Ligeiramente atrasada, eis o resultado
do desafio literário do mês de abril, “o Hype do momento”: o que está todo mundo lendo.
Quando vi esse tópico não tive dúvida
sobre qual seria o livro perfeito: “A Culpa é das Estrelas”, de John Green. Na
verdade, esse livro até poderia ter sido meu “Na Estante”, porque eu já vinha
adiando essa leitura há séculos. Mas então imaginei a chuva de resenhas deste
livro que poderiam surgir nos blogs este mês, por causa do mesmo desafio (deste
e de outros títulos do autor, que recentemente se tornou o favorito absoluto
dos leitores, no topo das listas dos mais vendidos com pelo menos cinco
títulos!), e decidi procurar outro “Hype” para este desafio.
Passei quase duas horas verificando
as listas de mais vendidos e de mais populares para decidir entre um catálogo
relativamente grande de títulos em evidência (não vamos nos esquecer de que
Nicholas Sparks, assim como Green, também emplaca um novo sucesso com
frequência inacreditável; quase como os astros da música com seus novos
singles!).
Então, finalmente, depois de algumas
observações, acabei decidindo por uma opção que em todos os aspectos era a mais
atraente.
Talvez o momento “Hype” deste livro
até já tenha passado, exceto entre os Potterheads, e convenhamos que os
Potterheads formam uma comunidade muito grande no Brasil!
Por conta da polêmica a respeito da
descoberta de que Robert Galbraith é pseudônimo de J. K. Rowling, “O Chamado do
Cuco” ganhou grande notoriedade, e principalmente, popularidade, embora já fosse
um sucesso de vendas na Grã-Bretanha antes mesmo de a fofoca vazar.
Depois de ler o livro eu compreendi o
possível motivo de J. K. Rowling ter hesitado tanto em admitir a autoria do
livro. “O Chamado do Cuco”, em praticamente toda a narrativa, soa extremamente
diferente de Harry Potter, o que, em minha opinião, comprova irrevogavelmente o
talento e a maestria extraordinários da autora. Ela não só criou uma história
que nada tinha a ver com o mundo fantástico em que esteve pisando por quase
vinte anos, como também criou um autor e deu vida a ele nas páginas: em sua
maneira de narrar, de descrever os diálogos, de contar sua história, conferindo
a ele nuances tão reais e tão masculinas que poderiam tê-lo tornado crível por
décadas, se a informação não tivesse vazado.
Esta obra se distancia largamente da
literatura leve e incensurável de Harry Potter. Sobretudo na escolha da
linguagem. Os diálogos dos personagens, e por vezes até a narrativa, são
pautados por termos e expressões que moralmente não são recomendadas para
crianças (o, teoricamente, principal público de Harry Potter). Portanto é
compreensível a preocupação da autora em se preservar detrás do pseudônimo de
Robert Galbraith. Ela deve ter imaginado que isto inibiria a procura voraz pela
obra meramente pelo conhecimento de ter sido escrito por ela, e o possível
choque de algum leitor ao contrastar este novo estilo literário com suas obras
anteriores. Não que algo nesta obra tenha me chocado... A verdade é que eu
absolutamente adorei cada linha do texto, e em alguns momentos até esqueci (ou
simplesmente deixei de lado) quem era a verdadeira autora do livro. Seu talento
e sua obra falam por si.
Aliás, esta foi uma escolha
audaciosa: lançar-se como autor desconhecido é praticamente como um recomeço de
carreira, um tiro no escuro, sobretudo no competitivo (e infelizmente pouco
valorizado; se morasse no Brasil ela provavelmente ficaria muito menos motivada
a arriscar) mercado literário; ter de reconquistar todo o espaço que ela já
tinha alcançado com a saga do bruxinho, mas desta vez, para um autor sem rosto.
Imagino que isso seria um desafio... Se ela não fosse indubitavelmente uma
autora – vou tomar emprestado o muito merecido bordão da saga – BRILHANTE!
Para não dar muitos spoilers –
afinal, é um livro de suspense policial – e não estragar as surpresas de
ninguém, vou resumir apenas o pano de fundo, o “sobre o quê” é a história.
O livro gira em torno do aparente
suicídio de uma famosa modelo britânica, Lula Landry (apelidada por um amigo
como Cuco, informação que só é revelada quase na metade do livro, e que finalmente
justifica o título), cercado de controvérsias que a polícia decidiu ignorar ao
encerrar o caso. Nenhum dos amigos ou familiares de Lula disseram conhecer um
motivo que a levaria ao suicídio, embora ela sofresse de transtorno bipolar.
A princípio, foi considerada a
hipótese de que o responsável por sua morte fosse o namorado viciado, o ator
Evan Duffield, porém, o álibi dele havia sido comprovado durante a
investigação.
O único que não parecia convencido
disso, ou de qualquer outra circunstância em torno da morte da modelo, era seu
irmão adotivo, John Bristow, pois a polícia não havia conseguido identificar um
homem flagrado pelas câmeras de segurança espalhadas pelas ruas de Londres fugindo
correndo do bairro onde Lula morreu.
Isto levou Bristow a contratar os
serviços do detetive particular Cormoran Strike para reinvestigar o caso.
E neste momento eu tiro o chapéu mais
uma vez à J. K. Rowling, por não criar uma réplica de seu conterrâneo Sherlock
Holmes: um detetive astuto, arrogante, e incapaz de não replicar ou evidenciar
as mentiras e revelações comprometedoras dos envolvidos no caso ao longo da
investigação.
A verdade é que Cormoran Strike é
tudo o que eu jamais esperaria de um detetive. Em lugar de um charmoso morador
da Baker Street, Rowling (ou melhor, Galbraith) talhou um detetive de uma perna
só, desventuradamente sem-teto, cujos problemas pessoais o forçaram a morar em
seu escritório, endividado até as orelhas, e com uma nova secretária temporária
que, embora pareça ter caído do céu com uma astúcia providencial para ajudá-lo
na investigação, ele sabe que perderá em breve, pois não tem condições de pagar
seu salário. Aliás, Robin Ellacott (que na minha cabeça assumiu uma imagem
loira da Dafne do Scooby-Doo) parece ter sido a única a realmente acreditar no
potencial de Strike como detetive desde o começo. E ao longo da história se
mostrou quase tão boa investigadora quanto ele.
Eu não dava um tostão furado pelo
Strike no começo do livro. Como detetive, achei-o imprestável: fazendo
interrogatórios medíocres, pouco elaborados, com perguntas toscas que pareciam
ir do nada a lugar nenhum. Demorei um tempo para me dar conta de que ele
deixava as pessoas tagarelarem de propósito; dava corda para que falassem à
vontade sobre o que quisessem contar, enquanto mentalmente ia montando um
intrincado quebra-cabeça, composto, basicamente, de informações, à primeira
vista, inúteis que as testemunhas tagarelavam. Aparentemente as fofocas e a
língua ferina dos amigos de celebridades revelam muito mais do que as
evidências de uma perícia forense. Sobretudo, quando o assassino é meticuloso o
suficiente (e tem uma sorte do caramba também!) para não deixar nada pelo
caminho.
A única testemunha da morte da modelo
era sua vizinha do primeiro andar, Tansy Bestigui, que disse ter ouvido Lula
discutindo com um homem momentos antes de cair da sacada, dois andares acima.
Mas o depoimento de Tansy foi desconsiderado e desmentido pela polícia, que
comprovou que ela não poderia ter ouvido nada de dentro de seu apartamento, com
as janelas à prova de som fechadas. E como foi encontrada meia carreira de
cocaína no banheiro dos Bestigui, eles presumiram que ela poderia ter sido
vítima de uma alucinação auditiva por causa da droga. Ou simplesmente,
inventado a história toda.
Strike duvidou disso no momento em
que interrogou Tansy. Ele concluiu que ela dizia a verdade sobre ter ouvido a
discussão e sobre ter visto a queda da modelo. A questão era que, por alguma
razão, Tansy mentia sobre onde estava e o que estava fazendo quando testemunhou
estas coisas.
Ele interrogou todo mundo, e já tinha
praticamente todo o quebra-cabeça montado (sem deixar vazar nenhum spoiler para
o leitor, malvado), quando finalmente se cansou das evasivas de sua testemunha
mais relutante e primordial: o produtor de cinema Freddie Bestigui, marido de
Tansy. Foi neste momento, quando ele enxovalhou o produtor com suas descobertas
sobre o motivo de Tansy ter contado seu testemunho emoldurado em mentiras, para
intimidar Bestigui a colaborar com a investigação, que eu finalmente dei
crédito ao detetive. Eu tinha imaginado inúmeras possibilidades para ela ter
mentido (inclusive que o produtor, que eu julguei um pervertido desde o começo,
tivesse enviado sua mulher seminua para dar as “boas-vindas” ao rapper Deeby
Macc no apartamento abaixo do de Lula – isso, na pior das hipóteses, porque não
tinha ficado clara para mim a relevância de mencionar que Tansy descera à portaria seminua, gritando histericamente depois
de ter testemunhado a queda da modelo). A conclusão verdadeira (que não vou
contar) foi a única solução que não tinha me passado pela cabeça, e deu até uma
peninha da Tansy. Ela, afinal, não era uma boneca de plástico, vaca, golpista,
chupim de marido rico, e oportunista, querendo ficar famosa à custa da tragédia
da modelo, como eu havia pensado. Bem, ao menos ela não era a última coisa.
Confesso: não fiquei nem um pouco
surpresa com a revelação do assassino. A hipótese já tinha me ocorrido algumas
vezes, embora eu ainda tivesse outro suspeito igualmente forte. Tinha
adivinhado o motivo, o beneficiário do testamento, e tal... Meu cérebro é meio
diabólico em me adiantar spoilers claros antes de chegar ao final do livro. Eu
apenas, frustrantemente, não tinha conseguido compreender, embora depois tenha
se mostrado óbvio também, o motivo das ações iniciais do culpado.
Em minhas considerações finais, devo
dizer que o livro é realmente muito bom; não apenas num nível J. K. Rowling,
porque isso, como já disse, é um fato que pode ser facilmente desconectado
durante a leitura, mas porque é uma história densa, instigante, que faz o
leitor querer chegar ao fundo do mistério, e mergulhar de cabeça nos bastidores
escandalosos da fama.
Como o próprio Cormoran Strike pôde
concluir sobre si mesmo, ao colher os louros de seu trabalho nesta
investigação, Robert Galbraith, já em sua estreia na literatura de mistério
policial, independentemente de sua verdadeira identidade, “tornou-se um nome”!
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