Quarentena, Dia 43
Nunca pensei que
qualquer ser humano algum dia diria isso, mas: “graças a Deus, minha mãe não
mora mais em Nova York!” Os números da pandemia por lá, não param de subir.
Quarentena, Dia 44
Os supermercados
definitivamente estão se aproveitando da crise para subir os preços. Aliás,
subir só, não: decolar! Subiram tanto que acabaram de sair da Via Láctea! A
cebola está mais cara que o petróleo; está mais barato comprar diamante que
fruta; e a carne está tão proibitiva que acho que vou ter que comprar uma
espingarda e sair caçando por aí. Uma passagem aérea para algum lugar com floresta,
com bichos, está saindo mais em conta que o quilo do acém!
Voar, voar, ok; mas
se subir, subir demais o preço, eu vou ter que levar sem pagar, mesmo. Tipo:
acredita que eu esqueci de tirar esse corte de carne caríssimo do meu carrinho
antes de sair do mercado sem passar pelo caixa... Mas foi sem querer querendo, tá...
Quarentena, Dia 45
A Catarina teve dois
filhotinhos. Own...
Quarentena, Dia 46
Ideia para o meu
próximo vídeo para o Café Com Banana: Telemarketing não é serviço essencial!
Pare de me oferecer esse plano, que eu já disse um milhão de vezes que eu NÃO
quero!
Inspirado numa
discussão que eu tive hoje com a moça da operadora de celular que continua
insistindo para eu aceitar um plano bem mais caro que o meu. E justamente numa
época em que estamos vendendo o almoço para comprar a janta!
Isso nem é
novidade – a insistência da operadora, quero dizer. Desde antes da quarentena
eu já estava estressada com isso, porque eles ligam todos os dias, exatamente
às 09:16 da manhã – sério! Posso acertar o relógio pela ligação deles –, para
oferecer sempre o mesmo plano. Já perdi a conta de quantas vezes eu já disse
que não estou interessada. Eu sei que a culpa não é dos operadores de
telemarketing em si, mas do sistema que continua colocando meu número de volta
na lista de ligações do dia, mesmo assim, é irritante. Eu não sei se a equipe
de marketing formulou essa estratégia, de ligar setecentas vezes para o mesmo
número para oferecer a mesma promoção de propósito para ver se consegue vencer
o povo pelo cansaço, ou se eles são simplesmente retardados mentais, mesmo.
Mas enfim...
Em homenagem a
esses profissionais da fossa do inferno, decidimos, Cristiana e eu, juntar
nosso minuto e vinte segundos num único esquete, para interpretar a operadora e
a cliente dessa encheção de saco diária.
Nosso roteiro
ficou assim:
INTERIOR. MEU
QUARTO. DIA. FOCALIZAMOS O RELÓGIO DE PAREDE ÀS 09:16. TELEFONE TOCA.
– Alô?
CRISTIANA COM UM
HEADPHONE (emprestado pelo Serginho) DIANTE DE UM COMPUTADOR.
– Bom dia, eu
gostaria de falar com a Sra. Clara Sampaio.
– Sou eu mesma.
– Oi, Sra. Clara.
Aqui é Camila da central de relacionamento da TelePorre (o nome foi sugestão da Cristiana), tudo bem? A senhora já conhece
o nosso plano “fale mais, pelo dobro do preço”?
– Eu...
A operadora interrompe antes que a cliente
possa dizer alguma coisa:
– Com esse plano
a senhora poderá falar o dobro do seu plano atual, mandar o dobro de mensagens
e usar o dobro de internet, pagando apenas o dobro do preço. A senhora está
interessada?
– Não.
– Mas com esse
plano a senhora também tem direito a ligações ilimitadas para qualquer
operadora das três às cinco da manhã, e acesso gratuito às redes sociais.
– Não estou
interessada.
– E se a senhora
aderir ao nosso plano agora, eu consigo um desconto exclusivo. A mensalidade
vai cair de R$ 89,99 para R$ 89,98!
– Não, moça, eu
não quero mudar meu plano.
– E se a
senhora...
– Não! Olha só,
eu estou atrasada, mas não quero esse plano, não, ok? Bom dia.
Desligo.
INTERIOR. MEU
QUARTO. DIA SEGUINTE. FOCALIZAMOS O RELÓGIO DE PAREDE ÀS 09:16. TELEFONE TOCA.
– Alô?
CRISTIANA COM UM
HEADPHONE DIANTE DE UM COMPUTADOR, COM UMA BLUSA E PENTEADO DIFERENTES.
– Bom dia, eu
gostaria de falar com a Sra. Clara Sampaio.
– Sou eu mesma.
– Oi, Sra. Clara.
Aqui é Patrícia da central de relacionamento da TelePorre, tudo bem? A senhora
já conhece o nosso plano “fale mais, pelo dobro do preço”?
– Já, mas...
A operadora novamente interrompe a cliente:
– Com esse plano
a senhora poderá falar o dobro do seu plano atual, mandar o dobro de mensagens
e usar o dobro de internet, pagando apenas o dobro do preço. A senhora está
interessada?
– Como eu disse
para a sua colega ontem, eu não...
De novo, a cliente é interrompida:
– Mas com esse
plano a senhora também tem direito a ligações ilimitadas para qualquer
operadora das três às cinco da manhã, e acesso gratuito às redes sociais.
– Já disse que
não estou interessada!
– E se a senhora
aderir ao nosso plano agora, eu consigo um desconto exclusivo. A mensalidade
vai cair de R$ 89,99 para R$ 89,98!
– Não, obrigada!
E tenha um bom dia.
Desligo.
INTERIOR. MEU
QUARTO. DIA SEGUINTE. FOCALIZAMOS O RELÓGIO DE PAREDE ÀS 09:16. TELEFONE TOCA.
– Alô?
CRISTIANA COM UM HEADPHONE
DIANTE DE UM COMPUTADOR, COM BLUSA E PENTEADO DIFERENTES E DE ÓCULOS.
– Bom dia, eu
gostaria de falar com a Sra. Clara Sampaio.
– Sou eu mesma.
– Oi, Sra. Clara.
Aqui é Fernanda da central de relacionamento da TelePorre, tudo bem? A senhora
já conhece o nosso plano “fale mais, pelo dobro do preço”?
– Já, sim...
A operadora interrompe a cliente:
– Com esse plano
a senhora poderá falar o dobro do seu plano atual, mandar o dobro de mensagens
e usar o dobro de internet, pagando apenas o dobro do preço. A senhora está
interessada?
– Já disse que
não quero!
– Mas com esse
plano a senhora também tem direito a ligações ilimitadas para qualquer
operadora das três às cinco da manhã, e acesso gratuito às redes sociais.
– Querida, qual é a parte do não que ninguém nessa operadora consegue
entender?
– E se a senhora
aderir ao nosso plano agora, eu consigo um desconto exclusivo. A mensalidade
vai cair de R$ 89,99 para R$ 89,98!
– Uau! Que descontão! Mas ainda é NÃO! E passar
bem.
Desligo.
INTERIOR. MEU
QUARTO. DIA SEGUINTE. FOCALIZAMOS O RELÓGIO DE PAREDE ÀS 09:16. TELEFONE TOCA.
– Alô?
CRISTIANA COM UM HEADPHONE
DIANTE DE UM COMPUTADOR, COM BLUSA, PENTEADO E ÓCULOS DIFERENTES.
– Bom dia, eu
gostaria de falar com a Sra. Clara Sampaio.
– Sou eu mesma.
– Oi, Sra. Clara.
Aqui é Gabriela da central de relacionamento da TelePorre, tudo bem? A senhora
já conhece o nosso plano “fale mais, pelo dobro do preço”?
Dessa vez, a cliente respira fundo. E começa a
falar ao mesmo tempo que a operadora:
– Com esse plano
a senhora poderá falar o dobro do seu plano atual, mandar o dobro de mensagens
e usar o dobro de internet, pagando apenas o dobro do preço. A senhora está
interessada?
A cliente fala com bastante ênfase:
– NÃO!
E continuam falando ao mesmo tempo:
– Mas com esse
plano a senhora também tem direito a ligações ilimitadas para qualquer
operadora das três às cinco da manhã, e acesso gratuito às redes sociais.
– De novo: NÃO!
E seguem falando juntas:
– E se a senhora
aderir ao nosso plano agora, eu consigo um desconto exclusivo. A mensalidade
vai cair de R$ 89,99 para...
Subitamente, a operadora se cala, finalmente
se dando conta de que a cliente está falando seu texto junto com ela.
– R$ 89,98! – completa a cliente. E emenda: – Isso é
só para você ter uma ideia de quantas vezes vocês já me ligaram para oferecer o
mesmo plano. Quantas vezes vocês ainda pretendem continuar com isso? Até eu me
irritar? Porque foi só isso que vocês conseguiram! Não tem outro cliente para
encher, não?
A operadora hesita um instante, e depois
finaliza:
– A TelePorre
agradece sua atenção. Tenha um bom dia.
Quarentena, Dia 47
Seja lá quem for
o vizinho que encomendou a pizza de frango com catupiry esta noite, tenho duas
notícias: a boa é que ela estava uma delícia. A má é que foi entregue no número
errado. Mas como o pagamento é na entrega, fica por isso mesmo.
Quarentena, Dia 48
Criança
desocupada, oficina do capeta! Hoje eu me peguei numa treta com a folgada da
Dona Célia do quinto andar. A mocreia passa o dia inteiro caçando fofoca pelo
condomínio, e larga o filho de oito anos solto pelas áreas públicas. Até aí,
pouca novidade; metade das mães de crianças encapetadas que eu conheço faz
isso. Mas hoje o garoto estava mais atentado que de costume. Só nos dez minutos
em que eu estive descarregando as compras da Dona Jurema do meu carrinho de
feira, esse moleque tocou quatro vezes a campainha da vizinha dela, chamou
cinco vezes o elevador, quase jogou a Dona Odette escada abaixo... E acredita
que o diabinho deu um tapa na minha bunda?
Quem me conhece
sabe que eu adoro criança... Assada com batatas. Então é óbvio que eu o
repreendi com toda delicadeza do mundo. Eu me virei, esperei ele passar perto
de mim de novo – correndo, para variar –, e delicadamente
agarrei aquele cabelo ensebado, e felizmente, meio comprido do desgraçado, com
bastante força, e sentei-lhe um tapão bem no meio da fuça.
Não passou dois
minutos. Mal eu tive tempo para desinfetar minha mão com álcool gel – afinal,
não tenho como saber por onde aquele pestinha andou passeando em plena pandemia
–, veio a mãe do moleque virada no Jiraya, cobrar explicações porque o garoto
foi com o nariz sangrando contar que eu bati nele.
E quem disse que
ela calava a boca para me deixar falar? Deu vontade de bater nela também.
Para resumir a
treta, como ela não fechava a matraca, dei duas borrifadas de álcool na goela
dela, para conseguir um intervalo para contar que o safado sem vergonha – que
conta a pancada, mas não conta a arte que fez –, deu um tapa na minha bunda. E
nessa altura, como em circunstâncias normais o povo larga tudo para ver um
barraco, e em quarentena, sem ter o que fazer, os curiosos se multiplicam mais
que mosquito em água parada, já tinha umas quatro pessoas no hall para
engrossar a lista de reclamações com os incidentes que eu já comentei lá em
cima, e provar que o garoto não é santinho.
Teve um vizinho,
cujo nome não me lembro agora, que sugeriu trancar o moleque numa jaula, para
dar sossego pra vizinhança.
– Vou trancar o
senhor, para deixar de se meter na vida dos outros! – respondeu a mãe do
garoto, como se estivesse coberta de razão.
– Trancar ele e a
senhora também! Não sabe educar, fecha as pernas! Botar criança no mundo é
fácil, qualquer cadela faz; educar que é bom...
E daí em diante a
coisa foi ladeira abaixo! Quando dei por mim, era tanta gente gritando ao mesmo
tempo, fechando o círculo em torno da mulher, que eu tive medo que ela fosse
ser linchada ali, no meio do hall.
– Ah, mas mãe é
assim mesmo – disse Bibi, mais tarde, enquanto enxugava a louça que eu ia
lavando. – Defende a cria por pior que seja.
– Se passasse
mais tempo educando, teria menos necessidade de defender – comentei.
– É por isso que
se diz que filho é que nem pum – disse Bibi. – Cada um só aguenta o seu.
– É, mas
dependendo do pum, nem o dono aguenta – observou Cristiana.
Ao que
acrescentei:
– E dependendo do
filho, é mais fácil aguentar o pum.
Como era o caso.
Quarentena, Dia 49
Falando em pum...
Se o futum que a gente tem sentido no corredor estiver mesmo vindo do
apartamento da Dona Horrores, tem gente morta lá dentro. Porque não é possível
que dois seres humanos consigam viver numa carniça dessas. Vou até interfonar
para o porteiro. E deixar o número da funerária do meu pai, porque né...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita!
E já que chegou até aqui, deixe um comentário ♥
Se tiver um blog, deixe o link para que eu possa retribuir a visita.