Quarentena Faz Coisa - Sétima Semana – Mas Paciência Tem Limite...

em segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Por Talita Vasconcelos

Quarentena, Dia 43

Nunca pensei que qualquer ser humano algum dia diria isso, mas: “graças a Deus, minha mãe não mora mais em Nova York!” Os números da pandemia por lá, não param de subir.

Quarentena, Dia 44

Os supermercados definitivamente estão se aproveitando da crise para subir os preços. Aliás, subir só, não: decolar! Subiram tanto que acabaram de sair da Via Láctea! A cebola está mais cara que o petróleo; está mais barato comprar diamante que fruta; e a carne está tão proibitiva que acho que vou ter que comprar uma espingarda e sair caçando por aí. Uma passagem aérea para algum lugar com floresta, com bichos, está saindo mais em conta que o quilo do acém!

Voar, voar, ok; mas se subir, subir demais o preço, eu vou ter que levar sem pagar, mesmo. Tipo: acredita que eu esqueci de tirar esse corte de carne caríssimo do meu carrinho antes de sair do mercado sem passar pelo caixa... Mas foi sem querer querendo, ...

Quarentena, Dia 45

A Catarina teve dois filhotinhos. Own...

Quarentena, Dia 46

Ideia para o meu próximo vídeo para o Café Com Banana: Telemarketing não é serviço essencial! Pare de me oferecer esse plano, que eu já disse um milhão de vezes que eu NÃO quero!

Inspirado numa discussão que eu tive hoje com a moça da operadora de celular que continua insistindo para eu aceitar um plano bem mais caro que o meu. E justamente numa época em que estamos vendendo o almoço para comprar a janta!

Isso nem é novidade – a insistência da operadora, quero dizer. Desde antes da quarentena eu já estava estressada com isso, porque eles ligam todos os dias, exatamente às 09:16 da manhã – sério! Posso acertar o relógio pela ligação deles –, para oferecer sempre o mesmo plano. Já perdi a conta de quantas vezes eu já disse que não estou interessada. Eu sei que a culpa não é dos operadores de telemarketing em si, mas do sistema que continua colocando meu número de volta na lista de ligações do dia, mesmo assim, é irritante. Eu não sei se a equipe de marketing formulou essa estratégia, de ligar setecentas vezes para o mesmo número para oferecer a mesma promoção de propósito para ver se consegue vencer o povo pelo cansaço, ou se eles são simplesmente retardados mentais, mesmo.

Mas enfim...

Em homenagem a esses profissionais da fossa do inferno, decidimos, Cristiana e eu, juntar nosso minuto e vinte segundos num único esquete, para interpretar a operadora e a cliente dessa encheção de saco diária.

Nosso roteiro ficou assim:

INTERIOR. MEU QUARTO. DIA. FOCALIZAMOS O RELÓGIO DE PAREDE ÀS 09:16. TELEFONE TOCA.

– Alô?

CRISTIANA COM UM HEADPHONE (emprestado pelo Serginho) DIANTE DE UM COMPUTADOR.

– Bom dia, eu gostaria de falar com a Sra. Clara Sampaio.

– Sou eu mesma.

– Oi, Sra. Clara. Aqui é Camila da central de relacionamento da TelePorre (o nome foi sugestão da Cristiana), tudo bem? A senhora já conhece o nosso plano “fale mais, pelo dobro do preço”?

– Eu...

A operadora interrompe antes que a cliente possa dizer alguma coisa:

– Com esse plano a senhora poderá falar o dobro do seu plano atual, mandar o dobro de mensagens e usar o dobro de internet, pagando apenas o dobro do preço. A senhora está interessada?

– Não.

– Mas com esse plano a senhora também tem direito a ligações ilimitadas para qualquer operadora das três às cinco da manhã, e acesso gratuito às redes sociais.

– Não estou interessada.

– E se a senhora aderir ao nosso plano agora, eu consigo um desconto exclusivo. A mensalidade vai cair de R$ 89,99 para R$ 89,98!

– Não, moça, eu não quero mudar meu plano.

– E se a senhora...

– Não! Olha só, eu estou atrasada, mas não quero esse plano, não, ok? Bom dia.

Desligo.

INTERIOR. MEU QUARTO. DIA SEGUINTE. FOCALIZAMOS O RELÓGIO DE PAREDE ÀS 09:16. TELEFONE TOCA.

– Alô?

CRISTIANA COM UM HEADPHONE DIANTE DE UM COMPUTADOR, COM UMA BLUSA E PENTEADO DIFERENTES.

– Bom dia, eu gostaria de falar com a Sra. Clara Sampaio.

– Sou eu mesma.

– Oi, Sra. Clara. Aqui é Patrícia da central de relacionamento da TelePorre, tudo bem? A senhora já conhece o nosso plano “fale mais, pelo dobro do preço”?

– Já, mas...

A operadora novamente interrompe a cliente:

– Com esse plano a senhora poderá falar o dobro do seu plano atual, mandar o dobro de mensagens e usar o dobro de internet, pagando apenas o dobro do preço. A senhora está interessada?

– Como eu disse para a sua colega ontem, eu não...

De novo, a cliente é interrompida:

– Mas com esse plano a senhora também tem direito a ligações ilimitadas para qualquer operadora das três às cinco da manhã, e acesso gratuito às redes sociais.

– Já disse que não estou interessada!

– E se a senhora aderir ao nosso plano agora, eu consigo um desconto exclusivo. A mensalidade vai cair de R$ 89,99 para R$ 89,98!

– Não, obrigada! E tenha um bom dia.

Desligo.

INTERIOR. MEU QUARTO. DIA SEGUINTE. FOCALIZAMOS O RELÓGIO DE PAREDE ÀS 09:16. TELEFONE TOCA.

– Alô?

CRISTIANA COM UM HEADPHONE DIANTE DE UM COMPUTADOR, COM BLUSA E PENTEADO DIFERENTES E DE ÓCULOS.

– Bom dia, eu gostaria de falar com a Sra. Clara Sampaio.

– Sou eu mesma.

– Oi, Sra. Clara. Aqui é Fernanda da central de relacionamento da TelePorre, tudo bem? A senhora já conhece o nosso plano “fale mais, pelo dobro do preço”?

– Já, sim...

A operadora interrompe a cliente:

– Com esse plano a senhora poderá falar o dobro do seu plano atual, mandar o dobro de mensagens e usar o dobro de internet, pagando apenas o dobro do preço. A senhora está interessada?

– Já disse que não quero!

– Mas com esse plano a senhora também tem direito a ligações ilimitadas para qualquer operadora das três às cinco da manhã, e acesso gratuito às redes sociais.

Querida, qual é a parte do não que ninguém nessa operadora consegue entender?

– E se a senhora aderir ao nosso plano agora, eu consigo um desconto exclusivo. A mensalidade vai cair de R$ 89,99 para R$ 89,98!

– Uau! Que descontão! Mas ainda é NÃO! E passar bem.

Desligo.

INTERIOR. MEU QUARTO. DIA SEGUINTE. FOCALIZAMOS O RELÓGIO DE PAREDE ÀS 09:16. TELEFONE TOCA.

– Alô?

CRISTIANA COM UM HEADPHONE DIANTE DE UM COMPUTADOR, COM BLUSA, PENTEADO E ÓCULOS DIFERENTES.

– Bom dia, eu gostaria de falar com a Sra. Clara Sampaio.

– Sou eu mesma.

– Oi, Sra. Clara. Aqui é Gabriela da central de relacionamento da TelePorre, tudo bem? A senhora já conhece o nosso plano “fale mais, pelo dobro do preço”?

Dessa vez, a cliente respira fundo. E começa a falar ao mesmo tempo que a operadora:

– Com esse plano a senhora poderá falar o dobro do seu plano atual, mandar o dobro de mensagens e usar o dobro de internet, pagando apenas o dobro do preço. A senhora está interessada?

A cliente fala com bastante ênfase:

– NÃO!

E continuam falando ao mesmo tempo:

– Mas com esse plano a senhora também tem direito a ligações ilimitadas para qualquer operadora das três às cinco da manhã, e acesso gratuito às redes sociais.

– De novo: NÃO!

E seguem falando juntas:

– E se a senhora aderir ao nosso plano agora, eu consigo um desconto exclusivo. A mensalidade vai cair de R$ 89,99 para...

Subitamente, a operadora se cala, finalmente se dando conta de que a cliente está falando seu texto junto com ela.

– R$ 89,98! – completa a cliente. E emenda: – Isso é só para você ter uma ideia de quantas vezes vocês já me ligaram para oferecer o mesmo plano. Quantas vezes vocês ainda pretendem continuar com isso? Até eu me irritar? Porque foi só isso que vocês conseguiram! Não tem outro cliente para encher, não?

A operadora hesita um instante, e depois finaliza:

– A TelePorre agradece sua atenção. Tenha um bom dia.

Quarentena, Dia 47

Seja lá quem for o vizinho que encomendou a pizza de frango com catupiry esta noite, tenho duas notícias: a boa é que ela estava uma delícia. A má é que foi entregue no número errado. Mas como o pagamento é na entrega, fica por isso mesmo.

Quarentena, Dia 48

Criança desocupada, oficina do capeta! Hoje eu me peguei numa treta com a folgada da Dona Célia do quinto andar. A mocreia passa o dia inteiro caçando fofoca pelo condomínio, e larga o filho de oito anos solto pelas áreas públicas. Até aí, pouca novidade; metade das mães de crianças encapetadas que eu conheço faz isso. Mas hoje o garoto estava mais atentado que de costume. Só nos dez minutos em que eu estive descarregando as compras da Dona Jurema do meu carrinho de feira, esse moleque tocou quatro vezes a campainha da vizinha dela, chamou cinco vezes o elevador, quase jogou a Dona Odette escada abaixo... E acredita que o diabinho deu um tapa na minha bunda?

Quem me conhece sabe que eu adoro criança... Assada com batatas. Então é óbvio que eu o repreendi com toda delicadeza do mundo. Eu me virei, esperei ele passar perto de mim de novo – correndo, para variar –, e delicadamente agarrei aquele cabelo ensebado, e felizmente, meio comprido do desgraçado, com bastante força, e sentei-lhe um tapão bem no meio da fuça.

Não passou dois minutos. Mal eu tive tempo para desinfetar minha mão com álcool gel – afinal, não tenho como saber por onde aquele pestinha andou passeando em plena pandemia –, veio a mãe do moleque virada no Jiraya, cobrar explicações porque o garoto foi com o nariz sangrando contar que eu bati nele.

E quem disse que ela calava a boca para me deixar falar? Deu vontade de bater nela também.

Para resumir a treta, como ela não fechava a matraca, dei duas borrifadas de álcool na goela dela, para conseguir um intervalo para contar que o safado sem vergonha – que conta a pancada, mas não conta a arte que fez –, deu um tapa na minha bunda. E nessa altura, como em circunstâncias normais o povo larga tudo para ver um barraco, e em quarentena, sem ter o que fazer, os curiosos se multiplicam mais que mosquito em água parada, já tinha umas quatro pessoas no hall para engrossar a lista de reclamações com os incidentes que eu já comentei lá em cima, e provar que o garoto não é santinho.

Teve um vizinho, cujo nome não me lembro agora, que sugeriu trancar o moleque numa jaula, para dar sossego pra vizinhança.

– Vou trancar o senhor, para deixar de se meter na vida dos outros! – respondeu a mãe do garoto, como se estivesse coberta de razão.

– Trancar ele e a senhora também! Não sabe educar, fecha as pernas! Botar criança no mundo é fácil, qualquer cadela faz; educar que é bom...

E daí em diante a coisa foi ladeira abaixo! Quando dei por mim, era tanta gente gritando ao mesmo tempo, fechando o círculo em torno da mulher, que eu tive medo que ela fosse ser linchada ali, no meio do hall.

– Ah, mas mãe é assim mesmo – disse Bibi, mais tarde, enquanto enxugava a louça que eu ia lavando. – Defende a cria por pior que seja.

– Se passasse mais tempo educando, teria menos necessidade de defender – comentei.

– É por isso que se diz que filho é que nem pum – disse Bibi. – Cada um só aguenta o seu.

– É, mas dependendo do pum, nem o dono aguenta – observou Cristiana.

Ao que acrescentei:

– E dependendo do filho, é mais fácil aguentar o pum.

Como era o caso.

Quarentena, Dia 49

Falando em pum... Se o futum que a gente tem sentido no corredor estiver mesmo vindo do apartamento da Dona Horrores, tem gente morta lá dentro. Porque não é possível que dois seres humanos consigam viver numa carniça dessas. Vou até interfonar para o porteiro. E deixar o número da funerária do meu pai, porque né...


[Continua...] 


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