Por Talita Vasconcelos
Quarentena, Dia 36
Sabe aquela noite
em que você não encontra nada apetecível para fazer? (A coisa está tão fora do
normal na vida da gente, que eu achei um uso para a palavra apetecível... Nem sei quando foi a
última vez que usei essa). Hoje é essa noite. Nem a TV serviu para distrair.
Acabamos a noite, quatro mulheres na mesa da cozinha (Cristiana, Bibi, Paloma e
eu), jogando Stop.
Stop!
Eu não jogava
esse trem desde a oitava série!
Mas até que foi
divertido. Teve até uma cena curiosa com a letra M.
Michelle, Marrom,
Margarida, Martelo, Melancia... Chegamos ao “minha
sogra é”, e todo mundo sabe o que vem por aí, né?
– Mal educada –
respondi, pensando na gracinha da mãe
do Marcelo, meu último namorado firme.
– Muquirana –
respondeu Bibi.
– Miserável –
essa foi a Paloma, e eu nem sei se ela tem alguma sogra para se inspirar.
– Maravilhosa.
Nessa hora,
Cristiana nos deixou mudas. Trocamos olhares assombrados por um instante, e em
seguida aplaudimos.
– Todo mundo
esculhambando a sogra, a pessoa me saca um maravilhosa
– elogiou Bibi. – Essa pessoa tem Jesus no coração.
– Ou não está
tomando direito o Gardenal.
E com essa minha
observação, o momento foi-se.
Não que a minha
amiga não tivesse razão. A mãe do Pedrão realmente é a exceção no quesito
sogra.
Quarentena, Dia 37
Juro que eu
tentei, mas aturar um elemento mala, cobrando carência pelo Whats App todo
santo dia, e tentando me convencer de que a pandemia é exagero da mídia, depois
que três pessoas já morreram de Covid no meu prédio, e que quer por que quer ir
para a farra num momento desses é demais pra minha cabeça. Acabei de colocar
nosso namoro em quarentena. Pelo bem da minha sanidade mental.
Quarentena, Dia 38
Lá se foi nosso
último roteiro pronto para o Café Com Banana. Daqui para frente, é cada um por
si.
Para manter o
padrão do canal, ficou combinado que cada um faria um vídeo com no máximo
quarenta segundos, de tema livre, e não necessariamente precisaria ter conexão
uns com os outros. Tipo um vaudeville,
aquele gênero de espetáculo de rua americano – também conhecido como teatro de
variedades –, onde artistas de diversos gêneros faziam apresentações
individuais, sem relação entre si, podendo misturar no mesmo espetáculo teatro,
palhaços, acrobatas, malabaristas, mágicos, comediantes, dançarinos, cantores, etc.
Era mais ou menos como um circo, só que a apresentação poderia ser realizada em
qualquer lugar. Até numa praça.
Ou seja, a partir
daqui, cada um usará sua imaginação, para produzir algo divertido e
extremamente curto.
O jeito é rezar,
como a Vick – no que será parte do esquete dela para o próximo vídeo:
“Salve São Youtube dos Artistas Desesperados!
Multiplicai o sinal da banda larga, e a live nossa de cada dia não nos faltará. Amém”.
Quarentena, Dia 39
Meu pai acaba de
descobrir o Skype. Socorro!
Quarentena, Dia 40
Tive uma grande
ideia para o meu primeiro vídeo individual, e eis aqui o roteiro:
INTERIOR DO
APARTAMENTO, DIA.
Euzinha aqui,
usando uma camisola que foi da avó da Cristiana, com um roupão de banho por
cima, um penteado “chiquérrimo”, vulgarmente conhecido como ninho de passarinho – sabe quando você
tenta prender o cabelo, erra o nó do elástico, prende uma parte e deixa a outra
solta, aí passa um tornado e te descabela inteira? Tipo a Anna de Frozen,
acordando descabelada no dia da coroação.
Uma imagem
descreve mais do que mil palavras.
Então, com aquele
figurino e esse penteado, sem maquiagem, esta pessoa aqui pega uma vassoura,
aumenta o som do rádio – no último volume, que assim eu aproveito para me
vingar do vizinho de cima, o Seu Wilson, que adora botar uma sofrência para
berrar às seis da tarde –, e sai varrendo e dançando pelo apartamento. Nesse
varre e nesse dança com a vassoura, vai poeira para um lado, tupperware pro
outro, o mancebo da Cristiana leva uma rasteira, a cadeira da cozinha vai parar
no corredor... Até o Piripaque foi varrido para dentro do cesto de roupa suja
virado na lavanderia. Tudo isso ao som de um “clássico” da música brasileira:
“♪♪ Diz aonde você
vai que eu vou varrendo... ♪♪”
Tudo isso sem me
dar conta da bagunça que vou deixando pelo caminho. Pelo menos até varrer um
tênis, acertá-lo no rádio, e desligá-lo na hora.
E aí? Será que
vai ficar divertido?
A cena acima foi
inspirada numa cena hilária que eu presenciei hoje de manhã, com a minha
vizinha da frente, Dona Horrores – também conhecida como a porca do 71 –, que deu a louca de recolher a bagunça do apartamento
com a vassoura debaixo do braço, tacando a dita cuja em tudo o que via pela
frente. Quer dizer, em tudo o que não via
no caminho dela.
Esse tipo de
coisa acontece com certa frequência no apartamento aí da frente. Principalmente
quando ela não toma o remédio direito.
Quarentena, Dia 41
Já passou um dia
do prazo de quarentena. Daqui para frente temos que mudar o nome. Vou chamar de
Vida em off.
Quarentena, Dia 42
Já que o meu
trabalho está parado, acabei de aceitar um trampo temporário: organizar a
contabilidade do meu pai. Com a pandemia, a firma dele está indo de vento em
popa, mais do que de costume. Ele é dono de uma agência funerária, então, essa
prosperidade, na verdade, é trágica. Mas vai tirar meu pé da lama, e evitar que
eu fique em isolamento social na rua da amargura.
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