Desafio #5: Matando Um Tigre Por Dia... Digo...

em sábado, 31 de maio de 2014



O tema “Bichos” me deixou um pouco desanimada. Nada contra os bichos nos livros, apenas não parecia motivador o bastante para este desafio. Talvez, por isso mesmo, seja um “desafio”.


Nos tópicos anteriores, quando vi os temas já pensei numa escolha fácil. Quer dizer, mais ou menos. O primeiro, “Na Estante”, foi fácil, o livro já estava na pilha há séculos; o segundo não me fez perder muito tempo, vi a capa rosa com o rapaz ajoelhado diante da garota, com uma rosa e um violão na mão, com cara de “perdão, amor, eu sei que eu fiz merda”, e ela com cara de “é, fez mesmo!”, e tive certeza de que seria uma leitura agradável, o que, de fato, foi; o terceiro eu tinha escolhido P.S. Eu Te Amo, mas vi Psicose e mudei de ideia na hora; o quarto eu até balancei com A Culpa é das Estrelas, mas depois de ver O Chamado do Cuco, John Green que fique para depois!


Mas esse tema de maio não me deixou muito animada. Cheguei a pegar “O Chamado Selvagem” na mão, afinal, a segunda vez (que se lê um livro) é ainda melhor, mas enrolei alguns dias, tentando achar algo mais inédito. “A Saga do Tigre”, da Colleen Houck me chamou atenção, mas com tanta coisa para fazer eu tinha certeza de que não daria conta de uma quadrilogia em um mês, ou mesmo dois, e não gosto de deixar sagas inacabadas, porque quando eu pego o livro seguinte algum parágrafo me dá a impressão de ter perdido o fio da meada. Prefiro tratar as sagas como “histórias”, e ler tudo em sequência, em vez de ficar esperando pela “próxima temporada da série”.


Para resumir a ópera, vi “Floresta dos Corvos”, e acabei pegando “As Aventuras de Pi” (claro que Floresta dos Corvos está bem posicionado na minha pilha de “para ler em 2014” – Deus abençoe quem inventou o livro digital, que é mais barato, fácil de guardar e levar por aí, e me poupa a vergonha de admitir que ainda não li vários títulos da minha biblioteca pessoal. Afinal, o dia só tem 24 horas, o tempo não para, e embora eu tenha dois olhos, um único cérebro para processar tudo de uma vez! Risos).



Confesso: ainda não assisti o filme – As Aventuras de Pi, quero dizer –, e duvido que o faça. Mas não entenda mal, o livro é ótimo.



Começa com um relato bastante extenso, que deveria ser desagradável e pouco encorajador, sobre a rotina de um zoológico indiano: uma longa lista de considerações acerca da vida no zoológico ser proporcional para os animais à vida na selva sob muitos aspectos; embora o habitat cercado seja consideravelmente menor, ele atende a todas as necessidades para a sobrevivência e bem estar dos bichos.


Em meio a este relato, há outros dois pontos igualmente abordados: a peculiaridade desagradável no nome do protagonista, Pi Patel (Pi é o apelido de Piscine, que deveria ser dito na pronúncia francesa, mas em inglês soava como o verbo “pissing”, que significa “mijando”), e a confrontação de seu respeito e amor pela religião com as opiniões de alguns ateus; além de sua confessa devoção e prática de três religiões diferentes: o hinduísmo, o cristianismo e o islã.


O primeiro e o terceiro assunto (o segundo tinha o mérito de ser engraçado), poderiam ter me desanimado a prosseguir com a leitura. Afinal, estamos falando de nada menos que 28 capítulos! Pois é... Poderia...


A princípio, o livro parece um extenso manual de “como criar e administrar seu próprio zoológico”. Obviamente, estas páginas que, falando desse jeito, podem parecer maçantes, mas garanto que não o são, foram escritas com o objetivo de explicar os eventos posteriores – ninguém precisa ter assistido ao filme para saber que Pi navegou num bote em companhia de um tigre selvagem; basta ter visto um pôster do filme para saber disso, então não é spoiler. Explicar como foi sua vida antes desta aventura, que ele cresceu num zoológico, e que seu pai ter lhe ensinado desde cedo como lidar com segurança e manter distância de animais selvagens foi primordial para sua sobrevivência no bote.


Pi Patel faz um relato muito detalhado dos 227 dias em que esteve à deriva no Oceano Pacífico. Um relato que chega a ser quase chocante em alguns momentos, meio nauseante se você permitir que sua imaginação crie uma imagem exata da cena e não tiver estômago para suportá-la (o que, felizmente, não é o meu caso. Minha imaginação criou as imagens, mas meu estômago é meio sádico), e também meio penoso.


A princípio, eram quatro os animais a bordo: uma hiena-malhada, animalzinho repugnante, que em três dias dizimou a zebra ferida e a fêmea de orangotango, nos tempos menos tensos em que Pi ainda não estava plenamente consciente da presença do tigre-de-bengala deitado debaixo da lona – quem diria, com enjoo de mar...


Depois que ficaram apenas Pi e Richard Parker – o tigre –, as histórias passaram a ser sobre a incessante luta pela sobrevivência. Pi tinha que garantir todo dia a sua alimentação e, principalmente, a de Richard Parker – pois a última coisa que ele poderia querer naquela situação era ter um tigre-de-bengala adulto e faminto no bote. Depois de algum tempo, e de estar praticamente exilado numa balsa improvisada a partir de remos flutuantes e coletes salva-vidas, Pi percebeu a importância de domar o tigre, para que sua presença no bote não se tornasse um transtorno, o que foi primordial para sua sobrevivência, sobretudo depois que a balsa foi destruída numa tempestade.


O livro tem exatamente 100 capítulos – nem um a mais, nem um a menos – e traz todos os detalhes assombrosos dessa aventura do náufrago adolescente e de sua relação tensa, porém, afetuosa com o “bichinho de estimação”, incluindo passagens que tornam muito provável a hipótese de que ele tenha enlouquecido em algum momento durante sua provação, e alucinado algumas coisas.


Pode-se dizer que As Aventuras de Pi é uma coletânea de diversas histórias da vida de um garoto indiano, e cada uma delas poderia dar origem a um livro diferente: sobre um menino que cresceu num zoológico, relato extenso que, repito, poderia ter sido maçante, mas que captura a atenção justamente porque nós nunca paramos para pensar em como realmente funciona um zoológico; sobre um menino que amava tanto a Deus que precisava segui-lo em todas as religiões – exceto o judaísmo, que por alguma razão desconhecida não foi apresentado a Pi; sobre um garoto adolescente que ficou perdido no Oceano Pacífico por mais de sete meses em companhia de um tigre-de-bengala adulto, e sobreviveu; e um capítulo particularmente extenso, o de número 92, que sem dúvida daria uma aventura aparte, onde Pi acidentalmente descobre uma ilha inteiramente composta de vegetação – sem nenhum grão de terra – no Oceano Pacífico, habitada por uma população de centenas de milhares de suricatos – uma ilha que faria os personagens de Lost se sentirem no paraíso com sua própria tragédia na série! E temos ainda, aqui e ali, um capítulo lançando luz sobre o status atual da vida deste garoto extraordinário: como ele superou a tragédia, sem jamais perder suas raízes.


Mas o autor preferiu reunir todas essas histórias juntas, e contar a maravilhosa e peculiar vida de Piscine Molitor Patel. Ou se preferirem:
π = 3,14 Patel *

Em resumo, As Aventuras de Pi é uma história – além de extraordinária e emocionante –, que nos ensina a valorizar as coisas simples da vida, como um copo de água potável, por exemplo. E também nos faz pensar que talvez a coisa mais significativa que podemos fazer na vida é simplesmente viver!




P.S.: Alguém provavelmente vai notar um déjà vu das conversas fascinantes do náufrago de Tom Hanks com a bola de basquete Wilson, numa curta passagem que relata um diálogo entre Pi e “Richard Parker”, o tigre-de-bengala com sotaque francês!


* Apenas a título de observação, para quem não entendeu: π é a letra grega denominada Pi, utilizada como símbolo matemático no cálculo para designar a circunferência de um círculo. A constante (o número de Pi), determinada por aproximação seria: π (Pi) = 3,14159 26535 89793 23846 26433 83279 50288 41971 69399 37510 58... e o número se estende numa contagem infinita, mas vamos encurtar a conversa!

** Que fique claro: eu não esbarrei no teclado!

*** Sim, Admirável Mundo Inventado também é cultura! Hehe



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