por Verônica Lira
Hoje deveria ser o dia mais feliz de nossas vidas. Mas há uma
atmosfera sombria ao meu redor, e uma canção sinistra que é angustiantemente
familiar. Ele está tão bonito, elegante e vivo no terno italiano que fiz tanta questão
que ele usasse hoje...
Ele... É tão impessoal, tão vago, tão distante. Eu poderia
apenas desta vez me atrever a guardar um nome. Uma lembrança torturante do
quanto a escuridão me absorveu.
Não. Sem lembranças, como sempre.
Apanhei as rosas que roubei mais cedo no jardim para fazer
meu buquê; ajeitei a anágua do vestido vermelho – jamais me vestirei de branco,
nada de sacramentos; desci o véu perolado sobre meu rosto. E caminhei para ele.
Ele estava sorrindo ao lado da cama, esperando. Nossa noite
de núpcias. Juramos amor eterno no quarto de hotel; sem padre, sem cerimônia,
sem sacrilégio.
A canção cresceu ao meu redor à medida que ele me envolvia
com seus braços ardentes. Parecia o som de uma valsa tocada em pura percussão.
Ouvi com prazer cada batida preenchendo o ambiente, o som da música crescendo,
me absorvendo. Fui me deixando levar, sendo dominada lentamente, até não poder
mais suportar.
E então, veio o clímax absoluto, quando a artéria que ligava
o som da música ao prazer quente e intoxicante do sangue dele se rompeu. As
batidas se tornaram mais intensas e mais urgentes; a música ficou mais alta; e
então mais lenta; até que tudo se acabou. Senti na pele dele a última batida de
seu coração e dei um suspiro.
A música cessou.
Mas a minha sede não.
Beijei com carinho as rosas roubadas antes de depositá-las em
seu peito, como um símbolo de amor. O amor eterno que jurei, e que vivi
plenamente sob o feitiço da canção inebriante das batidas de seu coração,
enquanto a vida dele descia pela minha garganta. Eu sempre o amarei.
Mas agora eu preciso encontrar outra pessoa para amar... Até
o fim da noite de núpcias.