Caso
você suspeite que algum dia se encontrará sozinho numa ilha deserta, sem
recursos para retornar à civilização, nem meios de comunicação, você PRECISA
ler esse livro. Nele você encontrará tudo o que precisa saber para sobreviver
confortavelmente numa situação bastante adversa e sem recursos.
Mais
que uma grande obra da literatura clássica universal, A Ilha Misteriosa é uma
leitura desafiadora para aqueles que não estão habituados ao estilo de Júlio
Verne.
Ao
contrário dos demais livros mais conhecidos e cultuados do autor – como Viagem
Ao Centro da Terra, A Volta Ao Mundo Em 80 Dias e Vinte Mil Léguas Submarinas
–, A Ilha Misteriosa é um livro demasiadamente longo e descritivo.
Antes
de prosseguir, preciso abrir um parêntese para falar um pouquinho das outras
obras que eu li de Verne, para que não pareça que estou iniciando a resenha com
uma crítica negativa. De imediato, adianto: o livro é incrível! Mas é preciso
primeiro que se conheça os antecedentes do autor na minha lista de leitura.
O
primeiro livro que li de Júlio Verne foi Viagem Ao Centro da Terra, onde o
autor cria uma narrativa em direção ao inexplorado e provavelmente inacessível
centro do mundo, através de um mineralogista audacioso que simplesmente não
pôde recusar o chamado da aventura. Um livro que seria difícil de ler, com
tantos termos estranhos e complicados de assimilar, se a narrativa não fosse
tão interessante.
Vinte
Mil Léguas Submarinas narra as, digamos, aventuras de três náufragos a bordo do
extraordinário submarino Nautillus, capitaneado por Nemo, um homem estranho e
misterioso que os recolheu do mar, com a condição de que fizessem parte de sua
tripulação pelo resto de seus dias. A história vai basicamente do nada a lugar
nenhum, e parece não ter outro objetivo, senão demonstrar que existem mais
coisas para se explorar no fundo dos oceanos do que poderíamos imaginar. O
filme da Disney de 1954 conseguiu tirar leite de pedra e criar uma história
infinitamente mais interessante que a do livro. Se eu tivesse começado a ler os
livros do autor com esta obra, eu provavelmente não teria lido outro Verne.
A
Volta Ao Mundo Em 80 Dias foi o primeiro livro de Verne que não me pareceu um
guia de viagem. Neste livro o autor se lembrou de que era preciso criar uma
história para dar contexto à viagem grandiosa de Phileas Fogg. E assim ele
criou todas as aventuras que poderiam atrapalhar o êxito da viagem do
protagonista, e sua vitória na aposta, como as investidas do desventurado
Detetive Fix, o resgate da indiana Aouda, condenada a morrer na pira funerária onde
queimariam o cadáver de seu marido, e todos os embaraços que quase puseram a perder a
empreitada de Fogg. Este é, indubitavelmente, meu livro favorito do autor,
pois pela primeira vez, ele se libertou da didática, e se concentrou em contar
uma história mais despretensiosa, com começo, meio e fim, e com reviravoltas
instigantes para os personagens.
Isto
posto, vamos falar de A Ilha Misteriosa.
A ILHA MISTERIOSATítulo Original: L’Île MystérieuseAutor: Júlio VerneEditora: ZaharPáginas: 552Gênero: Aventura
Sinopse:Cinco “náufragos' do ar, arrastados em seu balão por um furacão, aterrissam numa ilha deserta do Pacífico Sul, em 24/03/1865. Contando somente com a roupa do corpo, porém enérgicos e determinados, o pequeno núcleo de colonos irá refazer toda a longa trajetória da civilização: da pré-história aos tempos modernos, da cerâmica rudimentar a instalação de um elevador, do domínio do fogo a fabricação de dinamite, dos primeiros artefatos a bateria, sem deixar de passar pelo advento da agricultura e da pecuária. Mas logo perceberão, escondida na ilha, uma presença misteriosa cujas intervenções eles constatam, sem, no entanto, descobrirem sua origem...Sucesso desde o lançamento, A Ilha Misteriosa é uma viagem extraordinária e, também, uma reflexão sobre a humanidade, seus limites e sua definição.EEEEE
O
livro, como eu disse, é um relato bastante prolongado do destino de cinco
náufragos que, fugindo de Richmond, no estado da Virgínia, onde haviam se
tornado prisioneiros dos Confederados sulistas durante a Guerra de Secessão
Americana, utilizaram como veículo de fuga um balão que encontraram dando sopa
numa praça, sem a devida vigilância, em vista de uma tempestade que se
aproximava. Todavia, apanhado por essa tempestade, o balão foi soprado para o Oceano
Pacífico, onde, depois de os passageiros terem se livrado de todo o peso
inútil, acabou se acidentando próximo à costa de uma ilha, até então,
desconhecida.
A
princípio, um dos náufragos, o engenheiro Cyrus Smith havia se perdido. Seus
companheiros, depois de alcançarem a segurança da praia, esforçaram-se em
descobrir o que havia sucedido ao engenheiro – resgatá-lo com vida, se
possível, ou, em último caso, darem a ele ao menos uma sepultura digna.
Vejam,
esses homens, mesmo tendo sido, de certa forma, prisioneiros de guerra, eram
homens honestos e bons cristãos, e nessas condições, não desejavam a perda de
nenhuma vida em seu grupo.
Passada
a tempestade, eles encontraram abrigo numa caverna, onde mais tarde foram
descobertos pelo cão do engenheiro, que eles também julgavam morto àquela
altura. Nab, o fiel criado de Cyrus Smith, que não se conformou de maneira
alguma com a possível perda de seu patrão, havia se obstinado em sua busca,
mesmo depois que os companheiros haviam perdido a esperança, e veio a
encontrá-lo com vida, ainda que muito debilitado, numa parte remota da ilha.
Uma
vez reunido o grupo – formado pelo engenheiro, seu criado, o marinheiro Pencroff,
o jovem Harbert e o repórter do New York Harold, Gédeon Spillet; e mais tarde,
um homem resgatado num ilhéu mais ou menos próximo, chamado Ayrton, que havia
sido lá abandonado à própria sorte como punição por seus atos de pirataria –, e
depois de o engenheiro ter recuperado a saúde, os cinco náufragos iniciaram
então uma expedição de reconhecimento à ilha para a qual o balão e a tempestade
os arremessara.
E
é essa história que eu mencionei como demasiadamente longa.
Só
para esclarecer: longo, aqui, não tem
o sentido de maçante. A história
desses náufragos captura o interesse de uma forma que eu não consegui largar o
livro até chegar à última página. Particularmente, gosto do estilo descritivo,
e ao mesmo tempo didático empregado por Júlio Verne nessa obra, ainda que por
vezes ele tenha se prolongado em demasia.
Do
reconhecimento da ilha, à conclusão de que ela não era habitada por homens, da
verificação de sua posição no Oceano Pacífico – os náufragos utilizaram seus
conhecimentos de geografia e horologia para determinar a latitude e longitude
aproximadas da ilha, que mais tarde, verificadas com precisão com a ajuda de um
sextante encontrado numa caixa proveniente de algum outro naufrágio ocorrido
nas imediações da ilha, se confirmou com bastante aproximação –, até os
esforços para tornar mais confortável sua situação de sobrevivência naquele
pedaço de mundo tão distante de qualquer outra terra – que incluíram descobrir
um refúgio seguro sob qualquer circunstância, numa galeria cavada naturalmente
no interior de um maciço granítico, cujo corredor outrora servia para dar vazão
às águas de um lago, que desaguava diretamente no mar; fabricar utensílios e
ferramentas necessárias à sua sobrevivência, como vasos e panelas de barro,
pás, picaretas, machados, fornos, etc.; e inclusive preparados químicos que
permitiram criar uma nova vazante para as águas desse lago, desobstruindo a
passagem para sua nova habitação –, temos uma narrativa incrivelmente detalhada
de todos os esforços e conhecimentos empregados em cada etapa da adaptação dos
náufragos à vida naquela ilha. Aos sedentos por conhecimento, Verne nos premia
com preciosas informações, e descrições dos processos que permitiram àqueles
homens fabricarem todos os itens essenciais à sua sobrevivência, utilizando os
recursos naturais que abundavam na ilha.
Naturalmente,
essa é só uma parte da história. Enquanto vão descobrindo os territórios, as
maravilhas, a fauna e a flora da Ilha Lincoln – que eles assim batizaram em
homenagem ao revolucionário presidente americano que, naquela altura, tentava
obter a liberdade dos escravos em sua nação –, os personagens também percebem
qualquer coisa de sobrenatural ocorrendo na ilha.
Resumindo
brevemente os acontecimentos estranhos e inexplicáveis (e economizando nos
spoilers): o cão que os acompanha, de tempos em tempos, demonstra certa
inquietação ao redor do poço no corredor da muralha granítica, por onde outrora
as águas do lago se precipitavam para o mar, e que, mesmo depois de ter sido
explorado, não parecia conter nada de anormal; uma bala de chumbo é encontrada
na carne de um animal que eles caçaram, quando os colonos já tinham determinado
que estavam sozinhos ali, e sem nenhuma arma de fogo, e por mais que eles
procurassem, não encontraram qualquer vestígio de presença humana na ilha; uma
misteriosa caixa, possivelmente resto de um naufrágio ocorrido nas imediações
da ilha, contendo itens preciosos aos colonos, como mapas, ferramentas,
utensílios, armas e munição aparece certo dia na praia, sem que eles consigam
detectar qualquer outro vestígio do suposto naufrágio; uma caixa com
medicamentos imprescindíveis para a cura de um dos colonos a certa altura da
história aparece misteriosamente dentro da residência onde os colonos se
abrigaram na muralha granítica. Sem falar no misterioso salvamento do
engenheiro, que ele não faz ideia de como aconteceu, e uma fogueira acesa certa
noite por nenhum dos membros da colônia. Entre outras coisinhas que se eu
relacionar servirão como spoilers.
Tudo
isso parece evidenciar uma presença, no mínimo, sobrenatural protegendo e
auxiliando os colonos da Ilha Lincoln.
A
revelação desse mistério não será surpresa a quem, por qualquer meio, já teve
contato com as obras de Verne – seja por filmes ou representações e citações
das obras dele em séries de TV.
Apesar
disso, o livro ainda guarda mais uma surpresa para o final, quando os colonos
correm contra o tempo para escapar a um perigo realmente mortal que, durante
quatro anos vivendo na ilha, eles sequer suspeitaram que existisse, e que se
materializou sobre eles inesperadamente.
Demais
é uma palavra que resume bem A Ilha Misteriosa: o livro é longo demais,
descritivo demais, instrutivo demais; também interessante demais e incrível
demais.
O
livro rememora a trajetória da humanidade em busca do progresso, todos os
conhecimentos adquiridos desde a pré-história com a descoberta do fogo, até o
início da indústria, com a invenção da eletricidade. Mais do que uma simples
aventura, relatando os meios de sobrevivência buscados por cinco “náufragos do
ar”, obrigados a dispor somente da natureza e dos conhecimentos que cada um
adquiriu ao longo da vida, o livro exalta o ser humano e sua excepcional
capacidade de superação, desenvolvimento e sobrevivência, bastando ter apenas
disposição para o trabalho, e algum conhecimento sobre como aproveitar os
diversos recursos que a natureza dispõe para melhorar sua qualidade de vida. Afinal,
os personagens foram lançados nesta Ilha Misteriosa apenas coma roupa do corpo, e ao longo de sua jornada de
adaptação, dada a impossibilidade inicial de serem repatriados, desenvolveram-se
como agricultores, pecuaristas, moleiros, engenheiros, pedreiros, ferreiros,
vidraceiros, oleiros, químicos, industriais, e até mesmo eletricistas,
telegrafistas e médicos. Cada um, a seu modo, enriqueceu a colônia com os
conhecimentos que possuía, fossem eles quais fossem, e desse modo, não tiveram
necessidade de nada que a civilização pudesse lhes proporcionar, tornando
aquele pedaço de mundo, a princípio selvagem, numa colônia tão rica em recursos
quanto qualquer outro país da época.
O
livro demonstra como o ser humano é capaz de se reinventar e se refazer em sociedade,
ou mesmo na falta dela; ser civilizado, apesar dos recursos limitados, mesmo
tendo que criar os meios necessários, e também de se reabilitar após terem chegado
ao estado mais baixo de sua existência – seja ela física ou moral.
Simplesmente
maravilhoso!
É
o tipo do livro que, quem conseguir suportar as aparentemente demasiadas descrições,
achará impossível largar antes do final, e absorverá grandes aprendizados de sua narrativa.
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