Desafio #19: Meu Clássico de Cabeceira

em sábado, 5 de setembro de 2015


Sei que o Desafio Literário está caminhando a passos de tartaruga este ano. Acho que o fato de não ter temas fixos para cada mês acaba, de certo modo, me deixando mais inclinada a procrastinar. Mas, como também não se tem mais prazo, já que ele foi oficialmente encerrado no blog que o criou, vamos adequando às possibilidades do dia a dia.



Tinha me proposto esse ano a fazer algumas releituras, e algumas delas acabaram se encaixando perfeitamente aos temas do desafio, sobretudo por se tratarem de livros que eu ainda não resenhei aqui no blog.



O escolhido da vez foi “um livro clássico”. Esse tema tinha o título tatuado na lista desde o princípio. É claro que, ao falar em clássico, eu não poderia deixar de escolher um dos meus livros favoritos de uma das minhas autoras favoritas. O romance mais célebre de todos os tempos, que inspirou muitos outros, e que, provavelmente inspirou o formato das novelas modernas. Creio que todos compreenderão do que eu estou falando, pois, ao abordar temas polêmicos da época, ao retratar pessoas tão fora dos padrões, e situações tão cômicas e outras tão delicadas, este romance ensinou aos autores posteriores como conduzir uma trama por dezenas de capítulos sem perder a atenção do leitor.



É claro que estou falando da querida e genialíssima Jane Austen!




Orgulho & Preconceito
Título Original: Pride And Prejudice
Autor: Jane Austen
Editora: Ciranda Cultural
Páginas: 224
Gênero: Romance
Sinopse:
Orgulho & Preconceito pode ser considerado como especial porque transcende o preconceito causado pelas falsas primeiras impressões e adentra no psicológico, mostrando como o auto-conhecimento pode interferir nos julgamentos errôneos feitos a outras pessoas.
O romance retrata a relação entre Elizabeth Bennet (Lizzy) e Fitzwilliam Darcy na Inglaterra rural do século XVIII. Lizzy possui outras quatro irmãs, nenhuma delas casadas, o que a Sra. Bennet, mãe de Lizzy, considera um absurdo.
Quando o Sr. Bingley, jovem bem sucedido, aluga uma mansão próxima da casa dos Bennet, a Sra. Bennet vê nele um possível marido para uma de suas filhas. Enquanto o Sr. Bingley é visto com bons olhos por todos, Darcy, por seu jeito frio, é mal falado. Lizzy, em particular, desgosta imensamente dele, por ele ter ferido seu orgulho na primeira vez em que se encontram. A recíproca não é verdadeira. Mesmo com uma má primeira impressão, Darcy realmente se encanta por Lizzy, sem que ela saiba do fato. A partir daí o livro mostra a evolução do relacionamento entre eles e os que os rodeiam, mostrando também, desse modo, a sociedade do final do século XVIII.
O livro pode ser considerado a obra prima da escritora, que equilibra comédia com seriedade, observação meticulosa das atitudes humanas e sua ironia refinada.



Eu sempre tenho uma impressão diferente de Orgulho e Preconceito cada vez que eu leio. Para ser honesta, nunca morri de amores nem pela Elizabeth nem pelo Sr. Darcy. Aliás, por nenhum dos personagens, na verdade; todos eles parecem ter sido criados para representar um estereótipo e incomodar o leitor:



* Jane é a mocinha tonta, que acha que todo mundo é bonzinho e tem seu lugar garantido no Reino dos Céus, pelo menos, até que se prove o contrário;

* Bingley é uma espécie de marionete nas mãos das irmãs e do amigo – e neste ponto, eu realmente prefiro Darcy, que, pelo menos, não se deixa manipular;

* As irmãs de Bingley, com sua suposta afeição por Jane, e seu evidente desprezo pela pobreza da irmã dela – e dela, também, consequentemente –, sempre me pareceram mais falsas que promessa de político;

* As imãs mais novas de Elizabeth, Kitty e Lydia, são só duas garotas espivitadas com fogo no rabo – o que, na verdade, as torna engraçadas; ao contrário da outra irmã, Mary, que chega a ser patética de tão deslocada;

* A Sra. Bennet é o tipo de criatura inconveniente que faz você perdoar sua mãe pelos pequenos momentos de constrangimento que ela possa ter te causado na vida, porque não são nada comparados aos que a mãe da Elizabeth provoca;

* O Sr. Bennet é tão somente a epítome de um homem que está de saco cheio da comédia patética que sua família representa, e que parece não encontrar nenhum prazer na vida, além de ignorar tudo e todos, ficando recluso no seu canto com seus pensamentos e com seus livros;

* O Sr. Collins é um coitado, metido a sabe-tudo, que se dá importância demais, só porque é capacho da realeza;

* A amiga, Charlotte Lucas, não cheira nem fede, só está na história para não deixar o Sr. Collins morrer solteiro;

* Lady Catherine não é mais que uma caricatura excêntrica de qualquer pessoa com um título de nobreza, que tenciona transmitir uma humildade que não possui, relacionando-se com pessoas de nível inferior, que claramente só são toleradas à sua volta porque gostam de inflar-lhe o ego – e por mantê-la constantemente informada de todos os mexericos da vizinhança e de seus parentes distantes;

* Meu alarme de trambiqueiro apitou horrores desde a primeira vez que li o papo furado de Wickham sobre ter sido injustiçado por Darcy – mesmo antes de conhecer a história inteira, algo me dizia que aí tinha coisa;

* Georgiana Darcy, a irmã do protagonista, é a pobre menina rica, superprotegida, tímida, de quem todos gostam de falar mal pelas costas, mas quando você a conhece, deseja que a autora tivesse aprofundado mais sua aparição na história;

* E eu sei que deixei os protagonistas para o final, mas foi de propósito, porque, se por um lado, Darcy é um cara metido, de nariz empinado, sempre com aquela postura “eu sou rico demais para falar com essa gentinha”, e que despreza até mesmo sua atração por Elizabeth, simplesmente porque acredita ser inaceitável casar-se com um moça tão pobre quanto ela, por outro lado, Elizabeth também tem sua cota de arrogância: sempre se achando mais inteligente e mais observadora que todo mundo, sempre apontando os defeitos dos outros e julgando suas escolhas com base em suas próprias impressões, e se deixando levar pela conversa fiada de um rostinho bonito, só porque ele lhe dá mais um motivo para implicar com alguém que ela não simpatiza. Resumindo: Elizabeth e Darcy são farinha do mesmo saco!



Mas, se até aqui eu dei a impressão de odiar cegamente este romance tão querido de Jane Austen, vou começar a desfazê-la a partir de agora. Até porque, ninguém lê quatro vezes um livro que tenha detestado na primeira.



Acho até que o objetivo de Jane Austen ao criar seus personagens desta maneira foi justamente suscitar algum tipo de identificação, por parte dos leitores, com algum parente, amigo ou conhecido que também possuísse esses trejeitos, e de algum modo, fazer troça e brincar com esses estereótipos e com toda a hipocrisia que imperava na sociedade da época.



É verdade que os protagonistas evoluíram muito ao longo do romance. Darcy, por exemplo, despiu-se de parte de seu declarado orgulho quando se viu irremediavelmente apaixonado por Elizabeth; e ela teve que pesar melhor suas opiniões sobre ele, ao ter contato com algumas revelações inesperadas, e conhecer a verdadeira generosidade de seu caráter.



A certa altura, é quase impossível não torcer por uma conclusão feliz para os dois.



É quase incompreensível, ao fazer uma análise sensata da obra, que um livro com personagens tão absurdos tenha feito tanto sucesso, por tanto tempo, e continue sendo tão admirado. Mais incompreensível ainda é que ele tenha sido considerado o livro mais bem escrito do mundo! Mas isto, dito por alguém que já admitiu ter lido quatro vezes, praticamente elucida o caso. Orgulho e Preconceito é aquele livro que cativa, não pelos personagens, nem pela história em si, mas pelas entrelinhas, pela reflexão que incentiva. Porque, como eu disse anteriormente, convida o leitor a identificar em algum de seus personagens a si mesmo, ou alguém que conhece, e pensar nessa mesma identificação de maneira a compreender se gosta dessa perspectiva ou não, e assim, dar a si mesmo, ou ao seu conhecido identificado, a oportunidade de, assim como os personagens deste romance, evoluir, transcender, minimizar os defeitos e crescer como pessoas. E é isso, talvez, que desperta o desejo de ler de novo. E de novo. E de novo!



Então, a mesma análise acaba por responder a pergunta. Orgulho e Preconceito é o livro mais bem escrito, e um dos mais admirados do mundo porque eu estou nele, você está nele, o seu vizinho está nele; e todos temos a chance de, ao mesmo tempo, rir dessas características bobas tão bem representadas, como diminui-las, se achar necessário. De certo modo, este, talvez, tenha sido um dos primeiros livros a fazer um retrato tão convincente dessas tolices que todo mundo comete, mas ninguém admite, e a brincar com os estereótipos, sem parecer uma crítica direta.



O livro também aborda assuntos polêmicos da época em que foi escrito, como a distinção de classes sociais e sua influência nos relacionamentos amorosos; o interesse em alcançar posição e fortuna através do casamento; e a conveniência de se obter um casamento vantajoso, em detrimento de um amor verdadeiro.



Além do mais, a história contada retrata, de maneira coerente, toda a lógica ilógica do amor: esse sentimento que é especialista em se manifestar no momento mais inapropriado, pegar um coração desprevenido e fazê-lo se afeiçoar por características que, aos olhos unicamente da razão, poderiam ser inadmissíveis. Elizabeth e Darcy, embora muito parecidos em teimosia, obstinação e arrogância, não achavam possível sentir qualquer coisa um pelo outro, a não ser antipatia. No entanto, ao serem assaltados por esse sentimento travesso que adora fazer corações turrões engasgarem em seu próprio orgulho, tiveram que aprender a lidar, cada um a sua maneira, com a nova perspectiva do outro, e admitir, ainda que com grande esforço, qualidades que não teriam enxergado se o cupido não os tivesse flechado. E a partir daí, renunciar, cada um, ao defeito que mais se opunha a esse amor impróprio: ele, ao seu orgulho, e reconhecer-se apaixonado por uma mulher de classe social tão inferior, e com uma família tão tola; ela, ao seu preconceito em relação a um homem rico demais para estreitar relações com meros mortais do interior da Inglaterra. Por fim, ela também teve que abrir mão de seu orgulho, e reconhecer que seu julgamento a respeito dele fora extremamente precipitado, e reconhecer nele suas grandes qualidades; e ele, teve que deixar de lado todo o seu preconceito em relação a família e a situação financeira dela, em prol de uma felicidade maior.



Parece que os defeitos, no fim das contas se confundem: os dele também pertencem a ela; os dela também fazem parte dele. Darcy e Elizabeth; Elizabeth e Darcy. Ou, simplesmente: Orgulho e Preconceito.


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