo. O vizinho
assustou com o barulho, e fez aquele escarcéu.
Pelo visto, a quarentena está deixando todo mundo maluco.
Quarentena, Dia 17
Considerando que
o fim da quarentena está previsto para Deus Sabe Quando, decidimos que o
espetáculo não pode parar. Se não dá para levar as pessoas ao teatro, o Grupo
Máscaras vai levar o teatro até as pessoas. Selecionamos alguns dos nossos
roteiros cômicos, e decidimos filmar, cada um da sua casa, juntar tudo e postar
no Youtube. Vamos ver no que dá.
Quarentena, Dia 18
Pandemia também é
um teste para os relacionamentos. Sobretudo para aqueles que estão começando.
Eu estava começando a sair com um carinha que parecia legal. Aí veio o
isolamento social, e a gente colocou o flerte no stand-by. Depois de muitas trocas de mensagens, áudios e chamadas
de vídeo recheadas de abobrinhas, estou pensando em dar um chute virtual na
bunda do meu namorado.
Quarentena, Dia 19
Pode me chamar de
maluca! Mas a verdade é que eu estou genuinamente preocupada com a Dona
Lourdes. Faz exatamente dezenove dias, onze horas e trinta e quatro minutos que
nós não temos nenhum arranca-rabo. Nenhum! Zero. E isso está me deixando com
uma sensação de vazio. Sei lá, parece que o dia não foi devidamente aproveitado
se eu não perturbar a síndica, nem que seja um pouquinho. Mas já pensei em como
resolver esse problema: vou levar um pedaço do bolo que eu fiz para ela.
Aproveito e faço uma algazarra no corredor, só para levar a bronca cotidiana.
Recuperar um pouco da normalidade da vida.
Quarentena, Dia 20
Estou virando
especialista na arte de esterilizar as embalagens que chegam do supermercado.
Até o Piripaque anda trançando as pernas, de tanto cheirar álcool 70% pela
casa.
Quarentena, Dia 21
Cada um se vira
como pode...
Este é um boletim
do tempo, sobre os outros personagens que povoam essa minha vida agitada. O que
estão fazendo? Como estão se virando nessa quarentena?
A Cristiana ainda
tem seu emprego de meio período na Padaria Teodora – graças aos céus, os pães
doces que ela faz já viciaram meio mundo nesse bairro, garantindo praticamente
emprego vitalício à minha amiga.
Meu vizinho, o
Serginho Ranja Tudo transformou o
apartamento dele numa espécie de mercadinho, para garantir uns trocados durante
a quarentena.
A Bibi, minha outra
vizinha, voltou a fazer marmitas para vender. Como ela já tinha uma boa
clientela antes da pandemia, vai dar para segurar a barra, ao menos, das contas
principais.
A Valentina,
tadinha, trabalha numa loja que aluga vestidos de noiva. Sem poder fazer festa,
metade das reservas foram canceladas – principalmente os vestidos das
madrinhas. Resultado: a loja fechou, e ela está sem salário no momento. A
solução que ela arranjou para não ficar totalmente na pindaíba durante a
quarentena foi montar um mini Pet Shop dentro do apartamento, focado
principalmente em banho e tosa. Não sei se está rendendo o suficiente para
manter as contas em ordem, mas, como se diz é melhor pingar do que secar.
O Pedrão, que
trabalha num estúdio musical, foi um dos poucos que não ficou sem serviço. A
diferença é que ele está trabalhando mais na mixagem de obras já gravadas do
que em novas gravações.
O Leandro, nas
horas vagas, é publicitário, e este setor não chegou a parar. Só que agora ele
está em home office.
Surpreendentemente,
quem menos sofreu impactos na vida profissional foi a Vick. Ela é juíza de paz,
e, mesmo sem poder fazer festa, aparentemente, o povo não deixou de casar por
causa da pandemia. Só não estão se preocupando em alugar vestidos ou recrutar
madrinhas, pelo visto.
O Ivan é
cabeleireiro, mas com o salão fechado, botou um cartaz oferecendo serviços de
marido de aluguel na portaria do prédio. Supostamente, encanamentos furados
parecem ser mais fáceis de arrumar que os cabelos de certas peruas. Dependendo
do valor ele ainda dá um tapa no visual da cliente. Tudo a domicílio.
E agora que
mencionei isso, não imaginava que ele entendesse alguma coisa de reparos
domésticos...
De todos nós,
quem sofreu mais perdas foi o Vicente, que agora encontra-se mais sem-teto do
que nunca. Ele dormia escondido no casarão onde funciona o Teatro Máscaras, mas
com o lugar trancado, o Otávio aproveitou para fazer algumas reformas;
resultado: o Vicente não teve onde se esconder. Precisou deixar o local. Acabou
virando hóspede da Vick, até que as coisas voltem ao normal ou ele arranje
outro lugar para ficar.
Quanto a mim,
estou pensando seriamente em fazer Uber para completar o orçamento, mas tenho a
impressão de que um Fusca pintado como joaninha não vai impor muito respeito na
praça.
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