O
desafio de setembro tinha o nome dele gravado desde que vi a convocação.
Guardei o livro com o maior carinho, dei várias espiadinhas ao longo do ano, li
trechos, mas soube esperar. O tema música não podia ser, para mim, sobre outro
artista, senão Agenor de Miranda Araújo Neto, ou mais propriamente, Cazuza.
O
livro Cazuza – Só As Mães São Felizes
é um relato concedido por sua mãe, Lucinha Araújo, à jornalista Regina
Echeverria, sete anos após a morte deste, que foi um dos maiores poetas da
música brasileira. Um dos maiores, porque não se pode menosprezar o trabalho de
outros compositores; porém, seu estilo de poesia, seus versos, e a maneira como
ele reescreveu a história do rock brasileiro, o tornaram um artista único.
Lucinha
começa o livro contando os últimos momentos da vida de seu filho – seu único
filho, com quem ela teve que aprender a ser mãe, e a quem dedicou todo amor e
admiração. Então ela faz uma volta no tempo, para biografar a trajetória de seu
filho desde o princípio, começando pelos fatos mais elementares que resultaram
em seu nascimento.
A
história de Cazuza, como ele próprio disse em entrevista, certa vez, e sua mãe
reforçou neste livro, começou em Vassouras, interior do Rio de Janeiro, onde
nasceu seu pai, João Araújo, “que se
casou com uma moça linda, Lucinha, que cantava como passarinho”.
Agenor,
conforme ela conta, foi Cazuza desde o ventre. Ela havia prometido à sua sogra
que daria o nome do pai de João ao seu filho, pois nessa época ela ainda não
imaginava que não teria outros filhos. Mas ainda na gravidez, o casal começou a
chamar seu menino de Cazuza, um nome que no nordeste significa moleque. O
próprio garoto só foi se dar conta de que seu nome era Agenor quando foi para a
escola.
E
realmente, não dá para imaginar um nome melhor para este artista.
Um
dos pontos mais extraordinários deste livro, é que, embora tenha sido narrado do
ponto de vista de uma mãe orgulhosa por ter gerado um filho tão especial, ela
não fez omissões sobre nenhum aspecto da vida de Cazuza. Ela conta passagens
preocupantes de sua infância e adolescência: o início do envolvimento com as
drogas, o medo de que o filho sofresse preconceito por ser bissexual, e as
dificuldades em encontrar seu caminho, antes de descobrir que a vocação de
Cazuza era a música.
E
embora a maior parte do livro seja sobre seu calvário – a descoberta da AIDS, o
tratamento brutal, e sua morte precoce –, o poeta está em toda parte: em suas
declarações à imprensa, nos diálogos citados por seus familiares e amigos, e na
própria postura como Cazuza escolheu enfrentar a doença, com toda coragem e
dignidade, agarrando-se ao trabalho como uma maneira de se prender à vida.
A
escolha de assumir publicamente a doença – numa época de grande preconceito,
principalmente porque ainda não se sabia muito sobre AIDS, e o medo de
contaminação era alimentado pela ignorância –, prova a coragem e o caráter de
Cazuza. Eu tinha lido, alguns anos atrás, numa matéria publicada em sua
homenagem num jornal – não me lembro qual –, algo que Cazuza disse a este respeito, e que me
fez admirá-lo ainda mais – a pessoa, além do artista: “quem canta uma música que diz ‘Brasil, mostra a tua cara!’ não pode
esconder a sua”. Encontrei esta citação também no livro, em meio a muitas
outras, que retratam sua coragem e sua força frente à tão grande adversidade.
Mas,
para além de uma biografia sobre um artista – e acima de tudo, um ser humano –
extraordinário, que escolheu viver intensamente sua curta vida, sem medos e sem
freios – exagerado, como ele próprio
se descreveu –, que descobriu da maneira mais dura que “a vida é bem mais perigosa que a morte”, e que nunca desistiu de
lutar, e nunca perdeu o otimismo, este livro é sobre uma mãe: que teve que
assistir ao sofrimento de seu único filho; que empregou todas as suas forças e
recursos para mantê-lo vivo pelo maior tempo possível; que com coragem igual,
dedicou, e ainda dedica sua vida na luta contra essa doença cruel que arrancou
seu filho do mundo – através da Sociedade Viva Cazuza, que ajuda crianças
portadoras do vírus HIV.
Lucinha
Araújo, eu acredito, rasgou o coração para contar ao mundo a linda trajetória
de seu filho tão especial, que foi idolatrado e amado por muitos, mas
naturalmente, por ninguém mais do que ela. Um relato comovente e admirável. Mas
como ela própria definiu ao terminá-lo: “nem
todas as mães são felizes”.
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