Com
uma trama macabra – dentro e fora das telas –, O Corvo, filme dirigido por Alex Proyas se tornou um clássico e uma
referência do gênero de horror desde sua estreia.
A
história do filme foi baseada nos quadrinhos homônimos de James O’Barr. Em
1978, a noiva do cartunista, Beverly, foi morta por um motorista bêbado, e a
partir daí, O’Barr criou sua série em quadrinhos, usando a vingança do
protagonista como um meio de lidar com sua tragédia pessoal.
Mal
sabia O’Barr que a adaptação de sua obra para o cinema também resultaria em
outra tragédia.
O
filme ficou marcado nas páginas negras da história do cinema pelo acidente
ocorrido durante as filmagens, e que resultou na morte precoce de seu
protagonista, o ator Brandon Lee, filho do maior mito das artes marciais no
cinema, Bruce Lee. Em várias cenas ao longo do filme, o personagem de Brandon
era baleado, mas numa delas, uma bala esquecida no cano da pistola encerraria
cedo demais a vida de seu promissor intérprete. Algum tempo após o lançamento
do filme, surgiram rumores de que a tétrica cena em que o ator foi baleado foi
incluída na edição final, embora essa informação jamais tenha sido confirmada
por ninguém envolvido na produção, e realmente seja pouco provável. O ator
Michael Massee, intérprete de Funboy, contou numa entrevista, anos depois, que
foi ele que, sem saber, disparou o tiro que matou Brandon, numa cena em que
seus personagens se confrontam – coincidência ou não, na cena em que o
personagem de Brandon foi assassinado.
Como
a morte do ator aconteceu pouco antes da conclusão das filmagens, eles gravaram
as cenas que faltavam com um dublê, e refizeram a cena do assassinato do personagem,
excluindo o trágico disparo da cena, e aproveitando o aspecto obscuro da
produção, mantiveram seu rosto escondido nas sombras.
Mas
para além da tragédia, o filme também ficou marcado pela impecável
interpretação de Brandon Lee do personagem Eric Draven, o líder de uma banda de
rock que não conseguiu descansar em paz, e precisou retornar dos mortos,
carregado pela fúria, pela dor da injustiça, e pelo eterno amor de Shelly, cujo
sofrimento e morte ele desesperadamente precisava vingar.
Aliás,
o sobrenome do personagem, Draven, é uma referência ao poema de Edgar Allan
Poe, The Raven (O Corvo), que claramente
foi uma das inspirações para a história.
E
embora o enredo do filme não seja exatamente original, nem tenha essa pretensão,
ele cativa tanto pelo universo gótico, quanto pela força e o desejo de justiça do
protagonista, que em alguns momentos beira a insanidade. Mas principalmente, o
filme cativa por Brandon Lee. Sua atuação é simplesmente irrepreensível. Ele
empresta toda a fúria, a melancolia, a força e a sensibilidade necessárias ao
personagem, sem exageros nem omissões. Até a postura escolhida por Brandon para
dar vida ao personagem depois de retornar do túmulo faz lembrar um pássaro: na
maneira de andar, de sentar, de se mover e de se comportar. E o olhar... Ah,
o olhar de Eric Draven, é simplesmente impossível descrever. Ele tem a fúria e
tem a dor, a vítima e o assassino, o anjo e o demônio, o amor e o ódio. Todas
as palavras do mundo podem ser ditas naquele olhar. Uma atuação primorosa, que
infelizmente, uniu Eric Draven, na arte e na morte, para sempre a Brandon Lee.
A
história começa na Devils Night, a noite anterior ao Halloween, em 30 de
Outubro. Logo na abertura, ouvimos a narração da personagem mais jovem no filme, uma menina chamada Sarah, contando a lenda que foi usada que como ponto
de partida na trama:
“As pessoas acreditavam que
quando alguém morria, um corvo carregava sua alma para a terra dos mortos. Mas
quando essa morte envolvia muita dor e injustiça, a alma podia ficar presa no
mundo dos vivos, e, em alguns casos, o corvo podia trazer essa alma de volta
para acertar as coisas”.
Então
somos carregados para a cena de um crime: o loft onde o protagonista, Eric
Draven, personagem de Brandon Lee, e sua noiva, Shelly Webster, foram
brutalmente assassinados por uma gangue de bandidos, na véspera de seu
casamento. Mas é como disse o policial Albrecht: ninguém se casa no Dia das
Bruxas.
O
casal assassinado costumava tomar conta de Sarah, uma menina praticamente
abandonada pela mãe, uma dançarina de boate viciada em drogas. Um ano depois da
tragédia, quando Sarah vai colocar flores no túmulo de Eric e Shelly, ela vê o
corvo se empoleirar sobre a lápide do rapaz, e começar a bicá-la.
Naquela
noite, Eric Draven levanta da tumba, atormentado pela dor e pela injustiça de
sua morte e de sua noiva, e retorna ao loft onde tudo aconteceu, para reviver
aqueles últimos momentos de horror. E inspirado pela máscara que costumava usar
para assustar Shelly, ele pinta o rosto como um palhaço sinistro, se veste de
negro, e com o corvo empoleirado em seu ombro, se lança na noite para se vingar
de seus assassinos.
Eric
vê pelos olhos do corvo, que alça voo à sua frente pela cidade, onde estão cada
um dos bandidos que invadiram seu apartamento naquela noite, há um ano, e vai
ao seu encontro.
O
primeiro a enfrentar sua ira é Tin-Tin, o homem que lhe atirou uma faca assim
que entrou no apartamento e viu sua noiva sendo espancada. Draven força o
bandido a se lembrar do crime, antes de iniciar uma luta de habilidades
marciais sobrenaturais (herança de Bruce Lee, pai do ator), e de transformá-lo
em boneco vodu com as facas do próprio assassino. Quando a polícia chega, um
pouco mais tarde, encontra o corpo do bandido coberto de facas, e o cartão de
visitas do justiceiro desenhado com sangue ao seu lado, na parede do beco: a
figura grande e majestosa de um corvo com as asas abertas.
Ainda
naquela noite, Eric Draven invade a loja do Sr. Gideon, onde Tin-Tin costumava
penhorar o espólio de seus assaltos, para recuperar o anel de noivado que ele
havia dado à Shelly. Ao estourar o vidro para entrar na loja, depois de bater
algumas vezes, Eric recita as palavras iniciais do poema de Edgar Allan Poe, O
Corvo, numa clara referência a uma das inspirações para o personagem e o filme:
“De repente, eu ouvi um ruído, como se
alguém arranhasse, arranhasse a minha porta devagar...”.
Gideon,
que é um homem acostumado a lidar com bandidos, pensa que Eric é algum vândalo,
e não hesita em recebê-lo com um tiro, mas quando este cicatriza na sua frente,
ele percebe que Eric não é um homem comum. E é quando temos pela primeira vez a
exibição do sorriso sádico e do olhar doentio que imortalizaram o personagem,
pouco antes de ele se atirar sobre o dono da loja e acuá-lo para que lhe diga
onde está o anel. E ao recuperá-lo, ele manda Gideon dar um recado à gangue de
Tin-Tin, avisando-lhes que a morte está chegando para eles, esta noite, e que
Eric Draven manda lembranças. Então o Sr. Gideon só tem tempo de saltar no beco
antes que o vingador dê o tiro na loja encharcada de gasolina para mandá-la
pelos ares, levando da loja o anel, uma arma e uma guitarra.
Na
saída, ele é abordado pela primeira vez pelo Sargento Albrecht, e dá a entender
que ele é Eric Draven, o roqueiro que o policial encontrou assassinado há um
ano, que voltou dos mortos para se vingar de seus assassinos. Mas quando o
policial se vira por um instante, ele desaparece.
A
segunda pessoa a ter um reencontro sobrenatural com o fantasma é Sarah, no
momento em que Eric a salva de ser atropelada por um carro. Mas ao tocá-la, ele
é atormentado por novas lembranças recuperadas de quando ele e Shelly cuidavam
da menina. Sarah não percebe a princípio quem ele é, pois ele não a deixa ver
seu rosto maquiado, mas quando ela atravessa a rua para buscar o skate,
reclamando da chuva, ele diz a ela a frase mais icônica de seu personagem: “não pode chover o tempo todo”.
Então
Sarah reconhece as palavras do refrão da música de Eric, e percebe que era ele,
mas quando ela se vira, ele já desapareceu como um fantasma.
Quando
Sarah chega em casa naquela noite, ela coloca o disco do Hangman’s Joke, a banda
de rock que Eric liderava, para tocar na vitrola, e fica ouvindo o refrão que
ele recitou para ela na rua, até perceber o corvo empoleirado em sua janela.
Aliás,
a chuva, dentro do universo gótico do filme, simboliza o choro e o luto, e este
é o motivo porque está chovendo quando Eric levanta do túmulo, e em todos os
momentos melancólicos do filme.
Ainda
naquela noite, Eric também acerta as contas com Funboy, quando ele está num
quarto de hotel, se drogando com Darla, a mãe de Sarah. Eric os vê através dos
olhos do corvo, e invade o quarto, destilando seu olhar insano sobre o bandido,
antes de pendurar a guitarra num mancebo, puxar uma cadeira, cobrir o cano da
arma com a mão, e desafiá-lo a atirar. Em seguida ele olha para o bandido
através de sua mão perfurada pela bala, antes de a ferida cicatrizar, para
desespero do bandido, que começa a distribuir tiros, em vão, até, com um tapa
de Eric em sua arma, balear a própria perna. Então Eric o arrasta até o
banheiro, onde Darla está escondida, e coloca o vilão na banheira para
acordá-lo, porque o malvado desmaiou de dor.
E
neste momento, Eric faz sua contribuição para melhorar a vida de Sarah, e uma
contribuição ainda maior para o hall das frases mais memoráveis, e mais
inspiradas... do mundo! Ao arrancar da mão de Darla a navalha com que ela
pretendia se defender dele, ele faz com que ela preste atenção numa bronca,
enquanto aperta o braço dela para fazer a droga retroceder e sair de seu
organismo. E enquanto faz isso, ele pronuncia essas palavras maravilhosas: “Mãe é o nome de Deus nos lábios e nos
corações das crianças”. E em seguida lembra a ela que sua filha [Sarah]
está nas ruas, esperando por ela. Aparentemente, o conselho dele calou fundo –
ou assustou muito! –, porque ela imediatamente vai embora, terminando de se
vestir no caminho.
Então,
Eric tira Funboy da banheira, e conclui sua vingança, injetando três agulhas de
heroína em seu peito, dentro de seu cartão de visitas desenhado com sangue na
pele do vilão: o corvo! E o deixa para morrer por conta própria com a overdose.
Na
sequência, ele faz uma visita ao Sargento Albrecht, para descobrir o resto da
história sobre a noite do crime. O caso acabou não sendo devidamente
investigado, porque as pessoas, mesmo aquelas que apoiavam Shelly, quando ela
estava engajada na luta contra uma ação de despejo no bairro – e que
aparentemente foi o que irritou a gangue –, e assinaram a petição, tiveram medo
de falar depois do que houve com eles. Eric, na época, achava que essas coisas
eram triviais, mas pelo visto, nada é trivial. E ao tocar no policial, Eric
consegue ver as lembranças dele do sofrimento de sua noiva nas trinta horas em
que permaneceu na UTI do hospital antes de morrer, o que o deixa ainda mais
atormentado.
O
próximo a ser visitado pelo fantasma justiceiro naquela noite é T-Bird.
Enquanto seu parceiro compra cigarros e cerveja numa loja aberta até tarde, o
corvo pousa no para-brisa do carro, e Eric, no banco de trás, aponta uma arma e
o manda dirigir cada vez mais rápido, até que a polícia liga as sirenes e começa
a persegui-los. Graças ao comparsa, Skank, que roubou um carro para ir atrás
deles, a polícia os perde de vista.
Eles
estacionam numa ponte deserta, e então Eric o amarra ao banco do motorista,
enquanto o faz recordar a noite do assassinato. E depois de prender o pé dele
no acelerador, Eric puxa o pino de uma granada, joga entre as pernas do
bandido, e deixa o carro correr ao redor das docas, com o porta-malas cheio de
explosivos, até chegar ao rio, onde tudo vai pelos ares. Enquanto isso, Eric
desenha com gasolina o cartão de visitas e acende o isqueiro para fazer o
enorme corvo flamejante brilhar.
Quando
Sarah desperta naquela manhã, vê Darla na cozinha, tentando se redimir por ser
uma mãe relapsa. Ela conta sobre o conselho que recebeu, sem revelar quem o deu
a ela. Então a menina vai ao loft procurar Eric, e encontra pedaços das fotos
dele e de Shelly queimadas na lareira. Ele tentou se livrar das lembranças
dolorosas antes de concluir a missão que o trouxe de volta. A princípio, Eric
não está disposto a se deixar ser visto, mas então ele aparece, e eles têm um
encontro comovente.
Mais
tarde, ele toca guitarra freneticamente no terraço do prédio, ao pôr-do-sol, e,
dando vazão a toda a fúria que a conclusão iminente de sua missão permite,
quebra a guitarra roubada e a atira longe, antes de ir ao covil de Top Dollar
para pegar o último nome em sua lista: o escorregadio Skank.
O
corvo vai na frente, como sempre, como um arauto, anunciando a chegada do anjo
da morte, e então, Eric faz sua entrada triunfal no covil do bandido mais
perigoso da cidade. E como os vilões se recusam a entregar o homem que ele
procura, ele se deixa ser alvejado até esgotar a munição do bando, e então se
levanta distribuindo tiros para todos os lados, matando a maior parte dos
bandidos.
Skank,
que tinha se escondido debaixo da mesa, é forçado a sair quando Eric enterra
uma espada de Top Dollar, que ele havia fincado na beira da mesa, e quase lhe
arranca o nariz. Para tentar se livrar do vingador, o bandido tenta convencê-lo
de que há um engano, e que Skank está morto. Eric concorda com isso, um segundo
antes de atirá-lo pela janela.
Então
é a vez da polícia tentar abater o justiceiro a tiros. Ele foge zombando da
tentativa inútil dos policiais, atravessa uma janela de vidro, e escapa pelos
telhados.
Agora
é Top Dollar quem está irritado com Draven, depois de ele ter destruído sua
sala de reuniões e matado seus homens, e quer pôr um fim em seu retorno dos
mortos. Então sua irmã/amante sensitiva chinesa, Myca, lhe diz que o corvo é a
ligação entre a terra dos vivos e o reino dos mortos, portanto, para matar
Eric, antes precisam matar o corvo.
Eric
está exausto, mas aliviado, porque o que tinha ficado pendente com sua morte,
foi resolvido: seus assassinos e de Shelly estão todos mortos. Há uma cena
particularmente tocante nesta sequência, quando ele sorri para as crianças que
passam correndo, fantasiadas para o Dia das Bruxas. Há outra simbologia nesta
cena: a alegria do dever cumprido, de finalmente poder descansar em paz, e a
esperança de que a cidade volte a ser um lugar seguro para seus moradores,
agora que a gangue de Funboy foi destruída... Exceto, porque ainda há uma
ameaça à solta: Top Dollar e seus comparsas, Myca e Grange. Eles já planejam o
contra-ataque ao anjo negro representado por Eric, agora que a chinesa
desvendou o mistério do corvo.
Eric
vai até o cemitério para reunir-se novamente com Shelly, e encontra Sarah dormindo
sobre o túmulo dela. Ele acorda a menina para se despedir, e dá a ela o anel de
noivado que fora de Shelly, pendurado numa corrente. Mas ao sair do cemitério,
Sarah é raptada por Grange, e levada para dentro da igreja, de onde ela grita
por Eric. Ele a vê através dos olhos do corvo, e vai correndo atender ao seu
chamado.
O
corvo entra à sua frente na igreja, e só ao ver o brilho vermelho do laser do fuzil de Grange, é que Eric percebe a armadilha, mas não
consegue impedir que o corvo tenha a asa atingida pelo tiro. Então Top Dollar
aparece, e pensando que o corvo estivesse morto, atira no ombro de Eric, que
finge ter sido gravemente ferido. O ferimento do pássaro, no entanto, realmente
anulou a imortalidade de Eric, e impediu que sua própria ferida cicatrizasse
como antes, de modo que deste momento em diante, ele precisa tomar cuidado.
Ele
fica no chão, esperando pelo momento de revidar, até que a polícia invade a
igreja atirando, e ele aproveita que os bandidos estão distraídos com o
tiroteio para sumir de vista, mas Myca consegue apanhar o corvo durante a
confusão. E sob o olhar furioso de Eric, o pássaro ataca os olhos da bandida a
bicadas, e ela despenca para a morte da torre do sino.
Então
Eric sobe até o telhado, para onde Top Dollar levou Sarah, para terem o seu
último confronto. A menina passa a maior parte da luta pendurada no telhado,
enquanto o vilão admite, depois de atravessar o corpo de Eric com uma espada,
que foi ele quem ordenou a morte dele e de Shelly. Então, Eric reúne toda a sua
fúria, e mesmo mortalmente ferido, ergue as mãos para agarrar o rosto de Top
Dollar, e transfere para ele as trinta horas de dor que sua noiva teve que
suportar antes de morrer, e o deixa cair morto do telhado, e ser atravessado
pelas lanças acima de uma das gárgulas da igreja.
Eric
resgata Sarah, e pede que ela fique com o Sargento Albrecht, que foi ferido
durante o tiroteio, até a ajuda chegar. Então ele retorna ao cemitério para
reencontrar Shelly, e poderem enfim, juntos, descansarem em paz.
“Se as pessoas que amamos são
tiradas de nós, o jeito de mantê-las vivas, é continuar amando-as. Os prédios
queimam, as pessoas morrem, mas o amor verdadeiro é eterno”.
ola, muito boa tarde!!
ResponderExcluirparabens pelo seu blog...
Obrigada! Seja sempre muito bem-vindo!
ExcluirBeijos *-*