O
tradicional mês do Halloween aqui no blog, mais uma vez, se inicia com ele, o
grande Mestre do Horror: Edgar Allan Poe!
Em
outras oportunidades, eu resenhei aqui seu conto O Coração Delator, e o poema O Corvo – provavelmente a obra-prima do escritor. E desta vez, falarei de um de seus
contos mais assombrosos. Eu os convido a conhecer a inexorável câmara de
tortura dos condenados à morte pela Inquisição, e penetrar a mente perturbada
de um homem que jaz em agonia, esperando para descobrir quando e como será
executado.
Macabro,
não acham? Pois é... Mas somente Edgar Allan Poe era capaz de prender a atenção
do leitor numa trama tão funesta, a ponto de, mesmo com horror, não conseguir
abandonar a história até que chegasse ao ponto final.
O
Poço e o Pêndulo é narrado em primeira pessoa, pelo homem que foi condenado à
morte pela Inquisição, em Toledo, Espanha. Ele acorda de repente no escuro,
numa câmara que ele não consegue dimensionar, e sem saber exatamente o que
esperar, temendo a princípio, que tenha sido sepultado vivo. A única coisa que
ele consegue descobrir naquele lugar tenebroso, na escuridão, é a borda de um
poço, e deduz que uma das intenções dos inquisidores era justamente que se
atirasse ou acidentalmente caísse nele, e como um covarde, abreviasse o sofrimento
que logo viria. O protagonista, no entanto, não opta por esta saída. Mas então,
como para ampliar ainda mais seus temores, ele é dopado e amarrado a uma
armação de madeira, e só algum tempo depois ele percebe, muitos metros acima
dele, o movimento monótono de um pêndulo, em cuja ponta há uma lâmina afiada, balançando
e descendo muito lentamente em sua direção.
Numa
trama de intensa e horrível tortura psicológica, Edgar Allan Poe nos faz
conhecer a insuportável agonia de um homem que, sabendo que não há como escapar
da morte, tenta se agarrar o máximo que pode à vida, adiando o quanto for
possível o inevitável fim, descobrindo que seus executores pensaram, para cada
tortura vencida, numa maneira ainda mais cruel e abominável de matá-lo. Com um
clímax emocionante!
E
a assinatura de um dos maiores escritores do século XIX.
O POÇO E O
PÊNDULO
(Edgar Allan
Poe)
Impia tortorum longas hic turba furores
Sanguinis innocui,
non satiata, aluit,
Sospite nuic patria, fracto nunc funeris antro,
Mors ubi dira fuit
vita salusque patent.
(Quadra composta para os portões de um mercado a ser levantado
no lugar do
Clube dos Jacobinos, em Paris)
EU ESTAVA EXTENUADO, extenuado até a morte, por aquela longa
agonia. E quando eles, afinal, me desacorrentaram e me foi permitido sentar,
senti que ia perdendo os sentidos. A sentença, a terrível sentença de morte,
foi a última frase distintamente acentuada que me chegou aos ouvidos. Depois disto,
o som das vozes dos inquisidores pareceu mergulhar num zumbido fantástico e
vago. Trazia-me a alma a ideia de rotação, talvez por se associar, na
imaginação, com a mó de uma roda de moinho. Mas isto durou apenas pouco tempo,
pois logo nada mais ouvi. Contudo, durante algum tempo, eu via. . . porém com
que terrível exagero! Eu via os lábios dos juízes vestidos de preto. Pareciam-me
brancos, mais brancos do que as folhas de papel sobre as quais estou traçando estas
palavras, e grotescamente delgados; mais delgados ainda pela intensidade de
sua expressão de firmeza, de imutável resolução, de desprezo pela dor humana.
Eu via os decretos do que, para mim, representava o Destino saírem ainda
daqueles lábios. Via-os torcerem-se, com uma frase letal. Via-os articularem as
sílabas do meu nome, e estremecia por não ouvir nenhum som em seguida.
Via, também, durante alguns minutos de delirante horror, a
ondulação leve e quase imperceptível dos tecidos negros que cobriam as paredes
da sala. E, depois, meu olhar caiu sobre as sete grandes tochas em cima da
mesa. A princípio, elas tomaram o aspecto da Caridade e pareciam anjos brancos
e esbeltos que me deviam salvar; mas depois, repentinamente, inundou-me o
espírito uma náusea mais mortal e senti todas as fibras de meu corpo vibrarem
como se eu tivesse tocado o fio de uma pilha galvânica, enquanto os vultos
angélicos se tornavam espectros insignificantes como cabeças de chama, e via
bem que deles não teria socorro. E, então, introduziu-se em minha imaginação, como
rica nota musical, a do tranquilo repouso que deveria haver na sepultura. Essa ideia
chegou doce e furtivamente, e parece ter-se passado muito tempo até que pudesse
ser completamente percebida. Mas, no momento mesmo em que o meu espírito
começava, enfim, a sentir propriamente e a acarinhar essa ideia, os vultos dos
juízes desapareceram, como por mágica, de minha frente; as altas tochas se
foram reduzindo a nada; suas chamas se extinguiram por completo; o negror das
trevas sobreveio. Todas as sensações pareceram dar um louco e precipitado
mergulho, como se a alma se afundasse no Hades. E o universo não foi mais do
que noite, silêncio e imobilidade.
Eu tinha desmaiado. No entanto, não direi que havia perdido
por completo a consciência. Não tentarei definir o que dela ainda permanecia,
nem mesmo procurarei descrevê-lo. Todavia, nem tudo estava perdido. No sono
mais profundo... não! No meio do delírio… não!. No desmaio... não! Na morte...
não! Nem mesmo no túmulo tudo está perdido! De outra forma, não haveria
imortalidade para o homem. Ao despertar do mais profundo sono, quebramos a teia
delgada de algum sonho. Entretanto, um segundo depois, por mais fraca que tenha
sido essa teia, não nos lembramos de ter sonhado. No voltar de um desmaio à
vida, há duas fases: a primeira é o sentimento da existência mental ou espiritual;
a segunda é o sentimento da existência física. Parece provável que, se, ao atingir
a segunda fase, pudéssemos evocar as impressões da primeira, poderíamos encontrá-las
ricas em recordações do abismo transposto. E esse abismo... que é? Como, pelo
menos, distinguiremos suas sombras das sombras do túmulo?
Mas, se as impressões daquilo que denominei a primeira fase
não são reevocadas à vontade, depois de longo intervalo não aparecem elas
espontaneamente, enquanto indagamos, maravilhados, donde poderiam ter vindo?
Aquele que nunca desmaiou é quem não descobre palácios estranhos e rostos estranhamente familiares em brasas ardentes; é quem não percebe a flutuar, no
meio do espaço, as tristes visões que a maioria não pode distinguir; é quem não
medita sobre o perfume de alguma flor desconhecida; é quem não tem o cérebro
perturbado pelo mistério de alguma melodia que, até então, jamais lhe detivera
a atenção.
Entre as frequentes e intensas tentativas de recordar, entre
as lutas encarniçadas para recolher alguns vestígios daquele estado de aparente
aniquilamento no qual a minha alma havia mergulhado, momentos houve em que eu
sonhava em ser bem sucedido: houve períodos breves, bastante breves, em que
evoquei recordações que a lúcida razão de uma época posterior me assegura
relacionarem-se apenas, àquela condição de aparente inconsciência. Essas
sombras de memória falam, indistintamente, de altas figuras que arrebatavam e
carregavam em silêncio, para baixo. . . para baixo. . cada vez mais para baixo…
até que uma horrível vertigem me oprimiu à simples ideia daquela descida sem fim.
Falam-me, também. de um vago horror no coração, por causa
mesmo daquele sossego sobrenatural do coração. Depois, sobrevém uma sensação de
súbita imobilidade em todas as coisas, como se aqueles que me transportavam
(cortejo espectral) houvessem ultrapassado, na sua descida, os limites do
ilimitado e se houvessem detido, vencidos pelo extremo cansaço da tarefa.
Depois disso, reevoco a monotonia e a umidade, e depois tudo é loucura - a
loucura de uma memória que se agita entre coisas repelentes. Bem de súbito
voltaram à minha alma o movimento e o som: O tumultuoso movimento do coração e,
aos meus ouvidos, o rumor de suas pancadas. Depois, uma pausa em que tudo desaparece.
Depois, novamente o som, o movimento e o tato - uma sensação
formigante invadindo-me o corpo. Depois, a simples consciência da existência,
sem pensamento, situação que durou muito tempo. Depois, bem de repente, o
pensamento, um terror arrepiante, e um esforço ardente de compreender meu
verdadeiro estado. Depois, um forte desejo de recair na insensibilidade.
Depois, uma precipitada ressurreição da alma e um esforço bem sucedido de
mover-me. E agora, a plena lembrança do processo, dos juízes, dos panos negros,
da sentença, do mal-estar, do desmaio. Por fim, inteiro esquecimento de tudo
que se seguiu, de tudo que um dia mais tarde e acurados esforços me habilitaram
a vagamente recordar.
Até aqui, não tinha aberto os olhos. Sentia que estava deitado
de costas, desamarrado. Estendi a mão e ela caiu, pesadamente, sobre algo úmido
e duro. Deixei que ela ficasse alguns minutos, enquanto me esforçava por
adivinhar onde poderia estar e o que me acontecera. Desejava ardentemente, mas
não o ousava, servir-me dos olhos.
Receava o primeiro olhar para os objetos que me cercavam. Não
que eu temesse olhar para coisas horríveis, mas porque ia ficando aterrorizado,
temendo que nada houvesse para ver. Por fim, com selvagem desespero no coração,
abri rapidamente os olhos. Meus piores pensamentos foram, então, confirmados.
Cercava-me o negror da noite eterna. Fiz um esforço para respirar. A espessa
escuridão parecia oprimir-me e sufocar-me. A atmosfera estava intoleravelmente
confinada. Conservei-me ainda calmamente deitado, fazendo esforços para
exercitar minha razão. Recordei os processos inquisitoriais e tentei, a partir
deste ponto, deduzir minha verdadeira posição. A sentença fora pronunciada e me
parecia que bem longo intervalo de tempo havia, desde então, decorrido.
Contudo, nem por um instante supus que estivesse realmente morto. Tal suposição
a despeito do que lemos em romances, é completamente incompatível com a
existência real. Mas, onde estava eu e em que situação me encontrava? Sabia que
os condenados à morte pereciam, ordinariamente, em autos de fé, e se realizara
um destes na mesma noite do dia do meu julgamento. Tinha eu sido reenviado para
o meu calabouço à espera da próxima execução, que só se realizaria daí a muitos
meses? Vi logo que não podia ser isto. As vítimas haviam sido requisitadas
imediatamente. Além disso, meu cárcere, como todas as celas dos condenados em
Toledo, tinha soalhos de pedra e a luz não era inteiramente excluída.
Uma terrível ideia lançou-me, de súbito, o sangue em torrentes
ao coração e, durante breve tempo, mais uma vez recaí no meu estado de
insensibilidade. Voltando a mim, pus-me de pé num salto, tremendo
convulsivamente em todas as fibras. Estendi desordenadamente os braços acima e
em torno de mim, em todas as direções. Não sentia nada. No entanto, temia dar
um passo, no receio de embater-me com as paredes de um túmulo. Transpirava por
todos os poros e o suor se detinha, em grossas e frias bagas, na minha fronte.
A agonia da incerteza tornou-se, afinal, intolerável e, com cautela, movi-me para
diante, com os braços estendidos. Meus olhos como que saltavam das órbitas, na esperança
de apanhar algum débil raio de luz. Dei vários passos, mas tudo era ainda escuridão
e vácuo. Respirei mais livremente. Parecia evidente que minha sorte não era, pelo
menos, a mais horrenda.
E então, como continuasse ainda a caminhar, cautelosamente
para diante, vieram-me, em tropel, à memória, mil vagos boatos a respeito dos
horrores de Toledo. Narravam-se estranhas coisas dos calabouços, que eu sempre
considerara como fábula, coisas, no entanto, estranhas e demasiado espantosas
para serem repetidas, a não ser num sussurro. Ter-me-iam deixado para morrer de
fome no mundo subterrâneo das trevas? Ou que sorte, talvez mesmo mais terrível,
me esperava? Conhecia muito bem o caráter de meus juízes para duvidar de que o
resultado seria a morte, e morte de insólita acritude. O modo e a hora eram
tudo o que me ocupava e me perturbava.
Minhas mãos estendidas encontraram, afinal, um sólido
obstáculo. Era uma parede, que parecia construída de pedras, muito lisa,
viscosa e fria. Fui acompanhando-a, caminhando com toda a cuidadosa
desconfiança que certas narrativas antigas me haviam inspirado. Este processo,
porém, não me proporcionava meios de verificar as dimensões de minha prisão,
pois eu podia fazer-lhe o percurso e voltar ao ponto donde partira sem dar por
isso, tão perfeitamente uniforme parecia a parede. Por isso é que procurei a
faca que estava em meu bolso quando me levaram à sala inquisitorial, mas não a
encontrei. Haviam trocado minhas roupas por uma camisola de sarja grosseira.
Pensara em enfiar a lâmina em alguma pequena fenda da parede, de modo a
identificar meu ponto de partida. A dificuldade, não obstante, era apenas
trivial, embora na desordem de minha mente parecesse a princípio insuperável.
Rasguei uma parte do debrum da roupa e coloquei o fragmento bem estendido em um
ângulo reto com a parede. Tateando meu caminho em prisão, não podia deixar de
encontrar aquele trapo, ao completar o circuito. Assim, pelo menos, pensava eu,
mas não tinha contado com a extensão da masmorra ou com minha própria fraqueza.
O chão estava úmido e escorregadio. Caminhava cambaleante para frente, durante
algum tempo, quando tropecei e caí. Minha excessiva fadiga induziu-me a permanecer
deitado e logo o sonho se apoderou de mim naquele estado.
Ao despertar e estender um braço achei, a meu lado, um pão e
uma bilha de água. Estava demasiado exausto para refletir naquela
circunstância, mas comi e bebi com avidez. Logo depois recomecei minha volta em
torno da prisão e com bastante trabalho cheguei afinal, ao pedaço de sarja. Até
o momento em que caí, havia contado cinquenta e dois passos, e ao retomar meu
caminho, contara quarenta e oito mais, até chegar ao trapo. Havia, pois, ao
todo, uns cem passos, e admitindo dois passos para uma jarda, presumi que o calabouço
teria umas cinquenta jardas de circuito. Encontrara, porém, muitos ângulos na parede
e, desse modo, não me era possível conjeturar qual fosse a forma do sepulcro,
pois sepulcro não podia deixar eu de supor que era.
Não tinha grande interesse - nem certamente esperança -
naquelas pesquisas mas uma vaga curiosidade me impelia a continuá-las. Deixando
a parede, resolvi atravessar a área do recinto. A princípio procedi com extrema
cautela, pois o chão, embora parecesse de material sólido, era traiçoeiro e
lodoso. Afinal, porém, tomei coragem e não hesitei em caminhar com firmeza,
tentando atravessar em linha tão reta quanto possível. Havia avançado uns dez
passos ou doze passos desta maneira, quando o resto do debrum rasgado de minha
roupa se enroscou em minhas pernas. Pisei nele e caí violentamente de bruços.
Na confusão que se seguiu à minha queda não apreendi uma
circunstância um tanto surpreendente, que, contudo, poucos segundos depois, e
enquanto jazia ainda prostrado, reteve minha atenção. Era o seguinte: meu
queixo pousava sobre o chão da prisão, mas meus lábios e a parte superior de
minha cabeça, embora parecesse em menor elevação que o queixo, nada tocavam. Ao
mesmo tempo, minha testa parecia banhada dum vapor viscoso, e o cheiro
característico de fungos podres subiu-me às narinas. Estendi o braço e descobri
que havia caído à beira dum poço circular cuja extensão sem dúvida, não tinha meios
de medir no momento.
Tateando a alvenaria justamente abaixo da borda, consegui
deslocar um pequeno fragmento e deixei-o cair dentro do abismo e durante muitos
segundos prestei ouvidos a suas repercussões ao bater de encontro aos lados da
abertura, em sua queda. Por fim, ouvi um lúgubre mergulho na água, seguido de
ruidosos ecos. No mesmo instante ouviu-se um som semelhante ao duma porta tão
depressa aberta quão rapidamente fechada, acima de minha cabeça, enquanto um
fraco clarão luzia, de repente, em meio da escuridão e com a mesma rapidez
desaparecia.
Vi claramente o destino que me fora preparado e me congratulei
com o acidente oportuno que me salvara. Um passo a mais antes de minha queda e
o mundo não mais me veria. E a morte justamente evitada, era daquela mesma
natureza que olhara como fabulosa e absurda nas estórias a respeito da
Inquisição. Para as vítimas de sua tirania havia a escolha da morte: com suas
mais cruéis agonias físicas, ou da morte com suas mais abomináveis torturas
morais. Tinham reservado para mim esta última- O longo sofrimento havia
relaxado meus nervos, a ponto de fazer-me tremer ao som de minha própria voz e
me tornara, a todos os aspectos, material excelente para as espécies de tortura
que me aguardavam.
Com os membros todos trêmulos, arrepiei caminho, tateando até
a parede, resolvido a perecer antes que arriscar-me aos terrores dos poços, que
minha imaginação agora admitia que fossem muitos, espalhados em todas as
direções, no calabouço. Em outras condições de pensamento, poderia ter tido a
coragem de dar fim imediato às minhas desgraças deixando-me cair dentro de um
daqueles abismos. Mas, então, era eu o mais completo dos covardes. Nem podia
tão pouco, esquecer o que lera a respeito daqueles poços: que a súbita extinção
da vida não estava incluída nos mais horrendos planos dos inquisidores.
A agitação do espírito conservou-me desperto por muitas horas,
mas, afinal, mergulhei de novo no sono. Ao despertar, encontrei ao meu lado,
como antes, um pão e uma bilha de água. Sede ardente me devorava e esvaziei a
vasilha dum trago. Deveria estar com droga, porque, logo depois de beber, fui
tomado dum torpor irresistível. Um sono profundo se apoderou de mim - sono
semelhante ao da morte. Quanto tempo durou isso, não me é possível dizê-lo,
mas, quando, uma vez mais, descerrei os olhos, os objetos que me cercavam
estavam visíveis.
Graças a uma luz viva e sulfúrea, cuja origem não pude a
princípio determinar, consegui verificar a extensão e o aspecto da prisão. Tinha-me
enganado grandemente a respeito de seu tamanho. Todo o circuito de suas paredes
não excedia de vinte e cinco jardas. Durante alguns minutos, este fato
causou-me um mundo de inútil perturbação, inútil, de fato, porquanto que coisas
havia de menor importância. Nas terríveis circunstâncias que me cercavam, por
que me preocupavam as simples dimensões de minha masmorra? Mas minha alma
interessava-se, com ardor, por bagatelas, e ocupei-me em tentar explicar o erro
que havia cometido nas minhas medidas. A verdade, afinal, jorrou luminosa. Na minha
primeira tentativa do exploração havia eu contado cinquenta e dois passos até o
momento em que cai. Deveria achar-me, então. à distância dum passo ou dois do
pedaço da sarja. De fato, havia quase realizado o circuito da cava. Foi então
que adormeci e, ao acordar, devo ter refeito o mesmo caminho, supondo assim,
que a volta da prisão era quase o duplo do que é na realidade. Minha confusão
do espírito impediu-me de observar que começara minha volta com a parede à
esquerda e a acabara com a parede da direita.
Enganara-me, também, a respeito da forma do recinto. Ao tatear
meu caminho descobrira muitos ângulos e daí deduzi a ideia de grande
irregularidade. Tão poderoso é o efeito da escuridão absoluta sobre alguém que
desperta do letargo ou do sono! Os ângulos eram apenas os de umas poucas e
ligeiras depressões ou nichos a intervalos desiguais. A prisão era, em geral,
quadrada. O que eu tinha tomado por alvenaria parecia, agora, ser ferro ou
algum outro metal, em imensas chapas, cujas suturas ou juntas causavam aquelas
depressões.
Toda a superfície daquele recinto metálico estava
grosseiramente brochada com os horríveis e repulsivos emblemas a que a
superstição sepulcral dos monges tem dado origem. Figuras de demônios, em
atitudes ameaçadoras, com formas de esqueletos e outras imagens mais
realisticamente apavorantes, se espalhavam por todas as paredes, manchando-as.
Observei que os contornos daqueles monstros eram todos bem recortados, mas que
as cores pareciam desbotadas e borradas por efeito, talvez, da atmosfera úmida.
Notei, então, que o chão era de pedra. No centro, escancarava-se o poço
circular de cujas fauces havia eu escapado; mas era o único que se achava no calabouço.
Vi tudo isto indistintamente e com bastante esforço, pois
minha condição física tinha grandemente mudado durante meu sono. Encontrara-me
agora de costas e bem estirado, numa espécie de armação de madeira muito baixa.
Estava firmemente amarrado a ela por uma comprida correia semelhante a um loro.
Enrolava-se em várias voltas em torno de meus membros e de meu corpo, deixando
livres apenas a cabeça e o braço esquerdo, até o ponto de apenas poder com
excessivo esforço, suprir-me de comida em um prato de barro que jazia a meu
lado no chão. Vi, com grande horror, que a bilha de água tinha sido retirada.
Digo com grande horror porque intolerável sede me abrasava.
Parecia ser intenção de meus perseguidores exacerbar essa sede, pois a comida
do prato era uma carne enormemente temperada.
Olhando para cima examinei o forro de minha prisão. Tinha uns
nove ou doze metros de altura e era do mesmo material das paredes laterais. Em
um de seus painéis uma figura bastante estranha absorveu- me toda a atenção.
Era um retrato do Tempo, tal como é comumente representado, exceto que, em
lugar duma foice, segurava ele aquilo que, ao primeiro olhar, supus ser o
desenho dum imenso pêndulo, dos que vemos nos relógios antigos. Havia algo,
porém, na aparência daquela máquina que me fez olhá-la mais atentamente.
Enquanto olhava diretamente para ela, lá em cima (pois se achava bem por cima
de mim), pareceu-me que se movia. Um instante depois vi isso confirmado. Seu balanço
era curto e sem dúvida vagaroso. Estive a observá-lo alguns minutos, mais maravilhado
que mesmo amedrontado. Cansado, afinal, de examinar seu monótono movimento,
voltei os olhos para os outros objetos que se achavam na cela.
Leve rumor atraiu-me a atenção e, olhando para o chão, vi
vários ratos enormes que por ali andavam. Haviam saído do poço que se achava
bem à vista à minha direita. No mesmo instante, enquanto os observava, subiram
aos bandos, apressados, com olhos vorazes, atraídos pelo cheiro da carne.
Era-me preciso muito esforço e atenção para afugentá-los.
Talvez se houvesse passado uma meia hora, ou mesmo, uma hora -
pois só podia medir o tempo imperfeitamente -, quando ergui de novo os olhos
para o forro. O que vi, então, encheu-me de confusão e de espanto. O balanço do
pêndulo tinha aumentado em quase uma jarda de extensão. Como consequência
natural, sua velocidade era, também, muito maior. Mas o que me perturbou,
principalmente, foi a ideia de que ele havia perceptivelmente descido.
Observava agora - com que horror é desnecessário dizer - que sua extremidade inferior
era formada por um crescente de aço cintilante, tendo cerca de trinta
centímetros de comprimento, de ponta a ponta; as pontas voltavam-se para cima e
a borda de baixo era evidentemente afiada como a folha de uma navalha. Como uma
navalha, também, parecia pesado e maciço, estendendo-se para cima, a partir do
corte, uma sólida e larga configuração. Estava ajustado a uma pesada haste de
bronze e o conjunto assobiava ao balançar-se no ar.
Não pude duvidar, por mais tempo, da sorte para mim preparada
pela engenhosidade monacal em torturas. Minha descoberta do poço fora conhecida
dos agentes da Inquisição - o poço cujos horrores tinham sido destinados para
um rebelde tão audacioso como eu - o poço, figura do inferno, e considerado,
pela opinião pública como a última Tule de todos os seus castigos! Pelo mais
fortuitos dos incidentes, tinha eu evitado a queda dentro do poço e sabia a
surpresa e armadilha da tortura formava parte importante de todo o fantástico
daquelas mortes em masmorras. Não tendo caído deixava de fazer parte do plano
demoníaco atirar-me no abismo e dessa forma, não havendo alternativa, uma
execução mais benigna e diferente me aguardava. Mais benigna! Quase sorri na
minha angústia, quando pensei no uso de tal termo.
De que serve falar das longas, das infindáveis horas de horror
mais que mortal, durante as quais contei as precipitadas oscilações da lâmina?
Polegada a polegada, linha a linha, com uma decida somente apreciável a intervalos
que pareciam séculos... descia sempre, cada vez mais baixo, cada vez mais
baixo!
Dias se passaram - pode ser que se tenham passado muitos dias
- até que ele se balançasse tão perto de mim que me abanasse com seu sopro
acre. O odor da lâmina afiada entrava-me pelas narinas. Roguei aos céus,
fatiguei-os com as minhas preces, para que mais rápida a lâmina descesse.
Tornei-me freneticamente louco e tentei erguer-me contra o balanço da
terrível cimitarra. Mas depois acalmei-me de repente e fiquei a sorrir para
aquela morte como uma criança diante de algum brinquedo raro.
Houve outro intervalo de completa insensibilidade. Foi curto
pois voltando de novo à vida, não notei descida perceptível no pêndulo. Mas
pode ter sido longo, pois eu sabia que havia demônios que tomavam nota de meu
desmaio e que podiam, à vontade, ter detido a oscilação. Voltando a mim,
sentia-me também bastante doente e fraco - oh! de maneira inexprimível - como
em consequência de longa inanição. Mesmo em meio das angústias daquele período.
A natureza humana implorava alimento. Com penoso esforço estendi o braço
esquerdo o mais longe que os laços permitiam, e apoderei-me do pequeno resto
que me tinha sido deixado pelos ratos.
Ao colocar um pedaço de alimento na boca, atravessou-me
imprecisa ideia de alegria... de esperança. Todavia, que havia de comum entre
mim e a esperança? Era, como eu disse, uma ideia imprecisa, dessas muitas que
todos têm e que nunca se completam. Senti que era de alegria... de esperança,
essa ideia; mas também senti que perecera ao formar-se. Em vão eu lutava para
aperfeiçoá-la, para recuperá-la. O prolongado sofrimento quase aniquilara todas
as minhas faculdades comuns de pensamento. Eu era um imbecil, um idiota.
A oscilação do pêndulo fazia-se em ângulos retos com meu
comprimento. Vi que o crescente estava disposto para cruzar a região de meu
coração. Desgastaria a sarja de minha roupa… voltaria e repetiria suas
operações... de novo... ainda outra vez. Não obstante sua oscilação,
terrivelmente larga ( de nove metros ou mais ) e a força sibilante de sua
descida, suficiente para cortar até mesmo aquelas paredes de ferro, o corte de minha
roupa seria tudo durante alguns minutos ele faria.
Ao pensar nisto, fiz uma pausa. Não ousava passar dessa reflexão.
Demorei-me nela com uma atenção pertinaz, como se assim fazendo pudesse deter
ali a descida da lâmina. Obriguei-me a meditar sobre o som que o crescente
produziria ao passar através de minha roupa e na característica e arrepiante
sensação que a fricção do pano produz sobre os nervos. Meditava em todas estas
bagatelas, até me doerem os dentes.
Mais baixo... cada vez mais baixo, ele descia. Senti um
frenético prazer em comparar sua velocidade de alto a baixo com sua velocidade
lateral. Para a direita... para a esquerda... para lá e para cá, com o guincho
de um espírito danado... para o meu coração, com o passo furtivo do tigre! Eu
ora ria, ora urrava, à medida que uma ou outra ideia se tornava predominante.
Para baixo... seguramente, inexoravelmente para baixo!
Oscilava a três polegadas de meu peito! Debatia-me violentamente, furiosamente
para libertar meu braço esquerdo, que só estava livre do cotovelo até a mão.
Podia apenas levar a mão à boca, desde o prato que estava ao meu lado, com
grande esforço, e nada mais. Se tivesse podido quebrar os liames acima do
cotovelo, teria agarrado e tentado deter o pêndulo. Seria o mesmo que tentar
deter uma avalanche!
Para baixo... incessantemente para baixo, inevitavelmente para
baixo! Eu ofegava e debatia-me a cada oscilação. Encolhia-me convulsivamente a
cada balanço. Meus olhos acompanhavam seus vaivéns, para cima e para baixo, com
a avidez do mais insensato desespero; meus olhos se fechavam, espasmodicamente,
no momento da descida, embora a morte viesse a ser para mim um alívio, e, oh!
Que inexprimível alívio!
Entretanto, todos os meus nervos tremiam ao pensar que bastava
uma simples decaída da máquina para precipitar aquele machado agudo e
cintilante sobre meu peito. Era a esperança, que fazia assim tremerem os meus
nervos, que assim me espalhavam calafrios por todo o corpo. Era a esperança, a
esperança que triunfa, mesmo sobre o cavalete de tortura, a esperança que
sussurra aos ouvidos do condenado à morte, até mesmo nas masmorras da Inquisição!
Vi que cerca de dez ou doze oscilações poriam a lâmina em contato com minhas
roupas, e a essa observação, subitamente, me veio ao espírito toda a aguda e condensada
calma do desespero. Pela primeira vez, durante muitas horas - ou mesmo dias -,
pensei.
Ocorreu-me então que a correia ou loro que me cingia era uma
só. Não estava amarrado por cordas separadas. O primeiro atrito da crescente
navalha, com qualquer porção da correia, a cortaria, de modo que eu poderia
depois desamarrar-me com a mão esquerda. Mas quão terrível era, nesse caso, a
proximidade da lâmina. Quão mortal seria o resultado do mais leve movimento!
Seria verossímil, aliás, que os esbirros do inquisidor não tivessem previsto e
prevenido essa possibilidade? Seria provável que a correia cruzasse o meu
percurso do pêndulo? Receando ver frustrada minha fraca, e ao que parecia,
última esperança, elevei a cabeça o bastante para conseguir ver distintamente o
meu peito. O loro cingia meus membros, e meu corpo em todas as direções, exceto
no caminho do crescente assassino.
Mal deixara cair a cabeça na sua posição primitiva, reluziu em
meu espírito algo que eu não saberia melhor definir senão como a metade informe
daquela ideia de libertação, a que já aludi, anteriormente e da qual apenas uma
metade flutuava, de modo vago, meu cérebro, ao levar a comida aos meus lábios
abrasados. A ideia inteira estava agora presente - fraca, apenas razoável,
apenas definida, mas mesmo assim inteira. Pus-me imediatamente a tentar
executá-la com a nervosa energia do desespero.
Durante muitas horas, a vizinhança imediata da baixa armação
de madeira sobre a qual eu jazia estivera literalmente fervilhando de ratos.
Eram ferozes, audaciosos, vorazes. Seus olhos vermelhos chispavam sobre mim
como se esperassem apenas uma parada de movimentos de minha parte para fazer de
mim sua presa. “A que espécie de alimento - pensei eu - estão eles acostumados
neste poço?".
A despeito de todos os meus esforços para impedi-los, tinham devorado
tudo, exceto um restinho do conteúdo do prato. Minha mão contraíra um hábito de
vaivém ou de balanço, em torno do prato, e, afinal, a uniformidade inconsciente
do movimento privou-o de seu efeito. Na sua voracidade, a bicharia frequentemente
ferrava as agudas presas nos meus dedos. Com as migalhas da carne gordurosa, e
temperada que ainda restavam, esfreguei toda a correia onde podia alcançar.
Depois, erguendo a mão do chão, fiquei imóvel, sem respirar.
A princípio, os vorazes animais se espantaram, terrificados
com a mudança. . . com a cessação do movimento. Fugiram, alarmados, e muitos
regressaram ao poço. Mas isso foi só por um momento. Eu não contara em vão com
sua voracidade. Observando que eu ficava sem mover-me, um ou dois dos mais
audazes pularam sobre o cavalete e farejaram o loro. Parece que isto foi o
sinal para uma corrida geral. Do poço precipitaram-se tropas frescas. Subiram
pela madeira, correram sobre ela e saltaram, às centenas, por cima do meu
corpo.
Absolutamente não os perturbou o movimento cronométrico do
pêndulo. Evitando-lhe a passagem, trabalhavam sobre a correia besuntada de
gordura. Precipitavam-se, formigavam sobre mim, em pilhas sempre crescentes.
Torciam-se sobre minha garganta, seus lábios frios tocavam os meus. Eu estava quase
sufocado pelo peso daquela multidão. Um nojo para que o mundo não tem nome
arfava-me o peito e me enregelava o coração com pesada viscosidade. Mais um
minuto, porém, e compreendi que estaria terminada a operação. Claramente
percebi o afrouxamento da correia. Sabia que em mais de um lugar ela já deveria
estar cortada. Com resolução sobre-humana, permaneci imóvel.
Nem errara em meus cálculos nem havia suportado tudo aquilo em
vão. Afinal, senti que estava livre. O loro pendia de meu corpo em pedaços. Mas
o movimento do pêndulo já me comprimia o peito. Dividira a sarja de minha
roupa. Cortara a camisa por baixo. Duas vezes, de novo, oscilou e uma aguda
sensação de dor atravessou todos os meus nervos. Mas chegara o momento de
escapar-lhe. A um gesto de minha mão, meus libertadores precipitaram-se
tumultuosamente, em fuga. Com um movimento firme - prudente, oblíquo,
encolhendo-me, abaixando-me - deslizei para fora dos laços da correia e do alcance
da cimitarra. Pelo momento, ao menos, eu estava livre.
Livre... e nas garras da Inquisição! Mal descera de meu
cavalete de horror para o chão de pedra da prisão, o movimento da máquina
infernal cessou e vi que alguma força invisível a puxara, suspendendo-a através
do forro. O conhecimento desse fato me abateu desesperadamente. Cada movimento
meu era, sem dúvida, vigiado.
Livre! Eu apenas escapara de morrer numa forma de agonia para
ser entregue a qualquer outra forma pior do que a morte. Com tal pensamento,
girei os olhos nervosamente, em volta, sobre as paredes de aço que me
circundavam. Qualquer coisa incomum, certa mudança que, a princípio, não pude
perceber distintamente, era óbvio, produzira-se no aposento. Durante vários
minutos de sonhadora e tremente abstração, entreguei-me a vãs e desconexas
conjeturas. Nesse período, certifiquei-me, pela primeira vez, da origem da luz
sulfurosa que iluminava a cela. Procedia de uma fenda, de meia polegada de
largura, que se estendia completamente em volta da prisão, na base das paredes,
as quais assim pareciam que de fato, eram inteiramente afastadas do solo.
Tentei, mas sem dúvida inutilmente, olhar por essa abertura.
Ao erguer-me da tentativa, o mistério da alteração do aposento
revelou-se logo à a minha inteligência. Eu observara que, embora o contorno das
figuras nas paredes fossem suficientemente distintos, suas cores pareciam
manchadas e indecisas. Tais cores passaram a tomar, e a cada momento tomavam,
um brilho apavorante e mais intenso que dava às espectrais e diabólicas imagens
um aspecto capaz de fazer tremerem nervos, mesmo mais firmes que os meus.
Olhos de demônio, de vivacidade selvagem e sinistra.
contemplavam-me vindos de mil direções, onde antes nada fora visível, e
cintilavam com o lívido clarão de um fogo que eu não podia forçar a imaginação
a considerar como irreal. Irreal! Mesmo quando respirei, veio-me às narinas o
bafo do vapor de ferro aquecido! Um odor sufocante espalhou-se pela prisão! Um
fulgor mais profundo se fixava a cada instante nos meus olhos que contemplavam
minhas agonias!
Uma coloração, sempre mais intensamente carmesim, difundia-se
sobre as horrendas pinturas de sangue. Ofeguei! Esforcei-me para respirar! Não
podia haver dúvidas sobre os desígnios de meus atormentadores, oh, os mais
implacáveis, os mais demoníacos dos homens! Fugi do metal ardente para o centro
da cela. Entre as ideias da destruição pelo fogo que impendia sobre mim, o
pensamento do frescor do poço caiu em minha alma como um bálsamo. Atirei-me
para suas bordas mortais. Lancei ao fundo os olhares ansiosos. O brilho do teto
inflamado iluminava seus mais recônditos recessos. Contudo, por um momento
desordenado, o espírito recusou-se a compreender a significação do que eu via.
Afinal, obriguei-o a compreender - lutei para que penetrasse
em minha alma - e aquilo se gravou em brasa na minha mente trêmula. Oh, uma voz
para falar! Oh, horror! Oh, qualquer horror, menos aquele! Com um grito, fugi
da margem e sepultei a face nas mãos, chorando amargamente.
O calor aumentava com rapidez e ainda uma vez olhei para cima
a tiritar, como num acesso de febre. Segunda alteração se dera na cela. . . e
agora a mudança era, evidentemente, na forma. Como antes, foi em vão que
tentei, a princípio, perceber ou compreender o que ocorria. Mas não fui deixado
em dúvida muito tempo. A vingança inquisitorial fora apressada pela minha dupla
fuga a ela, e não havia mais meio de perder tempo com o Rei dos Terrores.
O quarto fora quadrado. Eu notava que dois de seus ângulos de
ferro eram agora agudos e dois, em consequência, obtusos. A terrível diferença
velozmente aumentava, com um grave rugido, ou um gemido surdo. Em um instante o
aposento trocava sua forma pela de um losango. Mas a alteração não parou aí,
nem eu esperei ou desejei que ela parasse. Eu poderia ter aplicado nas paredes
rubras ao meu peito como um vestuário de eterna paz.
– A morte! – disse eu.
Qualquer morte, porém não a do poço! Louco! Não havia
compreendido que o objetivo dos ferros ardentes era impelir-me para dentro do
poço? Poderia eu resistir a seu fulgor? Ou, mesmo que o conseguisse, poderia
suportar sua pressão. E então, mais e mais se achatou o losango, com uma
rapidez não me dava tempo para refletir. Seu centro e, naturalmente sua maior
largura ficaram mesmo sobre o abismo escancarado. Fugi… mas as paredes, apertando-se
impeliam-me irresistivelmente adiante. Afinal, para meu corpo queimado e torcido,
não havia mais de uma polegada de solo firme no soalho da prisão. Não lutei mais,
a agonia de minha alma, porém, se exalou num grito alto, longo e final de desespero.
Senti que oscilava sobre a borda… Desviei os olhos...
Houve um ruído discordante de vozes humanas! Houve um elevado
toque, como o de muitas trombetas! Houve um rugido áspero como o de mil
trovões! Precipitadamente, recuaram as paredes brasa! Um braço estendido
agarrou o meu, quando eu caia, desfalecido, no abismo. Era o do General
Lasalle. O exército francês entrara em Toledo. A Inquisição caíra nas mãos de
seus inimigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita!
E já que chegou até aqui, deixe um comentário ♥
Se tiver um blog, deixe o link para que eu possa retribuir a visita.