Tudo começou numa
tarde em 1968. Não houve flerte prolongado. Apenas uma contemplação profunda,
um interesse cativante, a agonia de um segundo; apenas isso bastou para nascer
uma genuína paixão no coração daquele garoto de onze anos.
Foi seu pai quem
os apresentou. Ele relutou, mas não demorou muito, teve que ceder. Não é
atrevimento nenhum dizer que foi o sofrimento que os uniu, embora aquela agonia
guardasse em si uma miríade de alegrias fortuitas e orgulho apaixonado.
A partir daquela
tarde de 1968, sua vida foi irrevogavelmente mudada. Ele nunca mais conseguiu
deixar de pensar em sua paixão. Remoía cada momento, cada lance, cada detalhe
de cada encontro por horas, sentindo-se intimimamente abobalhado. E mesmo
depois de décadas de sofrimento – mais sofrimento que alegrias, verdade seja
dita – a paixão permaneceu como no primeiro dia.
Parece que estou
narrando uma história de amor, não é mesmo? Bem, de fato. Mas não é o amor
comum de um homem por uma mulher; este é o amor apaixonado de um torcedor pelo
seu time do coração.
O desafio de
julho foi o mais trabalhoso no quesito escolher um livro. Veja bem, nada contra
o tema, mas ler sobre esportes ou esportistas não parecia uma ideia muito
promissora (considerando o gosto pessoal da leitora que vos fala). Não tenho
muita paciência para ler biografias (salvo raras exceções), e não conseguia me
imaginar lendo qualquer coisa que me fizesse lembrar um manual de basquete ou
de vôlei, por exemplo.
Tentei fugir de
lugares-comuns (duas biografias do Neymar flertaram comigo nos corredores da
livraria Saraiva; outra de Pelé; outra de Garrincha – para citar apenas alguns
exemplos). Coloquei na cabeça desde que vi esse desafio na lista que eu iria
ler um livro sobre futebol. Não porque era mês de Copa do Mundo; nem porque foi
sediada pelo Brasil; simplesmente porque eu amo futebol!
A única coisa que
poderia me fazer mudar de rumo seria uma biografia de Ayrton Senna (olha uma
das exceções aí!). Mas como esta preciosidade não me caiu às mãos desta vez,
fica para a próxima oportunidade.
Num momento de
desespero, quando eu não encontrava nada que me interessasse nas prateleiras,
pensei em escrever a resenha sobre o livro curinga que eu já estava lendo:
Clube da Luta. Não que esse livro tenha grande ênfase no esporte, mas partindo
do conceito de que lutas (completamente fora do contexto apresentado no livro)
são esportes, disputam olimpíadas e tudo mais, até poderia servir.
Felizmente, eu
achei outro livro para a resenha do desafio.
E nem precisei ir
muito longe. Quem diria, que a garota que estava fugindo de lugares-comuns
acabaria cedendo a um grande clichê do futebol?
Bem, clichê sim,
mas empolgante com certeza!
“Febre de Bola”, de Nick Hornby, era inclusive uma das sugestões do blog que lançou o desafio, e eu torci o nariz para ele antes de ler as primeiras páginas. Eu queria um livro que falasse da paixão pelo futebol, mas que houvesse outro pano de fundo, uma outra história como base, algo que o futebol completasse e fizesse o diferencial; não queria uma biografia de jogador, nem de nenhum time específico. Sobre isso eu tive muito tempo para estudar “A História das Copas do Mundo”, quando precisei escrever um trabalho detalhado para a escola, em 2002. E eu não iria repetir esse livro agora.
Mas quando li as
primeiras páginas de Febre de Bola, simplesmente se tornou impossível largá-lo.
Sabe quando o
livro certo encontra o leitor certo? Então...
A primeira coisa
que me cativou nesse livro foi que ele era sobre paixão; a mais doentia,
sofredora e inexplicável de todas: a paixão pelo futebol. A segunda coisa que
me cativou, foi que o livro era narrado do ponto de vista do torcedor
apaixonado, dentre todos os times do mundo, justamente pelo Arsenal, da
Inglaterra! (Clube pelo qual tenho profunda simpatia há quase meia década – sem
deixar de ser corintiana, que fique bem claro. Embora torcedora, francamente,
no sentido absoluto da palavra, eu não seja de time nenhum...) O que remete a
um fato curioso sobre esta blogueira que vos fala...
Foi a atuação de
um jogador holandês na Copa do Mundo de 2010 (curiosamente, no jogo onde a seleção
holandesa eliminou o Brasil ainda nas oitavas-de-final), o que despertou minha
paixão pelo futebol. Que fique claro que eu não gostei de ver o Brasil ser
eliminado tão precocemente do Mundial, embora tivesse certeza desde o início de
que com aquele técnico (tomara que o fiasco não se repita!) a seleção não iria
muito longe. Eu fiquei furiosa com a eliminação! E naquele momento determinei
que a seleção que eliminou o pentacampeão canarinho tinha a obrigação moral de
vencer a Copa do Mundo. Desde então passei a torcer pela vitória holandesa (um
dos motivos porque odiei a final contra a Espanha – magnificamente vingada este
ano! Diga-se de passagem...).
Mas como ia
dizendo, apesar da eliminação brasileira, a atuação de certo jogador holandês
me chamou atenção. Não sei dizer se foi pelos passes em profundidade, pela
habilidade no chute, nos dribles... Sei lá... Só sei que eu gostei do futebol
que eu vi no pé daquele cidadão, e a partir daquele momento, comecei a
acompanhar melhor as partidas, e comparar as atuações dos demais jogadores,
daquelas e de outras seleções (se o técnico da seleção brasileira fizesse metade
dessas avaliações, o desastre na reta final da Copa deste ano teria sido muito
menor).
Quando a Copa de
2010 acabou, eu senti um vazio naquela minha paixão recém-descoberta pelo
futebol, e decidi que precisava acompanhar outro campeonato. E como as temporadas
dos clubes brasileiros me dão mais sono que empolgação, passei a acompanhar os
campeonatos europeus, especialmente os jogos de times ingleses. Adivinhem em
que clube atuava o tal jogador holandês que me seduziu com seus pés? Pois é...
Arsenal!
Foi chegar nessa
parte, ainda na introdução comemorativa às duas décadas do livro (sim, Febre de
Bola não é nenhuma novidade, foi publicado originalmente em 1992), e se
acabaram minhas dúvidas de que aquele era o livro mais adequado para o desafio
deste mês.
Esta constatação
(não pensem que custou a chegar) aconteceu no primeiro parágrafo – na terceira
parte da primeira sentença para ser mais exata. E dali até o final da segunda
página só se confirmou a primeira impressão. Isto porque, a primeira citação de
grande relevância nesta introdução, foi a um jogo disputado em 2011, a final da
Copa da Inglaterra, em Wembley, contra o Birmingham City, ao qual eu assisti na
época num canal a cabo, e do qual me lembrei imediatamente à citação do único gol
do Arsenal na partida – o gol de empate, (se minha memória não falha, num voleio
espetacular!), marcado adivinhem por quem? Exato: aquele holandês! Ninguém mais,
ninguém menos que Robin van Persie!
A identificação
da partida e do jogador – o nome não foi citado no livro – me fez compreender
também o tom da narrativa: o placar final daquele jogo foi 2x1. Já mencionei
que o voleio do holandês foi o único gol do Arsenal na partida, de modo que o
significado é autoexplicativo. Aquela história seria o expoente, do ponto de
vista de um torcedor obcecado, tanto das glórias ocasionais e emblemáticas,
quanto das derrotas mais infelizes e miseráveis. A verdade nua e crua; doa a
quem doer. O típico jeito torcedor de ser: ridiculamente eufórico com os bons
tempos de vacas gordas, incompreensivelmente tolerante com as fases ruins, incomparavelmente
sofredor até o apito final.
A esta
identificação imediata seguiu uma infinidade de citações de partidas, lances e
gols históricos do clube, numa narrativa fluida, que mescla a trajetória do
clube – com todos os seus triunfos e dissabores – com a vida do torcedor que a
está narrando, de modo que temos uma dupla biografia em um único livro – o que,
sem dúvida, torna a coisa toda muito mais interessante.
Se o livro peca
em alguma coisa – narrativamente –, é na pouca informação com relação a
passagens trágicas na história do futebol inglês – como a tragédia em
Hillsborough durante um jogo entre Liverpool e Newcastle pela semifinal da Copa
da Inglaterra, em 1989, muito mencionada, mas pouco informativa no capítulo a
ela dedicado. O perdão vem do fato de que este não é um livro jornalístico, nem
trata exclusivamente das deficiências na segurança dos estádios ingleses, e
provavelmente da prerrogativa do autor de não querer levantar assuntos polêmicos
na obra.
Aparte isso, é um
livro divertido, engraçado em muitas passagens, histórico do ponto de vista
informativo (você tem a divulgação de datas, placares e goleadores de aproximadamente
uma centena de jogos disputados pelo Arsenal e outros clubes ingleses, e até
mesmo da seleção inglesa ao longo de 25 anos), e extremamente gostoso de ler.
Não simplesmente
um livro sobre futebol. Nem somente o relato delirante de um torcedor
consciente de sua própria obsessão e maluquice. Febre de Bola, é antes de mais
nada, uma história de amor.
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